sábado, 29 de dezembro de 2012

CARREFOUR TERÁ QUE PAGAR R$ 100 MIL PARA FUNCIONÁRIA CHAMADA DE 'MACACA'


 

SÃO PAULO - O Carrefour terá que pagar R$ 100 mil de indenização para uma ex-funcionária que sofreu discriminação racial, tratamento grosseiro e excesso de trabalho. Em decorrência do assédio moral, ela acabou sendo vítima da síndrome de esgotamento profissional, ficando incapacitada por três anos.
A mulher foi contratada em 1994 para trabalhar como chefe de seção no Carrefour Sul, em Brasília. No entanto, acabou recebendo outras atribuições cumulativamente, exercendo, então, as funções de chefe de seção, gerente de caixa e secretária de diretor.
Ela relatou que um diretor fazia terror psicológico, com repetidas pressões intimidadoras, constrangedoras e humilhantes. Um dia, ele a chamou de '"macaca" na presença de outros empregados.
A partir de janeiro de 2006, ela desenvolveu quadro depressivo, insônia, ansiedade, dentre outros males psicológicos, tendo que se afastar por licença médica. No final de 2006, passou a trabalhar no Carrefour Norte, mas a situação perdurou mesmo com a mudança do diretor, pois o novo preposto também cometeu abuso do poder diretivo, com idêntico tratamento grosseiro. Não aguentando a pressão, a trabalhadora pediu desligamento da empresa em dezembro de 2010.

 

Valor da indenização


Com isso, o supermercado foi condenado a pagar R$ 100 mil pela 18ª Vara do Trabalho de Brasília, mas após recurso o valor reduziu para R$ 12 mil pelo Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (DF/TO).
Entretanto, após novo recurso ao TST, o ministro relator do processo, Aloysio Corrêa da Veiga, considerou que a decisão regional não respeitou o princípio da proporcionalidade ou o caráter pedagógico da medida e voltou a aumentar o valor da indenização chegando novamente em R$ 100 mil.

 

Reposta


Em nota, o Carrefour afirma que "não se pronuncia sobre processos que estão em tramitação no judiciário, mas reforça que tem o firme compromisso de atuar de acordo com as diretrizes de seu Código de Conduta para os Negócios, que repudia toda e qualquer atitude de preconceito e prioriza o respeito à ética e à lei".
A empresa disse ainda que "realizou este ano a formação de mais de 50 mil funcionários" em campanhas sobre diversidade, e que participa de ações sociais em parceria com entidades que promovem a igualdade racial.

"AGRONEGÓCIO PROCURA REGIÕES VULNERÁVEIS PARA SE DESENVOLVER", DIZ GEÓGRAFO


 

"É impossível o diálogo entre qualquer tipo de conceito que remeta a equilíbrio no interior do sistema capitalista agrário do agronegócio. Assim como a falácia do aquecimento global e os créditos de carbono, a sustentabilidade é outro projeto de marketing que envolve grandes corporações capitalistas ligadas também ao agronegócio no intuito de mascarar o que, de fato, é a sua essência: a concentração, segregação e desigualdade", diz o geógrafo Tiago Cubas.

(*) Entrevista publicada originalmente na página do IHU-Online (Unisinos)

O crescimento do agronegócio no Brasil está vinculado às "mudanças neoliberais nas leis de política agrária", que possibilitaram a expansão exorbitante do setor sucroalcooleiro, especialmente em São Paulo, diz Tiago Cubas em entrevista à IHU On-Line. Apenas no estado paulista, a "produção total da cana em 1990 era de 137.835.000 toneladas com 1.811.980 hectares", e aumentou para "386.061.274 toneladas com 4.914.670 hectares" em 2008, informa. 
Segundo o pesquisador, questões políticas favoreceram a expansão do setor na economia brasileira. "Com a continuidade do PSDB no estado de São Paulo, com a entrada do governo do PT no âmbito federal e com bastante vínculo construído no estado com o agronegócio através do chefe de gabinete, Antônio Palocci, e o ex-ministro de agricultura, Roberto Rodrigues, a agroindústria da cana-de-açúcar obteve grandes investimentos e um enorme crescimento, tanto econômica como politicamente", frisa.
Autor da dissertação “São Paulo Agrário: representações da disputa territorial entre camponeses e ruralistas de 1988 a 2009”, Tiago Cubas é membro do grupo de pesquisa do Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária – NERA, e analisa os limites de desenvolvimento social em regiões onde cresce a produção do agronegócio. Na semana passada sua dissertação foi comentada na imprensa, e algumas matérias “distorceram o que foi de fato nosso objetivo”, avalia. 
A pesquisa se propôs a “expor a luta pela terra e a luta para se manter na terra produzindo a favor da soberania alimentar, consequentemente o protagonismo camponês no enfrentamento com o capital no estado de São Paulo, bem como sua representação, principalmente na grande mídia. Esse é um detalhe perdido ironicamente na cobertura da dissertação recentemente defendida”, lamenta.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line, Cubas comenta o comitê estratégico para o agronegócio, anunciado pelo Ministério da Agricultura para fortalecer o setor. "Para 2011/12 serão destinados no Plano Agrícola da Agricultura e da Pecuária R$ 107,21 bilhões, isso revela um aumento de 7,2% em relação ao plano passado. O que justifica o que dizemos até então é mostrar que, segundo o Ministério da Agricultura, essa linha de crédito tem a intenção de renovar os canaviais brasileiros, com destaque para o incentivo a própria cana-de-açúcar, além da laranja e da pecuária. Para esse plano não existe limite de crédito por estado; isso se dá por recursos oferecidos por linha de investimento, e são três: custeio e comercialização (R$ 80,2 bilhões); investimento (R$ 20,5 bilhões); e linhas especiais (R$ 6,5 bilhões)". 
E dispara: "Estava incluso no discurso de lançamento da presidente Dilma Rousseff, em Ribeirão Preto em 17 de junho de 2011, um incentivo especial à produção da cana-de-açúcar e à pecuária. Por isso houve a criação de uma linha especial de crédito para a cana, por produtor, que será de um milhão de reais para expansão e renovação dos canaviais; e para a pecuária, por produtor, que será de 750 mil reais para compra de matrizes, produtores e custeio".
Tiago Cubas (foto) é mestre em Geografia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho.
Confira a entrevista.

IHU On-Line – Como o agronegócio tem se desenvolvido em São Paulo nos últimos anos? Quais são as culturas que mais se desenvolvem e a que atribui a expansão agrícola no estado? 
Tiago Cubas – O agronegócio diria: “eu vou bem, obrigado”. Esse sistema – o agronegócio, que é agricultura, ruralistas, Estado capitalista, imprensa corporativista, transnacionais – tem se expandido com grande excelência no estado de São Paulo. A partir principalmente dos anos 1990, com mudanças neoliberais nas leis de política agrária, notamos, segundo nosso estudo, que as áreas do agronegócio sucroalcooleiro, aí incluímos a agricultura da cana-de-açúcar e as agroindústrias, cresceram exorbitantemente. 
Em São Paulo, a produção total da cana em 1990 era de 137.835.000 toneladas com 1.811.980 hectares, já em 2008 tivemos 386.061.274 toneladas com 4.914.670 hectares. Em 1990, a razão média era de 76,06 toneladas por hectare, e em 2008 a razão média era de 74,48 toneladas por hectare (com mais de 150 usinas espalhadas pelo estado).

IHU On-Line – Quais as implicações do desenvolvimento do agronegócio em São Paulo? Por que ele não estimula o desenvolvimento social e favorece a pobreza relativa?
Tiago Cubas – Temos que lembrar dos fatores na escala internacional, como o crescimento no preço de petróleo, que produziu pressão no início do século XXI para a retomada da política do PROALCOOL, iniciada pela ditadura nos anos 1970. Com a continuidade do PSDB no estado de São Paulo, com a entrada do governo PT no âmbito federal e com bastante vínculo construído no estado com o agronegócio através do chefe de gabinete Antônio Palocci, e o ministro de agricultura Roberto Rodrigues, a agroindústria da cana-de-açúcar obteve grandes investimentos e um enorme crescimento, tanto econômica como politicamente. Palocci era prefeito de Ribeirão Preto, que há décadas era considerada o coração do agronegócio no Brasil. Uma cidade enorme onde os donos da terra impediram, há uns 50 anos, qualquer tipo de desenvolvimento econômico que poderia ameaçar seu domínio. Então, continua sendo uma cidade de comércio e serviços dependente da atividade agrícola, sem nenhuma outra indústria.
Tentamos expressar nos mapas e nas análises da dissertação como as políticas públicas a favor da agroindústria de cana e etanol foram acompanhadas pelas políticas compensatórias e assistencialistas em vez de políticas emancipatórias para os sem-terra. Assim, os usineiros e fazendeiros de São Paulo conseguiram repassar, ao longo do tempo, qualquer responsabilidade com a questão social para o estado, ao mesmo tempo em que – apoiando reformas neoliberais e antes disso: o golpe do estado, a ditadura e jagunços – procuraram diminuir a capacidade do Estado funcionar sem seu aval.

IHU On-Line – Outro dado do mapeamento diz respeito à concentração de casos de violência no campo nas áreas em que houve expansão agrícola. Quais as motivações desses conflitos?
Tiago Cubas – Existem várias possibilidades. Entretanto, a questão deveria ser: o agronegócio trouxe miséria, ou a procurou a fim de aproveitar-se dela, ou ainda: a causou? É importante notar que a imprensa corporativista pegou nosso estudo sobre seu papel no conflito entre camponeses e ruralistas como modelos de construção de sociedades distintos, disputando o território do estado de São Paulo, para enfatizar, em sua reportagem da dissertação, uma relação geográfica alarmante ("agronegócio e pobreza relativa crescem juntos"), que os mapas no estudo destacam. Então, sobre quais disputas de poder estamos falando?
O Globo argumentou em sua reportagem da dissertação que o agronegócio "trouxe também" miséria e violência, mas esta representação da dissertação não faz parte de nosso trabalho. Há evidência, é claro, no sentido de que a grande lavoura, ou latifúndio, ou agronegócio concentra não só a terra, mas também riqueza e poder. Sua construção depende da desconstrução (destruição) do que veio antes: ou as comunidades dos povos indígenas ou o campesinato. Assim, garanta para ele a terra, a riqueza dela, mão de obra dependente, e verá a continuidade de seu poder político, social e econômico.
Em São Paulo, os donos da terra e do poder também subsidiaram grandes migrações para o estado, ou dos chamados colonos da Europa (ou de homens e mulheres camponeses do Nordeste, reduzindo-os a “proletariado”). A mídia corporativista “fez de conta” que estes apareceram de repente, surpreendentemente, ao lado do agronegócio, da miséria e da violência, como se fosse um acidente. Assim a mídia se mostra contraditória até na reportagem de um estudo que mostra o contrário: ela revela seu papel como um braço direito do agronegócio, contribuindo para reforçar sua hegemonia na luta territorial. Até com a reportagem de um estudo sobre seu papel na luta pela terra ela consegue dissimular e desviar o olhar da realidade para a narrativa de sua escolha. Então, é importante observar o papel de enfrentamento de movimentos socioterritoriais, como o do MST, que buscam a emancipação dos seus territórios frente a vertente capitalista agrária. Esses conflitos são causados pela repressão e opressão direta dos ruralistas contra os camponeses que resistem e se recriam no seu modo de viver (produção, trabalho acessório, cultura, identidade).

IHU On-Line – Quais são as características econômicas, ambientais e sociais de Ribeirão Preto, a capital do agronegócio brasileiro?
Tiago Cubas – Ribeirão Preto é um lugar terrível. Meu orientador morou lá durante anos e escreveu uma história do lugar, publicado em português em 2012. É quente, poluído e cercado de favelas (isso devido ao desordenamento territorial urbano na especulação imobiliária e na falta de senso socioambiental). Isso porque o agronegócio de cana destruiu toda sua proteção florestal para fazer seus “mares” de cana, expulsou o campesinato do campo para a cidade, acabando com a diversidade que prevaleceu até os anos 1960. Impediu todos os planos de implantação de outras indústrias e brigou ferozmente para comprometer os sindicatos e não deixar o MST se organizar. Com muita luta e a ajuda de alguns setores da Igreja Católica, do movimento sindical e da USP, o MST conseguiu ocupar e assentar 260 famílias na antiga fazenda da Barra dentro do município, criando o Assentamento Mario Lago. É pouco, mas muito, dado ao absolutismo do reino dos coronéis da burguesia agrária da região.

IHU On-Line – Roberto Rodrigues, coordenador do Centro de Agronegócio da FGV, informou em artigo recente que “a área plantada com grãos no país cresceu 37%, enquanto a produção aumentou 178%”, e que há “51 milhões de hectares plantados com grãos” no país. O que esses dados significam? Como o senhor interpreta esses dados?
Tiago Cubas – É bom deixar claro que o problema aqui não é cana-de-açúcar, ou a soja, mas a monocultura para agroexportação e, principalmente, o modelo de apropriação das relações sociais e de poder que envolvem o agronegócio e os camponeses no Brasil. Esses dados refletem a expansão do agronegócio em todo o país, e São Paulo, como centro econômico e político nacional, não é diferente.

IHU On-Line – É possível estabelecer alguma relação entre o agronegócio e a sustentabilidade? Esse é um modelo sustentável? Em que sentido?
Tiago Cubas – É impossível o diálogo entre qualquer tipo de conceito que remeta a equilíbrio no interior do sistema capitalista agrário do agronegócio. Assim como a falácia do aquecimento global e os créditos de carbono, a sustentabilidade é outro projeto de marketing que envolve grandes corporações capitalistas ligadas também ao agronegócio no intuito de mascarar o que, de fato, é a sua essência: a concentração, segregação e desigualdade. É importante aí entendermos os conceitos de essência do território e aparência do território. O território do capital se situa em aparentar a realidade como discurso único, e essa é a sua essência, a razão de não se explicar por completo, e assim ele se torna forte. Esse território é legitimado então quando o que está posto é a resolução para todas as coisas. Contudo, a imagem territorial (aparência) não pode ser atribuída à totalidade, ela apenas faz parte de uma realidade muito mais complexa do que vemos, o invisível (ou aquilo que ainda não foi escancarado).
O território do agronegócio vive de sua aparência, porque a sua essência é não se explicar, é ser uma propaganda ambulante de si mesmo e do seu “bem”. Esse projeto publicitário, que envolve a imprensa corporativista, tenta convencer a sociedade de que o desmatamento histórico – agora mais evidente na área da Fronteira Legal da Amazônia –, as queimadas, os agrotóxicos, os transgênicos e a exploração do trabalhador urbano e rural não são resultados do sistema do agronegócio. Dessa forma ele propõe o discurso de que tem procurado se estabelecer “sustentável”. O único modelo que conheço equilibrado, desde o seu modo de vida e produção, é o modelo camponês (o conceito de modelo camponês pode ser entendido como agricultor familiar que privilegia a solidariedade nas relações sociais e o equilíbrio com o meio ambiente no intuito de desenvolver a soberania alimentar lutando por políticas públicas emancipatórias). Mas para que o modelo camponês se realize eficazmente, é preciso condições de políticas de obtenção de terra desconcentradoras, subsídios à produção e à criação de mercados alternativos.

IHU On-Line – O Ministério da Agricultura anunciou o lançamento do comitê estratégico com empresários do setor do agronegócio para elaborar uma agenda estratégica para fortalecer o agronegócio nacional. Como avalia o investimento do governo nesta área?
Tiago Cubas – Dos planos de 2002/2003 para os planos de 2010/2011 tivemos tanto no Plano Safra da Agricultura Familiar – PAF como Plano Safra da Agricultura e Pecuária – PAP capitalista um aumento nos recursos direcionados para agricultura camponesa e para agricultura capitalista. A divergência que podemos apontar ao interpretar os dados é que o aumento foi muito maior para os investimentos voltados para agricultura capitalista. De 2002/2003 para 2010/2011 o PAP aumentou seus investimentos cerca de R$ 79,5 bilhões, e o PAF aumentou cerca de R$ 14,6 bilhões. Apesar de proporcionalmente o crescimento ser semelhante à diferença absoluta, esse dado é significativo, pois aponta para o prevalecimento (dos interesses) do território do paradigma do capitalismo agrário nas políticas públicas para o campo.
Para 2011/2012 serão destinados no Plano Agrícola da Agricultura e da Pecuária R$ 107,21 bilhões, isso revela um aumento de 7,2% em relação ao plano passado. O que justifica o que dizemos até então é mostrar que, segundo o Ministério da Agricultura, essa linha de crédito tem a intenção de renovar os canaviais brasileiros, com destaque para o incentivo a própria cana-de-açúcar, além da laranja e da pecuária. Para esse plano não existe limite de crédito por estado; isso se dá por recursos oferecidos por linha de investimento, e são três: custeio e comercialização (R$ 80,2 bilhões); investimento (R$ 20,5 bilhões); e linhas especiais (R$ 6,5 bilhões).
Estava incluso no discurso de lançamento da presidente Dilma Rousseff, em Ribeirão Preto em 17 de junho de 2011, um incentivo especial à produção da cana-de-açúcar e à pecuária. Por isso houve a criação de uma linha especial de crédito para a cana, por produtor, que será de um milhão de reais para expansão e renovação dos canaviais; e para a pecuária, por produtor, que será de 750 mil reais para compra de matrizes, produtores e custeio.
Já para o Plano Safra do Agricultor Familiar de 2011/2012, que é para o campesinato, temos um investimento total de R$ 16,2 bilhões. O foco desse plano é incentivar a produção de alimentos, os que principalmente fazem parte da alimentação tradicional do brasileiro como arroz, feijão, milho e mandioca. Um braço importante do Plano Safra do Agricultor Familiar é o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – Pronaf. Mas que ainda é muito pouco quando obsevamos a quantidade de alimentos que os camponeses produzem. (De acordo com o Censo Agropecuário de 2006, são 70% dos alimentos produzidos por camponeses em 24% das terras utilizadas.)

IHU On-Line – Como vê a discussão acerca da reforma agrária no Brasil? O que aconteceu com o Incra?
Tiago Cubas – Não se trata do que aconteceu com o Incra. Esse Instituto sempre esteve amarrado pelas correntes do Estado capitalista. Na verdade, a pergunta deveria ser: o que aconteceu com a função social e de denúncia da imprensa? Onde os governos têm investido capital: no agronegócio ou no campesinato? As políticas de obtenção de terra no Brasil são irrisórias quando comparamos isso com o poder de cooptação do agronegócio em franca expansão dos seus territórios. O protagonismo da luta camponesa, que faz frente a essa expansão, de 1988 a 2009 em São Paulo, teve 1312 ocupações com 193.516 famílias, uma média de 147,5 famílias por ocupação, sabendo que 70% aproximadamente foram coordenadas pelo MST. E essa parte da história é frequentemente ocultada pela imprensa, e isso revela parte importante da discussão do conceito de reforma agrária para os movimentos socioterritoriais.
Desse modo, o que o governo chama de reforma agrária são, em sua maioria, políticas de obtenção de terra, e só. Reforma agrária é quando acontece a desconcentração fundiária, e a política da desapropriação de terras é um raro exemplo disso. Os governos brasileiro e paulista deixaram há muito tempo essa pauta. Enquanto a luta continua denunciando aspectos degradantes do formato do agronegócio, além da exploração do trabalhador e grilagens de terras, o discurso do crescimento econômico tem tomado a frente do desenvolvimento socioterritorial. Isso ocorre de tal modo que somente desapropriar e conceder assentamentos não é suficiente sem políticas de auxílio ao desenvolvimento do modelo camponês de produção social e econômica.

IHU On-Line – Em que consistiriam políticas públicas eficientes para o desenvolvimento da agricultura familiar em São Paulo?
Tiago Cubas – Sob um olhar teórico, seriam políticas que não fossem meramente compensatórias ou assistencialistas. Políticas públicas emancipatórias e que forneçam ao pequeno produtor camponês o espaço para manter a defesa do conceito da soberania alimentar, para garantir seu modo de vida (cultura, tradições, etc.), sobretudo políticas que criem novas possibilidades de mercados não capitalistas.
Temos visto algumas iniciativas importantes e que consideramos políticas públicas emancipatórias, como o Programa de Aquisição de Alimentos – PAA e o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – Pronera, que, através de cursos superiores em parceria com universidades públicas para os assentados, fazem parte da luta pela terra. Esses dois programas são exemplos de conquistas dos movimentos socioterritoriais que evidenciam a disputa por dois modelos distintos de sociedade: o modelo camponês e o capitalista agrário. Recentemente, de 2010 a 2012 tive a oportunidade de trabalhar no Curso Especial de Geografia para Assentados – parceria Incra/Pronera/Unesp), que formou neste ano mais de 40 assentados na graduação em Geografia os quais têm atuado em suas comunidades, fazendo o ensino e conhecimento camponês. São profissionais que qualificaram a sua militância nos movimentos de que participam. Isso tudo é resultado de uma luta histórica por territórios que hoje se instala também no Congresso Nacional por políticas públicas diferenciadas.

GREVE NA USINA DECASA

GREVE NA USINA DECASA

Evandro C. Pedro
Licenciado e Bacharelando em Geografia

Descumprimento de diversos acordos e desrespeito a leis trabalhistas são motivos da paralisação.

Nesta manhã houve paralisação do trabalho na usina Decasa – Açúcar e Álcool. A usina localizada em Marabá Paulista, município localizado a 640 km da capital paulista. As frentes de trabalho, 45 turmas cruzaram os braços, ultrapassam mais de 700 trabalhadores. O Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Presidente Venceslau e Marabá Paulista acompanha a movimentação dos trabalhadores, seu representante Rubens Germano, apresentou a pauta com as seguintes reivindicações:



FGTS – A usina não recolhe a mais de 4 (quatro) anos.

INSS – Sem recolhimento pelo período de 4 (quatro) anos.

Férias – Trabalhadores com duas férias vencidas sem recebê-las, não pagando-as e nem deixando gozar desse direito garantido pela CLT.

Cesta Básica – Alguns produtos com qualidade inferior ao acordado entre a empresa e os sindicatos.

Diária – Trabalhadores não estão conseguindo atingir a produção necessária que ultrapasse os salário. Sendo que a empresa não completa para o mesmo receber pelo menos o salário-base.

Portaria do MTE – Descumprimento do que consta na portaria do Registro de ponto.

Transporte – Em péssimas condições, pondo em risco a vida do trabalhador. Muitos não possuem água potável.

Ambulância – Nos locais de trabalho não há ambulâncias caso os trabalhadores necessitem.

Preço da cana – A empresa não cumpre o preço acordado e nem o ágio.

Atestado – Falta de pagamento de atestados. Os trabalhadores recebem falta nos dias que necessitam de assistência médica.



Contradições na entrega do Selo de boas práticas



Destacamos que na data de hoje, acontece em Brasília, à cerimônia de entrega do selo de boas práticas com os trabalhadores e o meio ambiente, às indústrias de cana-de-açúcar no Palácio do Planalto, com a presença da presidenta Dilma Rousseff, do senador José Sarney (PMDB-AP), do ministro da Secretaria-Geral da Presidencia, Gilberto Carvalho, entre outras autoridades.

A usina Decasa é uma das 169 empresas do setor que será agraciada com o selo “Empresa Compromissada”. A cerimônia reconhece às ações que beneficiam o trabalhador de cana-de-açúcar, concedido pela Comissão Nacional de Diálogo e Avaliação do Compromisso Nacional. O acordo foi firmado pela primeira vez no ano de 2009 entre governo federal, representação dos trabalhadores e empresários do setor.



Descumprimento dos Acordos



A paralisação dos trabalhadores da empresa Decasa – Acúcar e Etanol se fundamentam numa série de descumprimentos de Acordos Coletivos da Categoria e também de compromissos já firmados com o governo federal. Isso demonstra a rentabilidade da grande exploração rural e acordos assinados no papel, não tem relação necessária de validade com as melhorias e condições dignas de trabalho.




PARA ONDE VÃO AS NOSSAS UNIVERSIDADES

O ProUni fortaleceu faculdades de fachada. Já as federais, agora produtivistas, não têm nem prédios. Mas vozes privatistas, "de mercado", criticam a greve A expansão do ensino superior durante os governos Lula e Dilma foi quantitativamente ampla, tanto para as universidades públicas quanto para as privadas. 
O primeiro grupo vivenciou uma expansão dos campi muito significativa, através da profusão de cursos -muitos dos quais, entretanto, pautados pela razão instrumental, de qualidade duvidosa e em sintonia com a era da flexibilidade. 
O segundo grupo viu o governo do PT mostrar também um lado generoso em relação aos mercados. 
Faculdades em sua grande maioria de fachada, autodefinidas como "instituições do ensino superior", carentes de rigor científico mínimo em sua docência e pesquisa (esta, salvo raras exceções, inexiste neste ramo empresarial), tiveram seus cofres inflados com o ProUni. 
Já que os pobres são tolhidos em larga escala das universidades públicas -uma vez que frequentam o ensino fundamental em escolas públicas, que se encontram destroçadas-, o governo Lula encontrou uma saída bárbara: reuniu-os nos espaços privados do ProUni. 
De outra parte, deu-se positivamente a ampliação das universidades públicas, através da expansão dos cursos nas instituições federais e da contratação significativa de docentes. Mas o governo o fez deslanchando o Reuni, programa de expansão das universidades federais. 
Constrangidos pelo produtivismo (anti)acadêmico e calibrados pela competição, há precarização de condições de trabalho. Os salários são baixos. A carreira, mal estruturada. 
Mas o governo não contava que essa ampliação quantitativa tivesse fortes consequências qualitativas: a nova geração de jovens professores, doutores em sua grande maioria, parece não aceitar sem questionamentos esse lado perverso do Reuni, que quer assemelhar universidades públicas àquelas onde viceja o ProUni. 
Dando aulas muitas vezes em galpões, sem salas de professores (quando há, sem condições de pesquisar), os docentes, cujos adoecimentos e padecimentos, para não falar de mortes, não param de se ampliar, decretaram uma ampla e massiva greve nas federais. 
Querem melhores salários, condições de trabalho dignas e carreira efetivamente estruturada. 
Os conservadores dizem, tentando mascarar o desejo pela completa privatização, que a greve dos docentes públicos é uma forma de "receber sem trabalhar". "Esquecem" algo elementar: qual docente, no juízo razoável de suas faculdades, quer arrebentar seu calendário e repor aulas quando deveria estar em férias? 
Só mesmo as vozes conservadoras podem identificar uma greve, com suas atividades, assembleias, debates, desgastes, riscos e tensões, como "descanso remunerado", argumento histórico das direitas derrotado pela Constituição de 1988. 
Para muitas dessas vozes, a pesquisa e a reflexão livres incomodam. Elas gostariam de privatizar as federais, convertendo-as ou em universidades profissionalizantes ou, ao menos parte delas, em "universidades corporativas", uma flagrante contradição, pois universalidade não rima com corporação. 
Há um segundo ponto importante: muitos alegam que é preciso investir no ensino básico, o que os leva a recusar o apoio à universidade pública. Mas alguém seriamente acredita que aqueles que querem destroçar a universidade pública querem, de fato, um ensino básico público, laico e de qualidade? 


RICARDO ANTUNES, 59, é professor titular de sociologia na Unicamp e autor de "O Continente do Labor" (Boitempo)
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

FAZENDEIRO É CONDENADO POR MANTER TRABALHADORES EM REGIME DE ESCRAVIDÃO


 

"Chaga social intolerável". Assim, a 6ª Turma do TRT-MG definiu o trabalho escravo contemporâneo, situação constatada em uma fazenda de Paracatu por Auditores Fiscais do Trabalho, o que deu ensejo à Ação Civil Pública, proposta pelo Ministério Público do Trabalho. O réu foi condenado em 1º Grau a pagar indenização por danos morais coletivos e, ainda, a reparar individualmente o prejuízo moral de cada um dos treze trabalhadores resgatados. Além de manter a condenação, a Turma deu provimento parcial ao recurso do MPT para destinar os valores da indenização por danos coletivos aos órgãos e entidades que têm por fim o combate do trabalho escravo e, ainda, para aumentar o valor das indenizações individuais.
Explicando o caso, o desembargador Rogério Valle Ferreira destacou que as provas do processo demonstraram que o empregador, proprietário da fazenda, contratava trabalhadores por meio de um aliciador de mão de obra, conhecido no meio rural como "gato". Com relação aos treze empregados, encontrados pela fiscalização, todos sem registro, ficou claro que somente depois que chegaram à propriedade rural é que foram informados de que não havia alojamento. A casa que lhes foi oferecida era inacabada, com três cômodos, sem energia elétrica ou água encanada, sem armários ou camas, só colchões velhos e espumas finas. Uma das paredes foi improvisada com telhas de zinco. Insetos e cobras entravam no ambiente pelas fendas na parede. Quando chovia, o chão ficava inundado e os trabalhadores eram obrigados a dormir sentados.
A fiscalização apurou que os trabalhadores tinham de usar o mato como banheiro, bebiam água de um córrego que também era usado por bois e vacas e tomavam banho em uma espécie de tanque destinado à passagem do gado. A água utilizada para cozinhar era retirada de uma cisterna aberta, onde existiam sapos. Os empregados cumpriam jornada excessiva, trabalhando sem equipamentos de proteção individual. Além disso, as auditoras fiscais verificaram a existência da condição de servidão por dívidas. Ou seja, o "gato" (pessoa que recruta os trabalhadores) entregou pequena quantia de dinheiro para alguns trabalhadores, a título de empréstimo pessoal, para que pudessem comprar algum alimento e até ferramentas de trabalho. Assim, eles se viram obrigados moralmente a permanecer trabalhando para honrar as dívidas.
Para o desembargador, não há dúvida, trata-se de caso clássico de trabalho em condições análogas as de escravo. O fazendeiro vale-se do aliciador para contratar trabalhadores rurais, normalmente vindos do Norte de Minas, os quais são mantidos em situação degradante, alojados precariamente, e ainda faz com que eles adquiram as próprias ferramentas, contraindo dívidas, o que os torna presas da coação moral. "A conivência com este tipo de situação representa falta de humanidade, de respeito com o próximo e de civilidade" , alertou o relator.
No entender do magistrado, escravizar é violar direitos fundamentais e difusos de toda a sociedade, como a proteção à dignidade humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, o da não submissão à tortura ou a tratamento desumano ou degradantes, o da construção de uma sociedade livre, justa e solidária, entre outros. "A proibição de escravidão é um direito de toda a sociedade e, consequentemente, da humanidade, como expressam as declarações internacionais", ressaltou. O Brasil assinou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que, por meio de seu artigo 4º, estabelece que ninguém poderá ser mantido em escravidão ou servidão por dívida. Também visando à erradicação do trabalho escravo no mundo foram promulgadas as Convenções 29 e 105 da Organização Internacional do Trabalho. "Logo, submeter alguém a trabalho em condição análoga à de escravo é conduta vedada pelo ordenamento jurídico pátrio e internacional", enfatizou.
Com esses fundamentos, o relator manteve a condenação do reclamado ao pagamento de indenização por danos morais coletivos, no valor de R$390.000,00. E deu razão ao recurso do MPT, para que a reparação seja destinada a órgãos públicos ou entidades que tenham como finalidade a prevenção e erradicação do trabalho escravo. Também foi dado provimento ao recurso do MPT para aumentar o valor da indenização por dano moral individual, de R$30.000,00, para R$40.000,00, por cada trabalhador afetado, tudo levando em conta o fato de o reclamado ser proprietário de fazenda de mais de 800 hectares no Município de Paracatu, além de outras propriedades rurais.

( 0000742-41.2012.5.03.0084 ED )

TRABALHADOR SERÁ INDENIZADO POR RECEBER MARMITEX DE PÉSSIMA QUALIDADE E POR SOFRER VIOLAÇÃO AO DIREITO AO LAZER


 

No processo analisado pela 2ª Turma do TRT-MG, um trabalhador conseguiu obter a condenação da ex-empregadora, uma empresa de engenharia, ao pagamento de indenização por danos morais em razão da falta de banheiros nas frentes de trabalho e por violação do direito ao lazer. O julgador de 1º Grau entendeu que a ausência de banheiros causou constrangimento e humilhação ao trabalhador e que as longas jornadas a que era submetido prejudicavam a vida familiar e social dele. Nesse contexto, foram reconhecidos os requisitos da responsabilidade civil.
Mas o trabalhador alegou mais. Ele contou que a comida fornecida pelo patrão em marmitex era de péssima qualidade, chegando ao ponto de possuir penas de frango e giletes de barbear. O pedido de indenização por dano moral com base nesse fundamento foi negado pelo juiz de 1º Grau, para quem, se isso realmente acontecesse o restaurante que fornecia a comida, aberto ao público, já teria sido fechado, seja pela vigilância sanitária ou por falta de clientes. Inconformado, o trabalhador recorreu e a juíza convocada Rosemary de Oliveira Pires deu plena razão a ele.
É que as testemunhas ouvidas confirmaram que a comida fornecida era, de fato, de péssima qualidade: cheiro forte de óleo, pedaços de unha e de cabelo humano, pena de galinha, mosca e refugo foram algumas das características apontadas por elas para tentar descrever o quanto a comida era ruim. Segundo as testemunhas, às vezes a refeição vinha até mesmo estragada, sem direito à substituição. Alguns trabalhadores já até passaram mal. Além das péssimas condições de higiene do marmitex, as testemunhas afirmaram que o local de refeição era inadequado. E não adiantava reclamar.
A relatora explicou que o empregador tem obrigação de oferecer condições de trabalho com segurança, higiene e saúde. Aspectos estes que não foram observados no caso do processo. Diante desse contexto, ela concluiu que a empresa agiu em abuso de direito, desrespeitando o trabalhador."A reclamada submeteu o reclamante a condições adversas e abusivas no exercício de sua atividade laboral, dado o desrespeito às normas de higiene e saúde, daí decorrendo, portanto, o dano ao seu patrimônio subjetivo, tendo sua dignidade ofendida ao receber alimentação de baixa qualidade, em local inadequado" , registrou no voto.
Portanto, a julgadora entendeu que a empresa de engenharia deveria compensar a violação à dignidade do reclamante sofrida no curso do contrato de trabalho. Atendendo à dupla finalidade da medida, qual seja, a justa indenização do ofendido e o caráter pedagógico em relação ao ofensor, a Turma de julgadores reformou a decisão para condenar a empresa de engenharia a pagar indenização por dano moral, fixada em R$5 mil reais. Para tanto, considerou o tempo de trabalho do reclamante, o salário recebido, o porte da empresa e o sentido pedagógico da punição.

(0002722-23.2011.5.03.0063 RO)

SIDERÚRGICA É CONDENADA A INDENIZAR TRABALHADOR POR PERDA AUDITIVA



O trabalhador buscou a Justiça do Trabalho pedindo a condenação da siderúrgica reclamada ao pagamento de indenização por danos morais e materiais, em decorrência da perda auditiva que o afetou, por culpa da empregadora. A empresa, por sua vez, limitou-se a negar qualquer responsabilidade pela doença do empregado. Mas a juíza do trabalho Maria Raquel Ferraz Zagari Valentim, titular da 5ª Vara do Trabalho de Juiz de Fora, após analisar o processo, concluiu que a razão está com o reclamante.
Segundo esclareceu a magistrada, para haver a responsabilidade civil, é necessário estar presente no caso o dano, a conduta do ofensor, o nexo de causalidade entre um e outro e a culpa, embora venha crescendo no meio jurídico uma tendência a se considerar a responsabilidade objetiva, que independe da culpa. Examinando o laudo pericial, a juíza sentenciante constatou que a rotina de trabalho funcionou como causa do surgimento e agravamento da lesão auditiva do reclamante. O médico perito descartou a hipótese de qualquer outro fator ter contribuído para esse quadro.
Por outro lado, a julgadora ressaltou que a culpa da reclamada no aparecimento da doença ficou clara. Isso porque o profissional de confiança do Juízo apurou que a empresa poderia ter evitado o adoecimento do empregado, diminuindo ruídos insalubres, ou remanejando o trabalhador de função, quando percebeu sua perda auditiva inicial, em agosto de 89. Além disso, os diversos laudos de infração lavrados pelo Ministério do Trabalho e Emprego e anexados ao processo demonstraram que a reclamada descumpria normas trabalhistas, sendo habitual o não afastamento de trabalhadores com doenças profissionais das atividades que agravavam as suas enfermidades.
Para a juíza sentenciante, não há dúvida de que a lesão no ouvido esquerdo do empregado apareceu em decorrência do trabalho e agravou-se depois que ele passou a exercer as suas atividades exposto continuamente a ruído, no setor de produção da empresa. "Ante todo o exposto, evidenciou-se o nexo de causalidade entre a doença auditiva do autor e a rotina de trabalho, por ato culposo da ré, que expôs o empregado a condições prejudiciais à sua integridade física, não obstante o fornecimento e fiscalização do uso de EPIs", ressaltou. Considerado a extensão do dano, a condição econômica da empresa, o nexo de causalidade entre o trabalho e a doença, a juíza condenou a reclamada ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$20.000,00. O pedido de reparação por danos materiais foi indeferido, porque, apesar de as lesões serem irreversíveis, o perito registrou que não houve perda da capacidade para o trabalho. A reclamada apresentou recurso, que ainda aguarda julgamento no Tribunal da 3ª Região.

(nº 00925-2011-143-03-00-1)

QUANDO TRABALHAR É UM RISCO




A busca constante pelo aumento da produtividade, a pressão e o assédio exercido pelas chefias, as extensas jornadas e a falta de condições adequadas de trabalho são alguns dos fatores que contribuem para que o trabalhador desenvolva uma doença profissional.
Infelizmente, as doenças ocupacionais são uma triste e dura realidade nas empresas brasileiras, e estão muito perto da vida dos trabalhadores.
No início de agosto, a Natura, uma das maiores fábricas da categoria química, foi condenada em primeira instância pela Vara do Trabalho de Cajamar a pagar indenizações para dez trabalhadoras e a reintegrar outras duas.
Essas trabalhadoras foram demitidas pela Natura no final de 2010, e já apresentam doenças ocupacionais, como lesões por esforços repetitivos/Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (LER/DORT), adquiridas nas linhas de produção da empresa.
Nos anos 70, quando a saúde do trabalhador passou a ser levada mais a sério, as enfermidades eram geralmente relacionadas a agentes físicos, como ruídos, radiações e poeiras, ou decorrentes de agentes químicos, como solventes e benzeno.
Hoje a lista de doenças ocupacionais é muito maior, e entre as principais estão as LER/DORT.
Além disso, também existe um aumento significativo nas doenças de caráter psicossociais. O profissional, cada vez mais exigido, desenvolve ansiedade, transtorno bipolar e depressão, entre outros problemas mentais.
Para falar desse assunto, o Jornal do Unificados entrevistou o médico sanitarista e do trabalho, doutor Roberto Carlos Ruiz , consultor em saúde do trabalhador do Sindicato Químicos Unificados.

ENTREVISTA

Jornal do Unificados: Quais são as principais doenças ocupacionais que atingem os trabalhadores brasileiros?
Dr. Ruiz: Atualmente, nós temos dois grandes grupos de doenças: os transtornos músculos-esqueléticos (LER/DORT) e os transtornos psíquicos. Com relação às LER/DORT elas podem se apresentar de várias maneiras, como tendinites, tenossinovites, bursite, epicondilite, síndrome do túnel do carpo, lombalgia ou cervicalgia, entre outras. Já os transtornos psíquicos em geral se manifestam através de depressão, ansiedade, síndrome do pânico.

Jornal do Unificados: Como a pressão por produção e as jornadas extensas contribuem para que os trabalhadores desenvolvam doenças ocupacionais?
Dr. Ruiz: Sem dúvidas, um dos maiores riscos presentes hoje no trabalho é a pressão por produzir cada vez mais em um tempo menor. A gente olha os ambientes de trabalho bonitos, limpos e organizados e pergunta, mas como alguém fica doente aqui?
Pois são justamente os riscos invisíveis, aqueles que não se medem com aparelhos, que estão ocasionando doenças e acidentes de trabalho.
Tecnicamente, chamamos estes riscos de ergonômicos, ligados em geral à questão do modo como o trabalho é organizado. Assim, o que temos visto na prática são metas sobre-humanas, ou seja, que dificilmente um ser humano normal vai conseguir cumprir sem ficar lesionado.
Os casos de doenças do trabalho que eu tenho atendimento nos últimos 20 anos, como regra, são ocasionados a partir da exposição a este tipo de risco, que podem ocasionar tanto doenças osteomusculares como transtornos psíquicos.

Jornal do Unificados: Como o assédio moral, infelizmente muito comum na maioria das empresas do país, pode contribuir para que o trabalhador desenvolva alguma doença do trabalho?
Dr. Ruiz: O assédio moral não é uma doença do trabalhador, mas, sim, uma doença do ambiente de trabalho. Existem empresas que têm um comportamento permissivo, ou seja, que permitem que um chefe, encarregado ou líder de setor façam assédio moral junto aos trabalhadores.
Desta forma, sob a pressão de um assediador, o trabalhador em geral vai adoecer depois de um período. Os trabalhadores têm que saber que devem se defender frente a casos de assédio moral. E uma atitude muito importante é procurar seu sindicato ou dirigente sindical para lhe dar apoio nestes casos.

Jornal do Unificados: O estresse é hoje um dos problemas que mais atingem os trabalhadores. Como um ambiente de trabalho ruim pode contribuir para um maior número de casos de estresse?
Dr. Ruiz: Como disse anteriormente, os fatores ergonômicos ligados à organização do trabalho podem adoecer. Colocar metas impossíveis, exigir mais do que um trabalhador pode oferecer, trabalhar sempre com prazos curtos e equipes pequenas para dar respostas rápidas se constitui em um importante fator de estresse.
Assim, os trabalhadores têm que discutir no seu local de trabalho se a carga não está muito elevada. E procurar discutir com a chefia sobre estes fatores. Se tiverem problemas, podem procurar o sindicato, que tem a obrigação de apoiar os trabalhadores.
Eu sei que o Sindicato Químicos Unificados (Campinas, Osasco e Vinhedo) conta com diretores sindicais que constantemente estão circulando nas fábricas, e eles devem ser procurados nos casos de dúvidas pelos trabalhadores.

Jornal do Unificados: Existem formas para os trabalhadores de prevenirem de doenças ocupacionais?
Dr. Ruiz: Sim. Normalmente, as empresas centram a discussão de prevenção exclusivamente no uso de EPI (Equipamento de Proteção Individual). Isto é uma prática muito atrasada, pois a indicação de EPI só deve ser feita quando ainda não se tem uma solução definitiva para os riscos ambientais, e de maneira temporária.
O que vemos é que muitas empresas indicam o EPI de maneira eterna (protetor auricular para ouvidos, por exemplo). Assim, a melhor forma de proteção são os EPCs (Equipamentos de Proteção Coletiva), o que constitui em várias soluções de engenharia para mudar os ambientes de trabalho, eliminando ou minimizando os riscos ali existentes.

Jornal do Unificados: Qual é a responsabilidade das empresas no adoecimento dos trabalhadores?
Dr. Ruiz: Em minha opinião, é a empresa que detém o controle de eliminar ou não os riscos existentes no trabalho, fazendo a opção por melhorar o ambiente e não colocar seus trabalhadores em risco.
Felizmente, foi superado no Brasil um conceito arcaico, o chamado ato inseguro, onde se dizia que a maior parte dos acidentes de trabalho ocorre por culpa do trabalhador.
Era muito comum a culpa ser do morto nos acidentes fatais. O quadro tem melhorado bastante nesta área, mas há uma certeza: Os trabalhadores precisam se unir e se organizar através de entidades sindicais combativas. Nada vai melhorar de graça. Não existe avanço sem lutas.

Dr Roberto Ruiz, médico sanitarista e do trabalho e consultor em saúde do trabalhador do Sindicato Químicos Unificados

LINHAS DE MONTAGEM DE PRODUTOS APPLE NA CHINA TÊM 'GERENCIAMENTO MILITAR', MOSTRA CANAL FRANCÊS.


Dormitório da Foxconn. Oito trabalhadores por quarto.



O programa francês "Envoyé Especial" (Enviado Especial, em tradução livre), veiculado pelo canal France 2, mostra que pouco mudou nas fábricas da Foxconn após a montadora de eletrônicos chinesa, responsável pela fabricação de gadgets da Apple, se comprometer a melhorar as condições de trabalho de seus funcionários.

Veiculada na última quinta (13), a reportagem é chamada de "e-Germinal: no inferno das usinas chinesas", em uma referência ao romance Germinal de Émile Zola, que retrata o sofrimento dos mineiros de carvão na França no século 19. O vídeo mostra imagens feitas por duas pessoas infiltradas em fábricas na China da Foxconn -- a companhia se recusou a permitir a entrada dos jornalistas.
Segundo a reportagem, o sistema de produção da Foxconn, que emprega 1,4 milhão de pessoas na China, funciona à base de um "gerenciamento militar" nas fábricas, "onde os insultos são cotidianos e os dormitórios insalubres".
Não há imagens da linha de produção porque os funcionários são obrigados a deixar todos objetos "metálicos", incluindo celulares, em armários antes de começar a trabalhar. Eles não podem usar relógios e não há relógios nas paredes da fábrica. "O tempo não passa. É desesperador", conta a mulher que trabalhou infiltrada.
"Nós tínhamos de trabalhar durante a madrugada, durante oito horas. O turno terminaria às 5h da manhã, mas daí eles decidiram acrescentar mais duas horas de trabalho. Nós tivemos apenas uma pausa, mais ou menos às 23h. E o trabalho é sempre repetir o mesmo gesto", conta o outro infiltrado.

Dormitórios insalubres

Depois do trabalho, todos retornam ao dormitório, diz ele, "mas não conversam uns com os outros". São oito pessoas por quarto, equipados com beliches sem colchões. Há uma sala de TV – um pequeno aparelho pendurado na parede – com fileiras de bancos de madeira. Alguns dos dormitórios ainda estão sendo construídos, mas já estão ocupados por trabalhadores da Foxconn, mesmo sem haver eletricidade ou elevadores.
O salário, de cerca de 220 euros (cerca de R$ 605), é bem maior do que esses trabalhadores conseguiriam trabalhando em suas províncias de origem. "Mas não chegamos a receber isso. Descontam 14 euros do dormitório, 50 da refeição e mais dinheiro do seguro", diz a mulher infiltrada.
A reportagem conclui que as más condições de trabalho tem como origem o atendimento à demanda de produção do iPhone 5. O smartphone é tido como mais difícil de ser produzido quando comparado aos seus antecessores – tão difícil que a Foxconn tem de contratar novos funcionários "incansavelmente" para substituir os trabalhadores que deixam, "frustados", a linha de montagem.
A Foxconn não quis comentar as imagens feitas pelo canal de TV francês. A Apple informou ao programa que "as empresas subcontratadas são obrigadas a fornecer condições de trabalho seguras, dignidade e respeito aos funcionários".

Reportagem "E-Germinal: Dans l'enfer des usines chinoises":

domingo, 23 de dezembro de 2012

TRIPLICA NÚMERO DE TRABALHADORES ESCRAVIZADOS NO DESMATAMENTO



A Campanha Nacional da CPT de Combate ao Trabalho Escravo divulga os dados parciais de trabalho escravo no país, até 10 de dezembro de 2012, Dia Internacional dos Direitos Humanos. Segundo os números, foram 168 casos em todo o Brasil, envolvendo 3.110 trabalhadores, tendo sido resgatados 2.187.
A informação é do sítio da Comissão Pastoral da Terra - CPT, 20-12-2012.

Dos 168 casos registrados pela Campanha, 63 ou 37,5% foram encontrados na pecuária. Esses casos envolveram 663 trabalhadores, mais de 21% do total, tendo sido libertadas 473 pessoas. Mas a atividade que concentrou o maior número de pessoas libertadas foi a da produção do carvão vegetal, 523 libertados, 23,9% do total. Em 29 casos em que estavam envolvidos 535 trabalhadores.

Trabalho escravo X desmatamento

Na categoria desmatamento foram registrados 13 casos, dois a mais que no ano anterior, envolvendo 345 trabalhadores, dos quais 121 foram resgatados. Em 2011, o número de trabalhadores escravizados em atividade de desmatamento foi de 109, sendo 55 libertados.
No que chamamos de outras lavouras são as culturas agrícolas que não são cana de açúcar, foram registrados 28 casos. Em 2011 foram 37 os casos. Entretanto, o número de trabalhadores envolvidos passou de 507, em 2011, para 837, em 2012. Um aumento de cerca de 65%.

Região Norte concentra quase metade dos casos

A região onde mais se flagrou mão de obra escrava foi a região Norte do país, com 81 casos, praticamente metade do total. O estado do Pará lidera o ranking com 46 casos, envolvendo 1.182 trabalhadores. Destes, somente 473 foram libertados. Nos chama a atenção quando comparamos estes números com os de 2011.
Apesar de o número de casos em 2011 ter sido maior, 49, o número de trabalhadores envolvidos foi de 499 e o de libertados 242. O número de trabalhadores escravizados no estado nesse ano mais que triplicou.
Tocantins aparece em segundo lugar no ranking, com 20 casos, dois a menos que no ano anterior, e 335 trabalhadores envolvidos, quando em 2011 foram 256 trabalhadores.
Os dados também mostram crescimento no número de pessoas envolvidas. Em São Paulo, passou de 191, em 2011, para 246, em 2012; no Amazonas de 98, para 165; no Paraná, onde o número de trabalhadores envolvidos saltou de 19 para 100; Piauí que apresentou crescimento de 30 para 88; Bahia, de 162, para 173; Rio Grande do Sul de 32 para 59.

Amazônia Legal tem os maiores números de trabalho escravo no país

Fazendo o corte por região geoeconômica, constata-se que em 2012, cerca de 62% dos casos ocorreram nos estados da Amazônia Legal, envolvendo 1.950 trabalhadores, 62,7% do total, tendo sido resgatados 1.106, 50,6% do total.
De acordo com dados do registro do seguro desemprego do MTE, processados pela Campanha da CPT, entre os anos de 2003 e outubro de 2012, mais de 25% dos trabalhadores resgatados da escravidão no Brasil eram oriundos do estado do Maranhão. Além disso, a média de idade desses trabalhadores gira em torno de 32 anos. A Campanha destaca, ainda, que do total de trabalhadores resgatados da escravidão contemporânea, mais de 95% eram do sexo masculino e mais de 35% eram analfabetos.
Esses dados têm como fonte o trabalho da Campanha da CPT, Grupo Móvel do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Superintendências Regionais do Trabalho e Emprego e Ministério Público do Trabalho (MPT). Vale ressaltar, ainda, que os números totais aqui analisados incluem casos em atividades extra agrícolas, como na extração mineral, construção civil, confecção e outros que não são acompanhados diretamente pela CPT. 23 dos casos apresentados nesta análise se referem a essas atividades, envolvendo 580 trabalhadores. Dos quais 526 foram resgatados, um quarto do total geral.

‘SEM INDIGNAÇÃO, NADA DE GRANDE E SIGNIFICATIVO OCORRE NA HISTÓRIA HUMANA'





Michael Löwy esteve no Brasil no final do ano passado para lançar um livro : ‘A teoria da revolução no jovem Marx', que foi publicado em 1970 na França e só agora ganhou uma edição em português. Mas durante a sua estada no país, ele participou de muitos eventos e falou sobre temas diversos, como literatura e a questão ecológica. Nada que surpreenda no perfil de um pesquisador que circula com desenvoltura entre o estudo dos clássicos e a análise da conjuntura atual, e isso sem abrir mão da militância política de esquerda. Nesta entrevista, ele lança mão dos conceitos que aprendeu com os clássicos - principalmente Marx e Walter Benjamin - para discutir a crise que o capitalismo atravessa e os movimentos reivindicatórios que têm surgido em diferentes cantos do mundo. Além disso, explica os princípios e limitações da ideia de ‘ecossocialismo', com a propriedade de ter sido um dos autores do Manifesto que defende essa bandeira.
Brasileiro residente na França desde 1969, Löwy é diretor de pesquisas do Centre National de la Recherce Scientifique (CNRS) e responsável por um seminário na Écoles de Hautes Études en Sciences Sociales. Só em português, é autor de mais de 20 livros.

Como a teoria da revolução do jovem Marx, de que trata o seu livro, nos ajuda a entender o momento atual, com mobilizações de indignados na Espanha, Grécia e vários outros países da Europa, além de movimentos de ‘ocupação' em vários locais do mundo? Esses são movimentos anticapitalistas?
Os movimentos de ‘Indignados' se opõem às políticas ditadas pelo capital financeiro, pela oligarquia dos bancos e aplicadas por governos de corte neoliberal, cujo principal objetivo é fazer com que os trabalhadores, os pobres, a juventude, as mulheres, os pensionistas e aposentados - isto é, 99% da população - paguem a conta pela crise do capitalismo. Esta indignação é fundamental. Sem indignação, nada de grande e de significativo ocorre na história humana. A dinâmica destes movimentos é de uma crescente radicalização anticapitalista, embora nem sempre de forma consciente. É no curso de sua ação coletiva, de sua prática subversiva, que estes movimentos poderão tomar um caráter radical e emancipador. É o que explicava Marx em sua teoria da revolução, inspirada pela filosofia da práxis. 

Marx escreveu no século 19. As revoluções socialistas a que assistimos aconteceram no século 20. O que a realidade trouxe de diferente na forma como se concretizaram e na forma como se entende revolução nos séculos 19, 20 e 21?
As revoluções sempre tomam formas imprevistas, inovadoras, originais. Nenhuma se assemelha às anteriores. A Comuna de Paris (1871) foi um formidável levante da população trabalhadora da grande cidade e a Revolução Russa foi uma convergência explosiva entre proletariado urbano e massas camponesas. Nas demais revoluções do século 20, desde a Mexicana de 1911 até a Cubana de 1959, ou nas revoluções asiáticas (China, Vietnam), foram os camponeses o principal sujeito do processo revolucionário. Não podemos prever como serão as revoluções do século 21: sem dúvida, não repetirão as experiências do passado. Por outro lado, existe o que Walter Benjamin chamava de ‘a tradição dos oprimidos': a experiência da Comuna de Paris inspirou a Revolução Russa e é ainda até hoje um exemplo de autoemancipação revolucionária das classes subalternas. 

Com a crise capitalista de 2008 e o movimento de intervenção dos Estados para salvar a economia dos países, acreditou-se que a era neoliberal havia chegado ao fim. No entanto, tem sido intensificada cada vez mais a destruição dos direitos conquistados com o Estado de Bem-Estar Social, como temos visto acontecer na Europa (França, agora Espanha...). O que isso significa?
A intervenção dos Estados não significou de forma alguma o fim do neoliberalismo. O único objetivo desta intervenção era salvar os bancos, resgatar a dívida e assegurar os interesses dos mercados financeiros. Para este objetivo, foram sacrificadas conquistas de dezenas de anos de lutas dos trabalhadores: direitos sociais, serviços públicos, pensões e aposentadorias, etc. Para a lógica de chumbo do capitalismo neoliberal, tudo isto são ‘despesas inúteis'.

Um debate antigo da esquerda é sobre a relação entre revolução e reforma. O contexto do final do século 20 e do início do século 21, com situações como, por exemplo, a vitória eleitoral de partidos de esquerda na América Latina e mesmo em alguns países da Europa recolocam essa questão. Como o sr. analisa essa relação hoje?
Rosa Luxemburgo já havia explicado, em seu belo livro ‘Reforma ou Revolução?' (1899), que os marxistas não são contra as reformas; pelo contrário, apoiam qualquer reforma que seja favorável aos interesses dos trabalhadores: salário mínimo, seguro médico, seguro desemprego, por exemplo. Simplemente, lembrava ela, não podemos chegar ao socialismo pela acumulação gradual de reformas; só uma ação revolucionária, que derruba o muro de pedra do poder político da burguesia, pode iniciar uma transição ao socialismo. O problema da maioria dos governos de centro-esquerda, seja na Europa ou na América Latina, é que as ‘reformas' que aplicam são muitas vezes de corte neoliberal: privatizações, regressões no estatuto dos pensionistas, etc. Tratam-se de variantes do social-liberalismo, que aceitam o quadro econômico capitalista mas, contrariamente ao neoliberalismo reacionário, têm algumas preocupações sociais. É o caso dos governos Lula-Dilma no Brasil. Temo que no caso da França (François Hollande, recentemente eleito), nem a isto chegue...

Um desafio dessa esquerda que chegou ao poder na América Latina tem sido equacionar a dependência econômica da exploração de recursos naturais (como o petróleo na Venezuela e o gás natural na Bolívia) com a tentativa de superação da lógica capitalista de destruição do meio mbiente. Na sua opinião, essa equação é possível?
Contrariamente aos governos social-liberais, os da Venezuela, Bolívia e Equador têm levado adiante uma verdadeira ruptura com o neoliberalismo, enfrentando as oligarquias locais e o imperialismo. Mas dependem, para sua sobrevivência econômica, e para financiar seus programas sociais, da exploração de energias fósseis - petróleo, gás -, que são os principais responsáveis pelo desastre ecológico que ameaça o futuro da humanidade. É difícil exigir destes governos que deixem de explorar estes recursos naturais, mas eles poderiam utilizar uma parte da renda petroleira para desenvolver energias sustentáveis - o que fazem muito pouco. Uma iniciativa interessante é o projeto ‘Parque Yasuni', do Equador, proposta dos movimentos indígenas e dos ecologistas assumida, após algumas hesitações, pelo governo de Rafael Correa. Trata-se de preservar uma vasta região de florestas tropicais, deixando o petróleo embaixo da terra, mas exigindo, ao mesmo tempo, que os países ricos paguem metade do valor (9 bilhões de dólares) deste petróleo. Até agora, não houve iniciativas comparáveis na Venezuela ou na Bolívia. 

A crítica à destruição do meio ambiente como intrínseca ao capitalismo já estava presente na obra de Marx?
Muitos ecologistas criticam Marx por considerá-lo um produtivista, tanto quanto os capitalistas. Tal crítica me parece completamente equivocada: ao fazer a crítica do fetichismo da mercadoria, é justamente Marx quem coloca a crítica mais radical à lógica produtivista do capitalismo, à ideia de que a produção de mais e mais mercadorias é o objetivo fundamental da economia e da sociedade. O objetivo do socialismo, explica Marx, não é produzir uma quantidade infinita de bens, mas sim reduzir a jornada de trabalho, dar ao trabalhador tempo livre para participar da vida política, estudar, jogar, amar. Portanto, Marx fornece as armas para uma crítica radical do produtivismo e, notadamente, do produtivismo capitalista. No primeiro volume de O Capital, Marx explica como o capitalismo esgota não só as energias do trabalhador, mas também as próprias forças da Terra, esgotando as riquezas naturais, destruindo o próprio planeta. Assim, essa perspectiva, essa sensibilidade está presente nos escritos de Marx, embora não tenha sido suficientemente desenvolvida. 

O Manifesto Ecossocialista, que o sr. ajudou a escrever em 2001, diz que o capitalismo não é capaz de resolver a crise ecológica que ele produz. Como o sr. analisa as soluções a esse problema que vêm sendo apresentadas pelo capitalismo, como é o caso da economia verde?
A assim chamada ‘economia verde', propagada por governos e instituições internacionais (Banco Mundial, etc), não é outra coisa senão uma economia capitalista de mercado que busca traduzir em termos de lucro e rentabilidade algumas propostas técnicas ‘verdes' bastante limitadas. Claro, tanto melhor se alguma empresa trata de desenvolver a energia eólica ou fotovoltaica, mas isto não trará modificações substanciais se não for acompanhado de drásticas reduções no consumo das energias fósseis. Mas nada disto é possível sem romper com a lógica de competição mercantil e rentabilidade do capital. Outras propostas ‘técnicas' são bem piores: por exemplo, os famigerados ‘biocombustíveis' que, como bem diz Frei Betto, deveriam ser chamados de ‘necrocombustíveis', pois tratam de utilizar os sólos férteis para produzir uma pseudogasolina ‘verde', para encher os tanques dos carros - em vez de comida para encher o estômago dos famintos da terra. 

É possível implementar uma perspectiva como a do ecossocialismo no capitalismo?
O ecossocialismo é anticapitalista por excelência. Como perspectiva, implica a superação do capitalismo, já que se propõe como uma alternativa radical à civilização capitalista/industrial ocidental moderna. Por outro lado, a luta pelo ecossocialismo começa aqui e agora, na convergência entre lutas sociais e ecológicas, no desenvolvimento de ações coletivas em defesa do meio ambiente e dos bens comuns. É através destas experiências de luta, de auto-organizaçâo, que se desenvolverá a consciência socialista e ecológica.

A perspectiva ecossocialista pressupõe uma crítica à noção de progresso. Em que consiste essa crítica?
Walter Benjamin insistia, com razão, que o marxismo precisa se libertar da ideologia burguesa do progresso, que contaminou a cultura de amplos setores da esquerda. Trata-se de uma visão da história como processo linear, de avanços, levando, necessariamente, à democracia, ao socialismo. Estes avanços teriam sua base material no desenvolvimento das forças produtivas, nas conquistas da ciência e da técnica. Em ruptura com esta visão - pouco compatível com a história do século 20, de guerras imperialistas, fascismo, massacres, bombas atômicas -, precisamos de uma visão radicalmene distinta do progresso humano, que não se mede pelo PIB [Produto Interno Bruto], pela produtividade ou pela quantidade de mercadorias vendidas e compradas, mas sim pela liberdade humana, pela possibilidade, para os individuos, de realizarem suas potencialidades; uma visão para a qual o progresso não é a quantidade de bens consumidos, mas a qualidade de vida, o tempo livre - para a cultura, o ócio, o esporte, o amor, a democracia - e uma nova relação com a natureza. Para o ecossocialismo, a emancipaçâo humana não é uma ‘lei da história', mas uma possibilidade objetiva. 

Quais as principais diferenças entre o ecossocialismo e a forma como o socialismo real lidou com os problemas ambientais? E a socialdemocracia, conseguiu construir alternativas a essa lógica destrutiva do capital?
O assim chamado ‘socialismo real' - muito real, mas pouco socialista - que se instalou na URSS sob a ditadura burocrática de Stalin e seus sucessores tratou de imitar o produtivismo capitalista, com resultados ambientais desastrosos, tão negativos quanto os equivalentes no Ocidente. O mesmo vale para os outros países da Europa Oriental e para a China. As intuições ecológicas de Marx foram ignoradas e se levou a cabo uma forma de industrialização forçada, copiando os métodos do capitalismo. A socialdemocracia é um outro exemplo negativo: nem tentou questionar o sistema capitalista, limitando-se a uma gestão mais ‘social' de seu funcionamento. Mesmo nos países em que governou em aliança com os partidos verdes, a socialdemocracia não foi capaz de tomar nenhuma medida ecológica radical. O ecossocialismo corresponde ao projeto de um socialismo do século 21, que se distingue dos modelos que fracassaram no curso do século 20. Ele implica uma ruptura com o modelo de civilização capitalista e propõe uma visão radicalmente democrática da planificação socialista e ecológica.