segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

FUNCIONÁRIOS DE REDES FAST-FOOD PROMOVEM "MCGREVE"

Milhares de empregados vão às ruas dos EUA para denunciar trabalho degradante e exigir aumento do salário mínimo


De Nova York

Sem uniformes, apoiados por uma legião de professores, estudantes universitários, manifestantes herdeiros do Ocupem Wall Street, grupos de defesa de imigrantes não-documentados, lideranças sindicais e um massa de trabalhadores “low-budget”, que recebem, dependendo do estado, entre 7 e 8 dólares por hora de trabalho, milhares de funcionários de empresas conhecidas dos brasileiros, como McDonald’s, Burger King, Wendy’s, Walgreens, Macy’s e Sears, tomaram as ruas de uma centena de cidades americanas na quinta-feira 5 exigindo o aumento do salário mínimo para 15 dólares por hora.
Era uma denúncia direta tanto do aumento da desigualdade social na maior economia do planeta quanto da resistência dos republicanos, maioria na Casa dos Representantes, equivalente à Câmara dos Deputados no Brasil, de sequer iniciar discussão sobre o tema, alarmados com a possibilidade da diminuição do ritmo da recuperação econômica do país.
Carta Capital
Nas manifestações de peso em cidades tão diversas como Nova York, Chicago, Los Angeles, Boston, Detroit, Oakland, Charleston, Providence, Pittsburgh e Saint Louis, celebrou-se o discurso do presidente Barack Obama no dia anterior, em Washington, de defesa de um aumento imediato no salário-base federal de 1.250 dólares ao mês, mas pediu-se bem mais.
Na Praça Foley, no Centro Cívico de Manhattan, depois de sucessivos piquetes em frente aos restaurantes de fast-food localizados na vizinha Broadway, centenas de manifestantes enfrentaram o frio do outono nova-yorkino, animados por uma banda de rhythm & blues. O escritor e comediante de stand-up Ted Alexandro, de 44 anos, conhecido na cidade por conta de seus programas no canal de tevê Comedy Center, carregava um cartaz de protesto em que todos os Ms aparecem desenhados como se fossem o símbolo do Mc Donald’s.
Carta Capital
“Para ajudar a pagar minha universidade, trabalhei em uma franquia do Burger King. Mas, com o aumento da desigualdade social nos EUA, a média de idade do trabalhador de lanchonetes nos EUA, hoje, é de 29 anos, bem menos jovens do que na minha época. Como é que uma pessoa vai sustentar sua família ganhando pouco mais de 1.000 dólares por mês? É impossível. A luta aqui, hoje, é, sim, dos funcionários de fast-food, mas você também vê esta gama de organizações na praça por conta da necessidade de se negociar logo um aumento do salário mínimo. Nós estamos conscientemente saindo às ruas, um dia depois do discurso do presidente Obama, para pressionar Washington”, disse, em meio a gritos de ordem que resumiam o pensamento do fim de tarde: “Os bancos foram resgatados, mas nós é que pagamos a conta”.
Carta Capital
Além do minuto de silêncio por conta da morte do ex-presidente sul-africano Nelson Mandela, o outro instante em que os discursos na Foley se diversificaram em relação à primeira, e surpreendente, paralisação dos “assalariados por baixo” nova-yorkinos, em agosto, se deu com a celebração de apoio ao evento político de quarta-feira organizado pelo governo federal em Anacostia, um dos bairros mais pobres da periferia da capital americana. Na ocasião, em um discurso inflamado, Barack Obama afirmou que combater a desigualdade social é o “desafio que definirá nossa era” e que uma década de aumento com velocidade jamais vista na maior economia do planeta da disparidade entre ricos e pobres, “é uma ameaça real ao sonho americano”.
Carta Capital
As agendas da Casa Branca e do movimento de trabalhadores não-sindicalizados se coincidiram por conta da necessidade de o governo recuperar o momento político depois de quase dois meses enredado no fiasco do lançamento do Obamacare, o projeto de reforma do combalido sistema de saúde do país. O governo ensaia um apoio formal à proposta dos senadores democratas, de elevação do mínimo para 10,10 dólares por hora, ainda bem abaixo do que pediam ontem as ruas dos maiores centros urbanos do país.
Na quarta-feira, Obama mencionou como principais injustiçados no mercado de trabalho americano, além dos enfermeiros (outro grupo presente em peso nas três passeatas de quinta-feira na Grande Nova York) e dos funcionários de shoppings e grandes lojas de departamento, os trabalhadores das redes de fast-food, historicamente afastados dos sindicatos por conta de característica específica do ramo: o gerenciamento dos negócios feitos por franquias, dissociadas umas das outras.
A primeira vez em que trabalhadores do setor cruzaram os braços nos EUA cerca de 200 funcionários de redes de fast-food deixaram de trabalhar por um dia em novembro de 2012, mobilizados por grupos locais como o Fast Food Forward (FFF) e o Fight for 15, hoje apoiados por centrais sindicais poderosas, como a União Nacional dos Professores, . “O que queremos, no fim, é um salário-base de 15 dólares/hora e o direito de nos sindicalizarmos”, dizia, em alto e bom som, microfone na mão, o dia todo, um dos principais organizadores da greve, Kendall Fells, principal líder do FFF.

Carta Capital
A discrepância dos dois lados da pirâmide da indústria alimentícia nos EUA é denunciada pelos ativistas sem qualquer titubeio: enquanto CEOs de McDonald’s, KFC, Taco Bell, Pizza Hut e Red Olive aparecem na lista da revista “Fortune” recebendo salários de até 14 milhões de dólares por ano, pesquisa do Economy Police Institute revela que seus funcionários recebem 788 vezes menos. Mas o caldeirão só transbordou, reconhecem os organizadores da greve, por conta da recessão americana e do aumento do desemprego, que levou a idade média dos funcionários do setor, como apontada por Ted Alexandro, de 25 para 29 anos em meia década. Trinta e um por cento dos funcionários tem pelo menos um diploma universitário e mais de 25% da força de trabalho sustenta pelo menos uma criança com o salário recebido. É fato que nos últimos 14 anos nenhum setor da economia americana gerou mais postos de emprego. No entanto, a quase totalidade é de remuneração baixíssima.
Enquanto o lucro das empresas do setor foi estimado em 7,4 bilhões de dólares em 2013, os organizadores da greve dizem que quase 60% dos trabalhadores dependem do vale-alimentação do governo federal para abastecerem as geladeiras. Alem do mais, frisou um dos donos da Zingerman’s Deli, em Ann Arbor, Michigan, Paul Saignaw, em entrevista à “The Nation”, em frase poderosa: “É, no mínimo, uma vergonha termos funcionários de lanchonetes e restaurantes passando fome”. Os benefícios trabalhistas praticamente inexistem. De acordo com o National Employment Law Project, os custos para o contribuinte americano com os tratamentos de saúde apenas de funcionários do McDonald’s e seus dependentes chega a 1,2 bilhão de dólares.
Um dos maiores grupos lobistas de Washington, a National Restaurants Association, alertou esta semana que o virtual aumento do pagamento mínimo para 15 dólares por hora acarretará necessariamente no corte de empregados e em maior automação de serviços. Lisa McCombs, porta-voz do McDonald’s, disse, em e-mail distribuído à imprensa, que o grupo empresarial não considera os eventos desta semana “greves, e sim manifestações avulsas, que contaram com a adesão de pouquíssimas das 700 mil pessoas que trabalham para o Mc Donald’s”. Um Ronald McDonald vestido como o frio e ganancioso Grinch, o personagem criado por Dr.Seuss que quer ‘roubar’ o Natal, e os piquetes nas portas de restaurantes da rede em todo o país mostraram, no entanto, um incremento claro dos protestos em relação às paralisações-relâmpagos de novembro do ano passado e agosto último.
De acordo com a Wider Opportunities for Women, um indivíduo precisa ganhar hoje 10,20 dólares por hora nos EUA para se conseguir sobreviver em uma localidade de custo baixo. A média nacional é de 14,17 dólares. Ainda é uma incógnita se as greves conseguirão melhorar as condições dos trabalhadores que servem bilhões de hambúrgueres por dia nos EUA, mas uma vitória o neo-sindicalismo americano já pode celebrar: colocou na pauta do dia o aumento do salário mínimo na mesma semana em que o governo celebra o anúncio do menor índice de desemprego em cinco anos e da criação de 200 mil novos postos de emprego na economia americana nos últimos quatro meses.

sábado, 9 de novembro de 2013

"A TERCEIRIZAÇÃO É, TALVEZ, A FORMA MAIS SELVAGEM DE PRECARIZAÇÃO"



Para Grijalbo Fernandes Coutinho, PL 4330/04 é um retrocesso com relação à súmula 331; projeto permite terceirizar, sem limites, em todo e qualquer segmento.
Na última semana, o juíz do Trabalho da 10ª Região e ex-presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Grijalbo Fernandes Coutinho, participou de um seminário sobre terceirização realizado na Escola Judicial do TRT4. Na ocasião, Grijalbo Coutinho concedeu ao site do TRT4 a entrevista que segue, onde fala sobre a terceirização e o Projeto de Lei 4.330/04.

Quais são os impactos da terceirização para o trabalhador?
Na minha compreensão, os impactos são todos negativos para o trabalhador. Não há sequer uma vantagem. A terceirização surge com maior intensidade a partir dos anos 70 e ganha corpo definitivamente no Brasil na década de 90. Hoje é uma verdadeira febre.
A terceirização tem dois propósitos muito evidentes: o econômico e o político. Sua razão econômica é permitir aos patrões a diminuição de custos com a exploração da mão de obra. Vários argumentos são usados no sentido de que se trata de especialização, de racionalização, mas tudo isso é secundário. A outra razão é a de cunho político. Nesse ponto o objetivo é dividir os trabalhadores, fragmentá-los, especialmente em suas representações sindicais.
A ideia de que a terceirização cria novos postos de trabalho é inverídica. Os postos de trabalho são uma necessidade de determinado setor. Ou você utiliza a mão de obra contratada diretamente pelo tomador de serviços ou o faz por meio da terceirização.

O senhor menciona um crescimento da terceirização no Brasil nos anos 90. Por que isso ocorreu?
Esta foi uma tendência mundial. O capital se reestruturou a partir dos anos 70. Houve uma crise econômica evidente, a crise do petróleo, do capitalismo norte-americano. E o capitalismo foi bastante hábil para se reinventar, para continuar com aquela máxima de gerar lucro e criar riquezas materiais. Um das formas de fazer isso é justamente diminuir o poder do trabalho e de todas as suas organizações. Nada foi por acaso.
Assim como se verifica, a partir dos anos 90, um processo intenso de privatização e de esvaziamento do Estado, por outro lado há um duro golpe contra o trabalho. Houve a reestruturação dos modos de produção, com utilização intensa dos recursos da robótica e da microeletrônica, e a fragmentação da cadeia produtiva. Essa fragmentação ocorre tanto na terceirização interna quando na externa.
A terceirização externa é observada principalmente nas grandes empresas automotivas, onde a fragmentação é total. As peças de um carro são fabricadas em diferentes regiões e países, sempre com o intuito de se conseguir o menor custo. Na terceirização interna, contrata-se um empregado e arranja-se uma pessoa para figurar como intermediário de mão de obra. As duas formas são terríveis para o trabalhador. A diferença é que na interna a fraude é escancarada, e na externa é menos perceptível.

Em qualquer caso, o senhor considera a terceirização uma precarização da relação de trabalho?
A terceirização é, talvez, a forma mais selvagem de precarização. Ela é mais selvagem do que o “negociado sobre o legislado”, porque esconde o verdadeiro empregador, o verdadeiro beneficiado com a mão de obra. Acho que os capitalistas não imaginavam, no fim do século XIX e início do século XX, que arranjariam um artifício tão bem construído para enganar os trabalhadores.
Hoje o mundo jurídico do trabalho apresenta algumas soluções intermediárias, como se pretendesse remediar os efeitos, tapar alguns buracos. Mas isso na verdade acaba abrindo as portas para o fenômeno.
A súmula 331 do TST, de 1993, é o exemplo de uma solução intermediária. Ela admite a terceirização naquilo que é atividade meio e proíbe a atividade fim. A partir desse parâmetro os diversos operadores de direito têm se guiado. Eu reconheço a vontade política do TST de pôr um freio no problema. Mas ao mesmo tempo, abriu-se a porta larga para terceirização. E hoje o capital se acha tão forte que súmula já não resolve seu problema. Parte considerável do capital estabelecido no Brasil, nacional e estrangeiro, quer mais. Quer a possibilidade de se terceirizar em qualquer atividade, meio ou fim, e sem quaisquer limites. É definitivamente uma era da precarização absoluta. O que o PL 4330/04 pretende é ampliar os níveis de precarização e de miséria social.

O PL 4330/04 é um retrocesso com relação à sumula 331?
Sem dúvida. Tenho objeção total à súmula 331, mas o PL 4330/04 é um tapa na cara dos trabalhadores brasileiros e de suas organizações sindicais. É o escárnio. Se não é o fim do Direito do Trabalho, é o mais duro golpe que se pode proferir contra ele, na sua historia centenária. Nada mais grave foi praticado contra as relações de trabalho institucionalizadas desde o fim da escravidão.
Por esse projeto, o Direito do Trabalho vai atuar de forma superficial sobre relações precarizadas, flexibilizadas, irrelevantes. Os empregadores vão se sentir à vontade para aumentar sua margem de lucro e fugir da responsabilidade que é inerente à relação entre capital e trabalho: a tensão social. Eles transferem essa tensão, de forma muito diluída, a um terceiro que não reúne condições econômicas, financeiras ou políticas de suportar qualquer pressão.

A súmula 331, para o senhor, já era um retrocesso com relação ao enunciado 256?
Sim. A súmula 331 é de um momento em que o trabalho começou a se fragilizar, e a terceirização a ganhar força. Alguns entendiam que era uma realidade inevitável. Não era mais aquele quadro dos anos 80. O TST, tentando se aproximar de uma dura realidade, alterou sua jurisprudência. Percebendo a correlação de forças entre capital e trabalho e vendo aquele fenômeno se alargar cada vez mais tentou por um freio. E, como disse, esse freio acabou abrindo um pouco mais a janela da terceirização.
Mas esse projeto que aí está, o PL 4330/04, é algo sem precedentes. A súmula 331, frente ao PL 4330/04, vira uma referência de proteção. Quando na verdade não é.

Qual é o ponto mais grave do PL 4330/04?
É a abertura larga, sem freios e sem limites, da terceirização. É a terceirização em qualquer segmento, em qualquer atividade e sem nenhum limite quantitativo. Há outros aspectos graves, mas esse que permite terceirizar em tudo, em qualquer segmento ou atividade econômica é o central. É o mais nocivo do projeto.

É possível fazer uma distinção clara entre atividade meio e atividade fim?
Não, não é fácil. Embora a súmula 331 faça a distinção, ela não conceitua o que é atividade fim e o que é atividade meio. Mas a Justiça do Trabalho tem atuado, majoritariamente, com critérios e uma certa rigidez que não permite uma terceirização tão ampla como esta que se propõe.
Não tenho dúvidas de que esse projeto, que tramita no congresso nacional há quase dez anos, ganhou força nos últimos tempos porque setores do capital já não toleram mais a sumula 331, querem mais do que isso. Se sentem incomodados com as interpretações proferidas por juízes e tribunais acerca dos limites da terceirização. O projeto foi retirado da gaveta em um movimento intenso do capital e do seu lobby.

Alguns defensores da PL 4330/04 afirmam que ele é necessário em face da realidade brasileira, onde a terceirização é cada vez maior. Qual a sua opinião sobre isso?
O fato de ter aumentado o número de terceirizados não significa que tenhamos que ter uma legislação para isso. O PL 4330/04 acaba por legitimar esse quadro. Eu acho que existem repostas políticas e jurídicas para resolver o problema. Esse projeto agrava a situação. Falsamente se diz que o projeto vai resolver o problema de 16, 20 milhões de terceirizados. É falso. Vai agravar a situação. Vai reduzir o salário desses 20 milhões e colocar mais 40 ou 50 milhões nesse mesmo quadro. Não vai resolver absolutamente nada, o projeto é uma falácia. É muito bom para o setor empresarial que faz uso da terceirização. Não tenha dúvida. É espetacular para todos que querem reduzir os seus custos e sua responsabilidade social.

Qual seria a reposta adequada do Judiciário para a terceirização?
O Judiciário tem que refletir. Eu sei que ele é composto de homens e mulheres das mais variadas tendencias ideológicas, é natural que assim o seja. E com essas diversas tendências a Justiça do Trabalho tem dado respostas. De algum modo tem impedido a consumação de uma terceirização sem limites. Já é alguma coisa.
Na minha compreensão, deveríamos ir além. Deveríamos avançar no sentido de vetar a terceirização. Nesse ponto sou voz minoritária. Mas acho que, na medida do possível, a Justiça do Trabalho tem atuado de forma eficaz para evitar a propagação desse fenômeno econômico absurdamente terrível para a democracia no país.


Fonte: CUT Nacional

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

OAS FIRMA ACORDO E PAGARÁ R$ 15 MI EM CASO DE TRABALHO ANÁLOGO AO ESCRAVO



Do blog do Sakamoto

A Construtora OAS firmou um acordo judicial com o Ministério Público do Trabalho, homologado nesta quinta (7), em virtude das condições análogas às de escravo encontradas entre os trabalhadores contratados para as obras de expansão do Aeroporto Internacional de São Paulo, em Cumbica, município de Guarulhos.
A empresa pagará R$ 15 milhões, dos quais R$ 7 milhões serão revertidos a instituições e projetos voltados para a melhoria das condições de trabalho, preferencialmente na região de Guarulhos, e R$ 8 milhões destinados à solução dos problemas encontrados, como a garantia de alojamentos para os empregados, de acordo com nota divulgada após a homologação.
De acordo com Christiane Vieira Nogueira, procuradora do Trabalho responsável pelo caso, “houve aliciamento de trabalhadores, que eram mantidos em alojamentos em condições degradantes. A Justiça do Trabalho reconheceu essas condições''. Segundo ela, a situação que levou à formalização do acordo foi de trabalho análogo ao de escravo.
Ao todo, 111 migrantes do Maranhão, Sergipe, Bahia e Pernambuco foram submetidos a condições análogas à de escravidão e resgatados por auditores do Ministério do Trabalho e Emprego e procuradores do Ministério Público do Trabalho. Eles haviam sido contratados para trabalhar na ampliação do aeroporto mais movimentado da América Latina e passaram fome, segundo a fiscalização. Posteriormente, mais 39 trabalhadores nas mesmas condições foram encontrados e inseridos no acordo.
“Não houve acordo com a concessionária GRU [que administra o Aeroporto Internacional de São Paulo], que também tem responsabilidade pelos fatos. Portanto, será ajuizada uma ação civil pública contra a empresa'', explica Christiane.
Para Renato Bignami, coordenador estadual do programa de erradicação do trabalho escravo da Superintendência Regional de Trabalho e Emprego de São Paulo, que participou da operação, “trata-se do acordo de maior valor firmado em um caso de trabalho escravo em âmbito nacional, demonstrando que o rigor tem aumentado e as autoridades não irão relaxar com relação a essa violação aos direitos humanos''.
Segundo ele, a força-tarefa, envolvendo Ministério do Trabalho e Emprego, Ministério Público do Trabalho e Justiça do Trabalho, conseguiu coletar e reunir uma quantidade considerável de provas que garantiram a realização do acordo. “O resgate apontou que a situação era a ponta de um iceberg.'' Uma auditoria realizada pela Superintendência Regional, no âmbito da operação, mostrou que muitos outros trabalhadores estavam na mesma situação, tornando o acordo essencial para garantir os direitos fundamentais dos operários das obras do aeroporto de Guarulhos.
Parte significativa dos pedreiros, carpinteiros, armadores e serventes não contava com alojamentos tendo que procurar refúgio nas favelas da região. “A partir de agora, a empresa está obrigada a alojar em local decente todos os trabalhadores que não são de Guarulhos. E terá que comprovar isso, em 30 dias, para o Ministério Público do Trabalho'', afirma a procuradora. A OAS também deverá mostrar que está contratando regularmente os seus empregados, transportando-os de acordo com a legislação a partir de seus Estados de origem, e exigir que as prestadoras de serviço e subcontratadas procedam da mesma forma.
“O acordo conseguido entre o MPT e a empresa OAS é resultado direto do resgate de 111 trabalhadores encontrados em condições análogas às de escravo pela fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego em setembro último. O importante é os trabalhadores que foram resgatados estão a salvo em suas residências e receberam todas as verbas a que tinham direito'', afirma Renato. “Mais ainda, importa dizer que milhares de trabalhadores terão suas condições de vida e trabalho melhoradas, a partir do acordo conseguido na Justiça do Trabalho.''
Em nota na época da operação, a construtora declarou que “ vem apurando e tomando todas as providências necessárias para atender às solicitações'' do Ministério do Trabalho e Emprego. “A OAS ressalta que as pessoas que se encontravam nos locais citados pela fiscalização não eram funcionários da Construtora, e que a empresa, nas pessoas dos seus representantes, não teve qualquer participação no incidente relatado. Com isso, vem reafirmar seu forte compromisso com a segurança e bem estar de seus colaboradores e comunidades onde atua, bem como com as legislações vigentes”.
Este blog não conseguiu contatar os responsáveis pelo acordo pela construtora OAS até o momento e colocará a posição da empresa assim que a obtiver.

Resgate em setembro - As vítimas aguardavam ser chamadas para trabalhar alojadas em onze casas de Cumbica que estavam em condições degradantes. Dos trabalhadores resgatados, seis eram indígenas da etnia Pankararu. Além do aliciamento e da situação das moradias, também pesou para a caracterização de trabalho escravo pelo Ministério do Trabalho e Emprego o tráfico de pessoas e a servidão por dívida.
A primeira denúncia foi feita pelo Sindicato dos Trabalhadores na Construção Civil em Guarulhos ao MTE, que resgatou os primeiros trabalhadores no último dia 6 de setembro. Na ocasião, a fiscalização visitou três casas com um total de 77 pessoas que chegaram de Petrolândia, interior de Pernambuco, nos dias 13 de agosto e 1º de setembro. Cada uma havia pago entre R$ 300 e R$ 400 ao aliciador (“gato”) pela viagem e aluguel da casa, além de uma “taxa” de R$ 100 que seria destinada a um funcionário da OAS para “agilizar” a contratação. Eles iriam trabalhar como carpinteiros, pedreiros e armadores nas obras de ampliação do aeroporto de Guarulhos, que prometem aumentar a capacidade dele de 32 para 44 milhões de passageiros por ano até a Copa do Mundo de 2014.
Em um dos três alojamentos fiscalizados, 38 homens se espremiam na casa de dois andares com quatro quartos e dois banheiros. Devido à falta de espaço para todos, muitos dormiam na cozinha e até debaixo da escada. Quando o segundo grupo chegou, em 1º de setembro, alguns tiveram que passar duas noites em redes do lado de fora, na varanda, por falta de espaço no interior. Só então outra casa foi providenciada, mas em condições também degradantes. Os trabalhadores não tinham nenhum móvel à disposição e já haviam sido orientados a trazer seus colchões. Quem não trazia tinha que comprar um, dividir o espaço dos colchões dos demais ou dormir no chão enrolado em lençóis. Já a cozinha não tinha fogão ou geladeira e a comida era paga por eles mesmos com o pouco que haviam trazido de Petrolândia. A água faltava quase todo dia.
Os empregados haviam recebido a promessa de bons salários, registro em carteira e vales-refeição e transporte. Todos já tinham feito o exame médico exigido pela empresa e haviam apresentado os documentos necessários para contratação. Eles, no entanto, também tiveram que trazer as ferramentas necessárias para trabalhar. Ao chegar na empresa, ficaram sabendo que não poderiam apresentar os comprovantes de residência das suas cidades de origem porque esses deveriam ser de Guarulhos. Os migrantes, então, entregaram cópias de comprovantes das casas alugadas pelo “gato”, o que garantiria à OAS o não pagamento dos valores referentes ao alojamento, como o aluguel.
Depois do primeiro resgate, a notícia foi se espalhando por Cumbica. Denúncias chegaram ao sindicato, que informou ao MTE. Os auditores retornaram ao distrito nos dias 10 e 16 de setembro, quando fiscalizaram as condições dos empregados em outras oito casas. Todos se encontravam em condições semelhantes aos primeiros, de Petrolândia, e também esperavam o início dos trabalhos com documentos de contratação da OAS.
Além de ser uma das maiores construtoras do Brasil, a OAS é também a terceira empresa que mais faz doações a candidatos de cargos políticos, segundo levantamento do jornal Folha de S. Paulo. Entre 2002 e 2012, a empreiteira doou R$ 146,6 milhões (valor corrigido pela inflação). A OAS é uma das quatro empresas que formam o consórcio Invepar que, junto com a Airports Company South Africa, detêm 51% da sociedade com a Infraero para a administração do Aeroporto Internacional de Guarulhos através da GRU Airport. Para as obras de ampliação do aeroporto, onde foi flagrado trabalho escravo, o BNDES fez um empréstimo-ponte de R$1,2 bilhões.

(Com reportagem de Stefano Wrobleski)


quarta-feira, 30 de outubro de 2013

SALÁRIO VINCULADO AO VOLUME DE CANA CORTADA ELEVA EXPLORAÇÃO DO CORTADOR



Entre as safras de 2003/04 e 2007/2008, vinte e um cortadores de cana morreram em decorrência de excesso de trabalho nos canaviais paulistas.
Cristina Portella

Lisboa – A utilização do salário por produção pelas usinas de açúcar e álcool tem permitido às empresas do setor aumentar a produtividade sem aumentar a remuneração dos trabalhadores. Desta forma, aumentam a taxa de mais valia extraída na produção, ao mesmo tempo que provocam o aumento de acidentes de trabalho e de mortes entre o cortadores de cana. Segundo o Serviço Pastoral dos Migrantes, entre as safras de 2003/04 e 2007/2008, vinte e um cortadores de cana morreram em decorrência de excesso de trabalho nos canaviais paulistas.
Estas são algumas das conclusões de um dos trabalhos mais interessantes apresentados ao II Congresso Karl Marx, da autoria da doutoranda em Sociologia pela Unicamp Juliana Biondi Guanais. A sua pesquisa de campo foi feita, durante dois anos, de 2008 a 2010, no interior de São Paulo, junto à Usina Açucareira Ester S. A. e seus cortadores de cana.
“Quando trabalham por produção não são raros os casos de cortadores de cana que acabam se exigindo a ponto de desmaiar durante a jornada de trabalho”, contou Juliana. O aumento de casos de mortes e de acidentes de trabalho envolvendo cortadores de cana, especialmente a partir do ano 2000, teria feito com que o Ministério Público do Trabalho passasse a fiscalizar de forma mais rigorosa as usinas para verificar se as mesmas estavam cumprindo os momentos previstos de pausas.

Salário por produção

A partir dos anos 90, houve uma reestruturação produtiva no setor sucroalcooleiro no Brasil com o objetivo de aumentar a produtividade e reduzir custos de produção. Um dos meios privilegiados para atingir esse objetivo foi a adoção de uma forma de remuneração que estimulasse os trabalhadores a cortar quantidades cada vez maiores de cana, ou seja, o salário por produção. Já utilizado por muitas usinas, esse tipo de pagamento generalizou-se e tornou-se predominante no setor. 
“O pagamento por produção”, explica Juliana, “é uma forma específica de remuneração que está presente não só no mundo rural como também no urbano, e tem ampla base legal.” “De acordo com sua lógica”, continua, “a remuneração de um trabalhador é equivalente à quantidade de mercadorias produzida pelo mesmo. Isto é, o salário a ser recebido não terá como base as horas por ele trabalhadas, mas sim a quantidade de mercadorias que serão produzidas no decorrer de sua jornada de trabalho.” No caso  dos cortadores de cana, o ganho por produção significa que “quanto mais se corta, mais se ganha”.

As consequências

Mas é verdade que “quanto mais se corta, mais se ganha”? Juliana comprovou que isso só se dá na aparência, porque, na verdade, quanto mais cana o trabalhador cortar mais o salário, a saúde e a qualidade de vida do trabalhador vai baixar, enquanto a jornada de trabalho vai aumentar.
Em primeiro lugar, como o salário é proporcional à sua produção, o trabalhador tende a trabalhar mais e com mais intensidade para poder ganhar um salário melhor. Desta forma, prescinde muitas vezes dos momentos de descanso legal, do horário de almoço, trabalhando muito mais do que seria razoável para a manutenção da sua saúde. 
O mais cruel disso tudo é que quanto mais baixo é o valor do trabalho mais empenho o trabalhador terá de ter para conseguir uma remuneração mais adequada. Como já analisara Marx, o baixo preço do trabalho incentiva o prolongamento do tempo de trabalho. Sendo assim, os baixos salários são, do ponto de vista das empresas, um elemento essencial para o aumento da produtividade. 
Além disso, o cortador de cana perde o controle sobre o que produz. “No caso específico dos cortadores de cana, não são eles próprios que calculam a quantidade de cana que cortaram num dia de trabalho, já que tal cálculo será feito por um funcionário da usina”, explicou Juliana. 
A ilusão de que, com o trabalho a peça, é o trabalhador que controla o quanto produz é desmentida exatamente aí. Mas enquanto os trabalhadores perdem o controle do seu próprio trabalho, as usinas, pelo contrário, adquirem a noção exata da produtividade e da intensidade de trabalho cada um de seus empregados.

A média

Mas há outras táticas utilizadas pelas empresas para aumentar a produtividade e o controle da produção. Chama-se média e significa a imposição de uma produtividade diária mínima que, caso não seja atingida, poderá acarretar a demissão do cortador de cana. “É importante dizer que, com o  passar dos anos, a média teve um aumento considerável”, assegurou Juliana. Segundo as pesquisas feitas, a média de 5 a 8 toneladas dias obtida em 1980 passou, em 2004, para 12 a 15 toneladas. 
Juliana referiu ainda que esse aumento da quantidade de cana cortada não se deu em consequência de avanços técnicos introduzidos no setor, mas sim em função de um dispêndio cada vez maior de energia por parte dos cortadores de cana. Baseando-se mais uma vez em Marx, a socióloga conclui que o salário por produção “ao mesmo tempo em que incentiva a intensificação do trabalho e a extensão da jornada de trabalho, funciona também como um engenhoso método de interiorização da disciplina e do autocontrole do trabalhador”.
Uma disciplina que não é colocada à disposição da organização dos trabalhadores, pelo contrário. O fato de o salário depender da produtividade de cada um reforça as diferenças individuais entre eles e tem como consequência o estabelecimento da competição entre os próprios assalariados rurais.

A atualidade das contribuições de Marx para a economia política são ressaltadas por Juliana em seu trabalho. “Da mesma forma que os trabalhadores estudados pelo autor alemão no século XIX, os cortadores de cana brasileiros também recebem de acordo com sua produtividade individual e acabam arcando com quase todas as consequências apontadas pelo autor há mais de um século.”

sábado, 19 de outubro de 2013

SOLTO NO MUNDO – LÔ BORGES

A poesia brinca com a possibilidade de viver sem as amarras que nos prendem no cotidiano. Sem elas a realização dos sonhos seria uma realidade. Mas para isso muita mobilização social é necessária! 
(de Centro de Memória Sindical).



Solto No Mundo
(Lô Borges/1996)
 
Solto no mundo, solto no espaço
Nada me prende, eu posso ir
Sentado na cama, pensando na vida
Eu busco o tesouro de ser feliz
Se pinta uma idéia, eu vou
Se pinta preguiça, eu tô
Eu busco o tesouro de ser feliz
Você ama quando quer
Brilha a estrela bem
Quando o canto é só prazer
Vida nova

Nem tudo tá certo, irmão
Nem tudo, errado
Eu busco o tesouro de ser feliz
Pra ver se eu consigo ir
E ver que é preciso crer
Pra ver se faz sol ou se vai chover
Eu busco o tesouro, irmão
Eu busco o mais simples
Pra ver se acontece a decisão
Tudo pode acontecer
Brilha a estrela bem
Quando o canto é só prazer
Vida nova.

sábado, 12 de outubro de 2013

EM NOME DO “PROGRESSO”, RURALISTAS OBRIGAM AO “RETROCESSO” EM DIREITOS HUMANOS



O Estado Brasileiro terá que escolher entre a dignidade e a propriedade.
Em um país onde o principal setor de trabalho escravo é a pecuária, em diálogo com A Rel, Frei Xavier Plassat, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), revela os motivos pelos quais a bancada ruralista é contra a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 438/2001, que prevê o confisco de terras de escravagistas. Afirma que a bancada ruralista em sua política desenvolvimentista caminha não para a abolição do trabalho escravo, mas sim para a abolição do conceito de trabalho escravo.

Quando foi feita a primeira denúncia de trabalho escravo no Brasil?
A primeira denúncia foi feita em 1971, em Mato Grosso, por Dom Pedro Casaldáliga, onde trabalhadores estavam tentando fugir de situações de verdadeiro cativeiro, sendo tratados pior do que animal.
De 70 a 95, período de 25 anos, os vários casos de trabalho escravo se concentraram na região da Amazônia brasileira, principalmente no Maranhão, Pará e Mato Grosso, sendo levantados e denunciados pela CPT, mas enfrentando o negacionismo por parte das autoridades do país.
Em 1997, a CPT construiu uma campanha nacional de combate ao trabalho escravo e através de pressões em organismos internacionais, entre eles a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a ONU, dobrou o governo brasileiro que, em 2005, se viu obrigado a admitir a realidade da existência da “escravidão contemporânea”.

E o que seria a “escravidão contemporânea”?
A escravidão contemporânea não se apresenta mais nas formas exatas da escravidão colonial, sendo difícil ver um trabalhador acorrentado para trabalhar. O que há são trabalhadores explorados de uma forma tão exagerada que deixam de ser considerados pessoas. Esse é o elemento essencial do debate.
A questão da dignidade, que não está tão distante da questão da liberdade. Uma pessoa, a quem você nega as condições mínimas de dignidade, não tem nenhuma liberdade.
Claro que tem a demanda e a oferta. Existem trabalhadores em situação de tamanha vulnerabilidade, com uma falta tão grande de alternativas de subsistência, que estão dispostos a aceitar qualquer oportunidade de trabalho por ser, para eles, melhor do que nada.
Por isso, estamos cobrando do Estado uma atitude mais ativa na prevenção da vulnerabilidade, na integração dos trabalhadores resgatados para não retornarem ao que faziam. Atualmente, um trabalhador resgatado é devolvido para a mesma situação que o levou a uma migração forçada, para buscar um serviço qualquer e se sujeitar a qualquer condição. Se não se cuida desse aspecto, não se corta o círculo vicioso do trabalho escravo.

Qual é o principal setor de trabalho escravo?
O principal setor de trabalho escravo é a pecuária. O segundo é a cana de açúcar. De 2003 a 2012 foram libertadas no Brasil 40.280 pessoas. Na pecuária foram 11.400 pessoas, 28%. Na cana, 10.600 pessoas, 26%. Em outras lavouras, como o café, o algodão e a soja, 7.150 pessoas, 18%.
E em quarto lugar o carvão, 3.148 pessoas, 8%.
Além de sabermos que resgatamos mais de 40 mil pessoas desde 2003, uma média de 4 mil pessoas por ano, ainda não sabemos se isso representa 30%, 40% ou quanto do total de trabalhadores ainda hoje em situação de trabalho escravo.
A geografia do trabalho escravo hoje é muito mais complexa, existindo em todos os estados brasileiros, por exemplo, em São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Em São Paulo temos o trabalho escravo nas oficinas de confecção, que explora mão de obra boliviana e peruana. No Mato Grosso do Sul encontramos nos canaviais milhares de indígenas que foram resgatados.

E o Estado brasileiro também se aproveita dessas condições de escravidão?
Para responder à sua pergunta, podemos mencionar o trabalho escravo encontrado nas grandes obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), obras de construção civil, que teoricamente são de responsabilidade do Estado. Claro que é uma agravante, quando nessas obras encontramos trabalho escravo. É sabido que em grandes empreendimentos financiados pelo Banco do Brasil, pelo BNDES e pela Caixa Econômica Federal, é encontrado trabalho escravo. E aí se verificam as contradições da máquina pública.

E o que o senhor poderia nos dizer em termos de avanços no combate?
Hoje, por exemplo, há o Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM), uma força tarefa especial de combate ao trabalho escravo. E a Lista Suja do Trabalho Escravo, criada para tornar público o nome daqueles que se aproveitam dessa prática e assim cortar o seu acesso aos mercados e aos financiamentos, uma vez que as empresas se comprometem a cortar qualquer negócio com fornecedores que estiverem envolvidos com trabalho escravo.

Em relação às convenções internacionais, como se define o trabalho escravo contemporâneo?
Uma das convenções que definem o trabalho escravo é a da OIT, sendo a principal delas a Convenção 29 (1930), colocando o acento especialmente sobre a característica de coerção à liberdade do trabalhador, em seu impedimento de ir e vir. Isso levou vários magistrados a negarem a qualificação de trabalho escravo quando as situações não apresentassem uma clara coerção à liberdade. 
Em dezembro de 2003, o Brasil aprovou uma lei muito avançada e reformou o artigo 149 do Código Penal Brasileiro, onde o trabalho escravo é definido como uma situação na qual não somente a liberdade do sujeito precisa ser negada, mas também a sua dignidade.
Isso se faz através da distinção de quatro situações que levam a qualificar a escravidão contemporânea, que são: 1) a submissão ao trabalho forçado, uso da coerção contra a pessoa, restringindo a sua liberdade de ir e vir; 2) a submissão a jornadas de trabalho exaustivas, de natureza física ou mental, que por extensão ou intensidade, causam esgotamento das capacidades da pessoa; 3) a sujeição a condições degradantes, onde o trabalhador seja tratado como coisa e não como pessoa, 4) a restrição da locomoção do trabalhador em razão de uma dívida contraída com o empregador, na qual o trabalhador é recrutado mediante bonitas promessas, recebendo adiantamentos, e quando chega ao local de trabalho, descobre que tudo que lhe foi adiantado e tudo o que ele vai precisar ainda para se alimentar, se alojar, e suas ferramentas de trabalho, vai lhe ser descontado como dívida, ficando preso por conta dessa dívida.

Para ser considerado trabalho escravo moderno precisam se dar essas quatro características?
Não. Cumprindo apenas uma já é o bastante para ser considerado trabalho escravo. A redação do artigo 149 do Código Penal é clara a esse respeito.

E qual a relevância da PEC do Trabalho Escravo, a PEC 438/2001?
Sua relevância está em prever que uma propriedade, onde for flagrada prática do trabalho escravo, possa ser expropriada, confiscada. Não é desapropriação, com indenização, mas sim expropriação, sem indenização. A propriedade será confiscada para ser atribuída ao domínio público e servir para a reforma agrária.
Só que a bancada ruralista, por não querer que as terras sejam expropriadas, encontrou um jeito de aprovar a PEC, mas alterando a definição do conceito de trabalho escravo. E retiraram da definição todos os elementos que não fossem a repetição da Convenção 29 de 1930 da OIT, na qual a submissão ao trabalho forçado é a única definição do trabalho escravo. Daí o retrocesso.

Das quatro definições, só uma passaria a definir trabalho escravo?
Exatamente. É por isso que o Projeto de Lei de autoria do deputado Moreira Mendes (PSD/RO) é um retrocesso, pois só entenderá como trabalho escravo quando a pessoa estiver sob ameaça, coerção, presa. Todos os outros elementos que dizem respeito a condições degradantes, a jornadas exaustivas, e que na realidade contemporânea são de fato a pior e a principal forma de escravização, não serão considerados.

E como o governo se posiciona?
A bancada parlamentar do governo não tem o combate ao trabalho escravo como uma prioridade. E como sabemos, o peso do agronegócio no Brasil tem crescido fortemente, por representar uma parte muito importante do superávit comercial do Brasil.
O Estado também não soube se posicionar com relação ao Código Florestal. Não soube impor uma linha mínima de preservação do meio ambiente e tolerou que fosse incluída na nova lei do código florestal uma forma de legitimar os crimes anteriores de quem tinha violado a lei como se fosse tudo perdoado, gerando também um retrocesso.

E o embate simbólico é esse?
Claro. Porque ninguém vai dizer que a propriedade é mais importante que a dignidade. Ainda mais agora que a relatora da ONU, Guinara Shahinian, deu apoio à PEC 438/2001, do Trabalho escravo prevendo o Confisco da Terra, dizendo ser uma jurisdição avançada do combate à escravidão contemporânea. Os deputados se sentiram um pouco acuados, e não podiam dizer francamente que são contra o confisco da terra onde se pratica o trabalho escravo, ninguém vai confessar isso public amente.
E, finalmente, há uma conexão entre o código florestal, a demarcação de terras indígenas e o trabalho escravo, uma conexão altamente reveladora da cobrança do agronegócio ao Estado.

Os ruralistas não querem entraves à liberdade de empreender um “progresso”, e para isso geram “retrocesso” em direitos humanos. E hoje o Estado tem que escolher entre a dignidade e a propriedade.

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

WALMART É CONDENADO A PAGAR R$ 22,3 MILHÕES POR DANOS A FUNCIONÁRIOS


Publicado por Carlos Corrêa

A rede de supermercados Walmart foi condenada pela Justiça do Trabalho a pagar indenizações que totalizam R$ 22,3 milhões por danos morais e patrimoniais por condições impostas a funcionários do Distrito Federal, do Paraná, do Rio Grande do Sul e de São Paulo.
A decisão é da segunda turma do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª região, em processo motivado por ação do Ministério Público do Trabalho do Distrito Federal. Em primeira instância, a juíza Debora Heringer Megiorin, da 1ª Vara do Trabalho de Brasília, julgou improcedentes os pedidos do Ministério Público.
De acordo com informações do processo, funcionários eram obrigados, por exemplo, a usar gritos de guerra, cantar hinos motivacionais e dançar em inícios de reunião e de jornada de trabalho (algumas testemunhas usam o termo "rebolado" nos depoimentos). De acordo com as testemunhas, os profissionais que não cantassem a música ou dançassem passavam por constrangimento.
O relator do caso no TRT, desembargador Mário Fernandes Caron, diz que, os depoimentos indicam que "os empregados são compelidos a participar do hino motivacional", o que é uma irregularidade.
Os autores do processo também acusam a rede varejista de ter de continuar trabalhando após bater o ponto e limitações de sair do local de trabalho para ir ao banheiro e beber água.
A sentença também determina que a companhia "não permita a prática de assédio moral e atos discriminatórios em suas dependências".
De acordo com a sentenção, o valor da indenização por dano moral coletivo (R$ 11,15 milhões) deve ser revertido a um fundo específico, a critério do Ministério Público do Trabalho. A quantia pelo dano patrimonial difuso, de mesmo valor, deve ser revertido ao Fundo de Amparo ao Trabalhador.
Em nota, o Walmart Brasil diz que vai recorrer da decisão. E que os procedimentos adotados em suas unidades "ocorrem em total respeito aos seus empregados e à legislação vigente".