Milhares de empregados vão às ruas
dos EUA para denunciar trabalho degradante e exigir aumento do salário mínimo
De Nova York
Sem uniformes, apoiados por uma legião de professores, estudantes
universitários, manifestantes herdeiros do Ocupem Wall Street, grupos de defesa
de imigrantes não-documentados, lideranças sindicais e um massa de
trabalhadores “low-budget”, que recebem, dependendo do estado, entre 7 e 8
dólares por hora de trabalho, milhares de funcionários de empresas conhecidas
dos brasileiros, como McDonald’s, Burger King, Wendy’s, Walgreens, Macy’s e
Sears, tomaram as ruas de uma centena de cidades americanas na quinta-feira 5
exigindo o aumento do salário mínimo para 15 dólares por hora.
Era uma denúncia direta
tanto do aumento da desigualdade social na maior economia do planeta quanto da
resistência dos republicanos, maioria na Casa dos Representantes, equivalente à
Câmara dos Deputados no Brasil, de sequer iniciar discussão sobre o tema,
alarmados com a possibilidade da diminuição do ritmo da recuperação econômica
do país.
Carta Capital |
Nas manifestações de peso
em cidades tão diversas como Nova York, Chicago, Los Angeles, Boston, Detroit,
Oakland, Charleston, Providence, Pittsburgh e Saint Louis, celebrou-se o
discurso do presidente Barack Obama no dia anterior, em Washington, de defesa
de um aumento imediato no salário-base federal de 1.250 dólares ao mês, mas
pediu-se bem mais.
Na Praça Foley, no Centro
Cívico de Manhattan, depois de sucessivos piquetes em frente aos restaurantes
de fast-food localizados na vizinha Broadway, centenas de manifestantes
enfrentaram o frio do outono nova-yorkino, animados por uma banda de rhythm &
blues. O escritor e comediante de stand-up Ted Alexandro, de 44 anos, conhecido
na cidade por conta de seus programas no canal de tevê Comedy Center, carregava
um cartaz de protesto em que todos os Ms aparecem desenhados como se fossem o
símbolo do Mc Donald’s.
Carta Capital |
“Para ajudar a pagar minha
universidade, trabalhei em uma franquia do Burger King. Mas, com o aumento da
desigualdade social nos EUA, a média de idade do trabalhador de lanchonetes nos
EUA, hoje, é de 29 anos, bem menos jovens do que na minha época. Como é que uma
pessoa vai sustentar sua família ganhando pouco mais de 1.000 dólares por mês?
É impossível. A luta aqui, hoje, é, sim, dos funcionários de fast-food, mas
você também vê esta gama de organizações na praça por conta da necessidade de
se negociar logo um aumento do salário mínimo. Nós estamos conscientemente
saindo às ruas, um dia depois do discurso do presidente Obama, para pressionar
Washington”, disse, em meio a gritos de ordem que resumiam o pensamento do fim
de tarde: “Os bancos foram resgatados, mas nós é que pagamos a conta”.
Carta Capital |
Além do minuto de silêncio
por conta da morte do ex-presidente sul-africano Nelson Mandela, o outro
instante em que os discursos na Foley se diversificaram em relação à primeira,
e surpreendente, paralisação dos “assalariados por baixo” nova-yorkinos, em
agosto, se deu com a celebração de apoio ao evento político de quarta-feira
organizado pelo governo federal em Anacostia, um dos bairros mais pobres da
periferia da capital americana. Na ocasião, em um discurso inflamado, Barack
Obama afirmou que combater a desigualdade social é o “desafio que definirá
nossa era” e que uma década de aumento com velocidade jamais vista na maior
economia do planeta da disparidade entre ricos e pobres, “é uma ameaça real ao
sonho americano”.
Carta Capital |
As agendas da Casa Branca
e do movimento de trabalhadores não-sindicalizados se coincidiram por conta da
necessidade de o governo recuperar o momento político depois de quase dois
meses enredado no fiasco do lançamento do Obamacare, o projeto de reforma do
combalido sistema de saúde do país. O governo ensaia um apoio formal à proposta
dos senadores democratas, de elevação do mínimo para 10,10 dólares por hora,
ainda bem abaixo do que pediam ontem as ruas dos maiores centros urbanos do
país.
Na quarta-feira, Obama
mencionou como principais injustiçados no mercado de trabalho americano, além
dos enfermeiros (outro grupo presente em peso nas três passeatas de
quinta-feira na Grande Nova York) e dos funcionários de shoppings e grandes
lojas de departamento, os trabalhadores das redes de fast-food, historicamente
afastados dos sindicatos por conta de característica específica do ramo: o
gerenciamento dos negócios feitos por franquias, dissociadas umas das outras.
A primeira vez em que
trabalhadores do setor cruzaram os braços nos EUA cerca de 200 funcionários de
redes de fast-food deixaram de trabalhar por um dia em novembro de 2012,
mobilizados por grupos locais como o Fast Food Forward (FFF) e o Fight for 15,
hoje apoiados por centrais sindicais poderosas, como a União Nacional dos
Professores, . “O que queremos, no fim, é um salário-base de 15 dólares/hora e
o direito de nos sindicalizarmos”, dizia, em alto e bom som, microfone na mão,
o dia todo, um dos principais organizadores da greve, Kendall Fells, principal
líder do FFF.
A discrepância dos dois
lados da pirâmide da indústria alimentícia nos EUA é denunciada pelos ativistas
sem qualquer titubeio: enquanto CEOs de McDonald’s, KFC, Taco Bell, Pizza Hut e
Red Olive aparecem na lista da revista “Fortune” recebendo salários de até 14
milhões de dólares por ano, pesquisa do Economy Police Institute revela que
seus funcionários recebem 788 vezes menos. Mas o caldeirão só transbordou,
reconhecem os organizadores da greve, por conta da recessão americana e do
aumento do desemprego, que levou a idade média dos funcionários do setor, como
apontada por Ted Alexandro, de 25 para 29 anos em meia década. Trinta e um por
cento dos funcionários tem pelo menos um diploma universitário e mais de 25% da
força de trabalho sustenta pelo menos uma criança com o salário recebido. É
fato que nos últimos 14 anos nenhum setor da economia americana gerou mais
postos de emprego. No entanto, a quase totalidade é de remuneração baixíssima.
Enquanto o lucro das
empresas do setor foi estimado em 7,4 bilhões de dólares em 2013, os
organizadores da greve dizem que quase 60% dos trabalhadores dependem do
vale-alimentação do governo federal para abastecerem as geladeiras. Alem do
mais, frisou um dos donos da Zingerman’s Deli, em Ann Arbor, Michigan, Paul
Saignaw, em entrevista à “The Nation”, em frase poderosa: “É, no mínimo, uma
vergonha termos funcionários de lanchonetes e restaurantes passando fome”. Os
benefícios trabalhistas praticamente inexistem. De acordo com o National
Employment Law Project, os custos para o contribuinte americano com os
tratamentos de saúde apenas de funcionários do McDonald’s e seus dependentes
chega a 1,2 bilhão de dólares.
Um dos maiores grupos
lobistas de Washington, a National Restaurants Association, alertou esta semana
que o virtual aumento do pagamento mínimo para 15 dólares por hora acarretará
necessariamente no corte de empregados e em maior automação de serviços. Lisa
McCombs, porta-voz do McDonald’s, disse, em e-mail distribuído à imprensa, que
o grupo empresarial não considera os eventos desta semana “greves, e sim
manifestações avulsas, que contaram com a adesão de pouquíssimas das 700 mil
pessoas que trabalham para o Mc Donald’s”. Um Ronald McDonald vestido como o
frio e ganancioso Grinch, o personagem criado por Dr.Seuss que quer ‘roubar’ o
Natal, e os piquetes nas portas de restaurantes da rede em todo o país
mostraram, no entanto, um incremento claro dos protestos em relação às
paralisações-relâmpagos de novembro do ano passado e agosto último.
De acordo com a Wider
Opportunities for Women, um indivíduo precisa ganhar hoje 10,20 dólares por
hora nos EUA para se conseguir sobreviver em uma localidade de custo baixo. A
média nacional é de 14,17 dólares. Ainda é uma incógnita se as greves
conseguirão melhorar as condições dos trabalhadores que servem bilhões de
hambúrgueres por dia nos EUA, mas uma vitória o neo-sindicalismo americano já
pode celebrar: colocou na pauta do dia o aumento do salário mínimo na mesma
semana em que o governo celebra o anúncio do menor índice de desemprego em
cinco anos e da criação de 200 mil novos postos de emprego na economia
americana nos últimos quatro meses.