terça-feira, 21 de outubro de 2014

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO DERRUBA MITO DO USO SEGURO DE AGROTÓXICOS



Entre os aspectos levantados em dissertação de mestrado, estão o descarte inadequado e a aquisição do veneno sem qualquer instrução.
Por Any Cometti

A Campanha Contra os Agrotóxicos divulgou uma pesquisa que comprova a inviabilidade do uso seguro de agrotóxicos. A dissertação de mestrado do pesquisador Pedro Henrique de Abreu conclui claramente que "[não existe] viabilidade de cumprimento das inúmeras e complexas medidas de “uso seguro” de agrotóxicos no contexto socioeconômico destes trabalhadores rurais". O trabalho foi aprovado no Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)
A pesquisa foi feita no município de Lavras (MG), onde foram visitadas 81 unidades de produção familiar em 19 comunidades. O pesquisador tentou verificar a viabilidade do cumprimento dos manuais de segurança da indústria química e do Estado na agricultura familiar. Durante a pesquisa, foi possível constatar que a aquisição dos agrotóxicos é feita sem perícia técnica e a receita é fornecida por funcionários das lojas, sem que os agricultores recebam instruções na hora da compra. Além disso, o transporte dos produtos tóxicos é feito nos veículos convencionais, que não atendem aos requerimentos de segurança. Os agricultores também não recebem os documentos de segurança necessários para a operação.
Essas constatações derrubam o mito de que existe um possível uso seguro de agrotóxicos. O pesquisador constatou ainda que o armazenamento dos produtos nas propriedades rurais é inadequado e que o tamanho das terras impede que seja respeitada a distância segura entre o local das aplicações e as casas e fontes de água. A lavagem dos Equipamentos de Proteção Individual (EPI), usados na aplicação dos agrotóxicos, também é inadequada, sendo comparada a uma atividade doméstica comum e realizada sem que qualquer cuidado.
Diversas pesquisas anteriores já alertaram para o perigo do contato e do uso de agrotóxicos, tanto para aqueles que o manuseiam quanto para os que o consomem o alimento contaminado. Em fevereiro deste ano, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), instituição referência em pesquisas no setor da saúde no Brasil, publicou uma carta aberta à sociedade brasileira em que considera inaceitáveis as recentes modificações na legislação que regula o uso de agrotóxicos no País. No documento, a Fiocruz reitera o perigo ao qual estão expostos trabalhadores e moradores de áreas rurais; trabalhadores das campanhas de saúde pública e de empresas de desinsetização; e populações indígenas, quilombolas e ribeirinhas, extremamente vulneráveis à ação dos grandes latifundiários. Os riscos, perigos e danos provocados à saúde pelas exposições agudas e crônicas dessas populações aos agrotóxicos são incontestáveis, segundo a instituição, com base na literatura científica internacional.
Um dossiê da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) apontou que dos 50 produtos mais utilizados nas lavouras brasileiras, 22 são proibidos na União Europeia, o que faz com que o país seja o maior consumidor de agrotóxicos já banidos em outros locais do mundo, de acordo com a entidade. Estudos publicados por pesquisadores do País comprovam que a exposição prolongada aos agrotóxicos causa ataques ao sistema nervoso, ao sistema imunológico, má formações, atinge a fertilidade, e possui efeitos cancerígenos.

De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), órgão responsável por liberar tais produtos no país, o mercado brasileiro de agrotóxicos cresceu 190% nos últimos 10 anos, um ritmo muito mais acentuado do que o do mercado mundial, que foi de 93% no mesmo período. Desde 2008, o Brasil é campeão global no uso de agrotóxicos e atualmente concentra cerca de 20% do uso mundial. O Espírito Santo, que já foi campeão brasileiro, é o terceiro da federação que mais faz uso de agrotóxicos.

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

BRF É CONDENADA A PAGAR MAIS DE R$ 4 MI POR ILEGALIDADES NA JORNADA DE TRABALHO

A BRF (Brasil Foods), detentora das marcas Sadia e Perdigão, foi condenada, em segunda instância, a pagar R$ 4.362.907,20 como multa por descumprimento de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado em 2001 com o Ministério Público do Trabalho no Paraná (MPT-PR).
Com o TAC, a empresa se comprometia a abster-se de prorrogar a jornada de trabalho dos empregados além do limite de duas horas extras diárias, a conceder a todos os funcionários intervalo de no mínimo 11 horas consecutivas para descanso entre as jornadas e a conceder a todos os funcionários descanso semanal remunerado de 24 horas consecutivas. Caso descumprisse qualquer um dos itens, uma multa de R$ 1 mil por obrigação descumprida por trabalhador e por dia foi estabelecida. Ainda que instituído o pagamento de multa, a empresa continuaria obrigada a regularizar a situação dos trabalhadores.
Tramitação do caso

Após a realização de fiscalizações pelo Ministério do Trabalho e Emprego entre os anos de 2002 e 2009, na unidade da empresa localizada no Município de Carambeí/PR, constatou-se a manutenção das irregularidades noticiadas no Termo de Ajuste de Conduta. A ação de execução foi proposta pela Procuradoria do Trabalho no Município de Ponta Grossa no ano de 2011, no importe inicial de R$ 1.043.000,00, posteriormente  elevado pela Justiça do Trabalho de Castro/PR para R$ 4.362.907,20, tendo em vista a constatação de que os valores inicialmente pactuados no Termo de Ajuste de Conduta não foram suficientes para regularizar os atributos que envolvem jornada de trabalho. No último dia 22, uma turma do TRT-PR presidida pelo desembargador Luiz Celso Napp negou provimento a um novo pedido de agravo de petição da BRF que questionava a elevação do valor da multa.

Texto originalmente publicado na página do Ministério Público do Trabalho – 9ª Região

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

ENTENDA COMO FUNCIONA O BOLSA FAMILIA

Criticado por Ney Matogrosso e peça da campanha de Aécio e Dilma, o benefício é pago para 14 milhões de famílias; valor básico é de 70 reais
por Redação — publicado 13/05/2014 05:35, última modificação 13/05/2014 10:18


Uma das principais bandeiras dos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e de Dilma Rousseff, o programa de transferência de renda Bolsa Família entrou na pauta eleitoral de 2014.
O anúncio do reajuste de 10% em cadeia nacional, feito às vésperas do 1º de maio pela presidenta Dilma Rousseff, e as críticas de seu opositor Aécio Neves – de que o aumento é insuficiente e não atende às recomendações das Nações Unidas sobre o combate à pobreza - mostram que o benefício dado pelo governo federal será alvo de debate e disputa durante a campanha eleitoral. Recentemente, o cantor Ney Matogrosso também desqualificou o governo, ao tecer críticas ao programa social.
Conheça mais sobre o Bolsa Família e veja quais as respostas às perguntas mais frequentes sobre ele:

O que é o Bolsa Família?
O Programa Bolsa Família é um programa de transferência direta de renda que beneficia famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza do País. O Bolsa Família integra o Plano Brasil Sem Miséria, que tem como foco de atuação brasileiros com renda familiar per capita inferior a 70 reais mensais.


Quantas pessoas são atingidas pelo Bolsa Família?
De acordo com o governo, no mês de abril de 2014 o Bolsa Família foi pago a 14.145.274 famílias, atingido cerca de 50 milhões de pessoas.


Qual o valor que cada família recebe e como ele é calculado?
O programa oferece às famílias quatro tipos de benefícios: o Básico, o Variável, o Variável para Jovem e o para Superação da Extrema Pobreza.

O Básico, concedido às famílias em situação de extrema pobreza, é de 70 reais mensais, independentemente da composição familiar. Já o Variável, no valor de 32 reais, é concedido às famílias pobres e extremamente pobres que tenham crianças e adolescentes entre 0 e 15 anos, gestantes ou nutrizes, e pode chegar ao teto de cinco benefícios por família, ou seja 160 reais. As famílias em situação de extrema pobreza podem acumular o benefício Básico e o Variável, até o máximo de 230 reais por mês.
O benefício Variável para Jovem, de 38 reais, é concedido às famílias pobres e extremamente pobres que tenham adolescentes entre 16 e 17 anos, matriculados na escola. A família pode acumular até dois benefícios, ou seja, 76 reais.
Já o para Superação da Extrema Pobreza é concedido às famílias em situação de pobreza extrema. Cada família pode ter direito a um benefício. O valor varia em razão do cálculo realizado a partir da renda per capita da família e do benefício já recebido no programa.
As famílias em situação de extrema pobreza podem acumular o benefício Básico, o Variável e o Variável para Jovem, até o máximo de 306 reais por mês, como também podem acumular um benefício para Superação da Extrema Pobreza.

Qual o máximo que uma família já recebeu?
O benefício do Bolsa Família é variável, uma vez que é pago o valor suficiente para que uma família possua uma renda per capita mensal mínima de 70 reais (77 reais, a partir de junho de 2014).

No entanto, um dos valores mais altos pagos a uma família, de 19 membros, foi de 1.332 reais. A quantia repassada pelo Bolsa Família, no ano de 2012, teve valores combinados através do Brasil Carinhoso.

Como o governo sabe quem tem que receber o Bolsa Família?
A seleção das famílias para o Bolsa Família é feita com base nas informações registradas pelo município no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal, instrumento de coleta e gestão de dados que tem como objetivo identificar as famílias de baixa renda existentes no Brasil. Com base nesses dados, o Ministério do Desenvolvimento Social seleciona as famílias que receberão o benefício.


Quais são as regras para poder receber o benefício?
Podem receber o benefício as famílias em situação de extrema pobreza, com renda per capita de até 70 reais por mês; aquelas que são consideradas pobres, renda per capita entre 70,01 reais e 140 reais por mês; e as que são pobres ou extremamente pobres e tenham em sua composição gestantes, nutrizes, crianças ou adolescentes entre 0 e 17 anos (sendo nesses últimos casos um valor maior do que o fornecido às famílias sem crianças, adolescentes ou gestantes).

Para ser beneficiário, será preciso apresentar um documento de identificação, como o CPF, por exemplo, entrar no Cadastro Único. O cadastramento, no entanto, não significa que o recebimento será imediato. Quem seleciona as famílias que receberão o Bolsa Família é o Ministério do Desenvolvimento Social, com base na renda per capita.
As prefeituras municipais são responsáveis por cadastrar, digitar, transmitir, manter e atualizar a base de dados, acompanhar as condições do benefício e articular e promover as ações complementares destinadas ao desenvolvimento autônomo das famílias pobres do município.

Quais as contrapartidas que a família precisa dar?
Na área de saúde, as famílias devem acompanhar o cartão de vacinação e o crescimento e desenvolvimento das crianças menores de 7 anos. As mulheres na faixa de 14 a 44 anos também devem fazer o acompanhamento médico. Quando gestantes ou lactantes devem realizar o pré-natal e o acompanhamento de sua saúde e do bebê.

No que diz respeito a educação, todas as crianças e adolescentes entre 6 e 15 anos devem estar matriculados e ter frequência escolar mensal mínima de 85% da carga horária. Já os estudantes entre 16 e 17 anos devem ter frequência de, no mínimo, 75%.
Na área de assistência social, crianças e adolescentes com até 15 anos em risco ou retiradas do trabalho infantil devem participar dos Serviços de Convivência e Fortalecimento de Vínculos e obter frequência mínima de 85% da carga horária mensal.

De que maneira as contrapartidas são checadas?
Cabe ao poder público fazer o acompanhamento gerencial para identificar os motivos do não cumprimento das condicionalidades. A partir daí, são implementadas ações de acompanhamento das famílias em descumprimento, consideradas em situação de maior vulnerabilidade social.

A família que encontra dificuldades em cumprir as contrapartidas deve procurar o Centro de Referência de Assistência Social (Cras), o Centro de Referência Especializada de Assistência Social (Creas) ou a equipe de assistência social do município.
Caso não tome nenhuma dessas atitudes, corre o risco de ter o benefício bloqueado, suspenso ou até mesmo cancelado.

Dos brasileiros que recebem o Bolsa Família, qual a porcentagem de mulheres e de homens?
Entre os titulares responsáveis pelas famílias que recebem, 93% são mulheres. Do total de pessoas que são beneficiadas pelo programa, 56% são mulheres e 44% são homens.


Qual o número de brasileiros que deixaram de precisar do programa e abriram mão do benefício?
Desde o início do programa, em 2003, 1,7 milhão de famílias deixaram o programa por informarem renda per capita mensal superior aos limites estabelecidos.


Há outras iniciativas neste sentido?
O Brasil Sem Miséria lançou a Ação Brasil Carinhoso Para atender as crianças de zero a seis anos – fase crucial do desenvolvimento físico e intelectual. A Ação Brasil Carinhoso foi concebida numa perspectiva de atenção integral que também articula reforço de políticas ligadas à saúde e à educação. Por isso, envolve o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e o Ministério da Saúde e o Ministério da Educação (MEC).

Em um primeiro momento, foi criado um complemento do benefício do Bolsa Família, que garante que todos os beneficiários tenham uma renda mensal de pelo menos 70 reais, saindo da situação da extrema pobreza. Atualmente, entretanto, esse complemento foi estendido para as famílias com crianças e jovens de até 15 anos e a todas as famílias em situação de extrema pobreza.
Segundo o governo, entretanto, hoje não é mais possível considerar que o complemento do Bolsa Família para famílias em extrema pobreza seja parte do Brasil Carinhoso. Ele é nominado como complemento do Brasil Sem Miséria.

Recentemente, a presidenta Dilma Rousseff anunciou um reajuste de 10% no Bolsa Família. Como ele será feito?
De acordo com o Decreto nº 8.232, de 30 de abril de 2014, esse aumento terá efeitos a partir de 1º junho de 2014. Assim, o programa passará a atender famílias que tenham renda mensal por pessoa de até 77 reais (extrema pobreza) e famílias com renda per capita entre 77,01 reais e 154 reais (pobreza), desde que, nesse caso, haja crianças, adolescentes, gestantes ou nutrizes.

Assim, os valores mensais pagos às famílias também terão aumento. Enquanto o benefício Básico passa a ser de 77 reais, o Variável aumentará para 35 reais e o Variável Jovem passa a ser 42 reais. Já o para Superação da Extrema Pobreza terá aumento caso a caso, pois deverá ser concedido para famílias que, mesmo após receber os demais benefícios do Bolsa Família permaneçam com renda por pessoa de até 77 reais.

O que garante o Bolsa Família? Uma lei?
O Bolsa Família foi criado por meio da Lei nº 10.836, de 9 de janeiro de 2004. Sua regulamentação se deu por meio do Decreto nº 5.209, de 17/09/2004.


Como o programa poderia vir a se tornar um direito constitucional?
Criado para atender aos direitos sociais expressos no artigo 6º da Constituição (a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados), o Bolsa Família não é um direito constitucional. No entanto, projeto de lei do pré-candidato à Presidência pelo PSDB, Aécio Neves, prevê que o programa seja incorporado à Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) com objetivo de assegurar o benefício como política pública. Já o presidenciável pelo PSB, Eduardo Campos, prometeu incluir mais famílias no benefício do governo federal.

Há estudiosos do programa que defendem que se o benefício se tornar um direito constitucionalizado deixará de ser uma política pública de governo – ou atrelada a um partido – para se tornar de Estado.

Fontes: MDS e Caixa Econômica Federal

POSTADO EM: http://www.cartacapital.com.br/sociedade

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

JUSTIÇA RECONHECE RESPONSABILIDADE DA GRIFE COLLINS POR TRABALHO ECRAVO

Decisão de segunda instância determina que empresa deve pagar por infrações ocorridas em 2009 contra trabalhadora em oficina de costura terceirizada
Por Stefano Wrobleski

O Tribunal Regional do Trabalho (TRT) em São Paulo decidiu que a Collins tem responsabilidade solidária no cumprimento das obrigações trabalhistas com uma das costureiras empregada em 2009 em oficina de costura terceirizada pela grife em São Paulo. A Justiça considerou as condições de trabalho análogas às de escravos. À decisão, cabe recurso.
Ao entender que a empresa tem responsabilidade solidária, o TRT obriga a Collins a pagar à trabalhadora que entrou com ação todas as verbas rescisórias, multas e demais valores decorrentes da jornada exaustiva a que era submetida. De segunda a sábado, a vítima trabalhava 18 horas por dia, sem intervalo para refeição ou descanso, recebendo apenas R$ 480 por cada um dos quase quatro meses em que esteve no local. A trabalhadora ainda relatou que teve seus documentos retidos e que tinha autorização para tomar banho somente uma vez por semana.

Em fiscalização feita dois anos depois, roupas produzidas para a Collins foram encontradas na oficina. Fotos: Bianca Pyl

Para o desembargador e relator do caso Jonas Santana de Brito, da 15ª Turma do TRT em São Paulo, a decisão manda um “recado” para as empresas do setor têxtil: “Ao fazer um pedido para uma empresa menor, a empresa tem que saber quem vai produzir e de que forma será produzido. Não adianta alegar que não sabia como eram feitas aquelas roupas e acessórios”.
Jonas explica que o pedido de responsabilização solidária da Collins foi feito pela trabalhadora, que já havia ganhado a causa em primeira instância. A decisão anterior, no entanto, considerou a responsabilidade da Collins como subsidiária no caso. Isso faria com que somente o empregador direto, terceirizado pela marca, tivesse de arcar com os custos. A grife ainda pode recorrer ao Tribunal Superior do Trabalho (TST) contra a decisão, mas o pagamento das verbas trabalhistas não pode ser revisto, já que a Collins e os terceirizados não recorreram da decisão em primeira instância.
A Defensoria Pública da União em São Paulo atuou no processo representando juridicamente a trabalhadora. O defensor Daniel Chiaretti, que acompanha o caso, considera a decisão “extremamente favorável”: “Apesar de o acórdão não ter efeito vinculante [que passa a valer para casos futuros com questão idêntica], ele ajuda no sentido de ter um precedente contra a Collins e pode ser usado como argumentação em outros processos”.
Outro caso
Quase dois anos depois, em maio de 2011, a oficina foi fiscalizada por autoridades, que constataram o regime de escravidão a que eram submetidas onze vítimas.


Dois anos depois, condições de trabalho relatadas por vítima foram constatadas por autoridades

Na época, a Collins, uma das maiores redes varejistas de moda feminina do país, era constituída por seis diferentes empresas que controlavam 87 estabelecimentos. Todas eram dirigidas pelo coreano Won Kyu Lee, o que fez os auditores do trabalho considerarem, no relatório fiscal, que a divisão buscava dificultar a fiscalização: “Percebe-se que a pulverização do grupo econômico Collins em pessoas jurídicas artificiais, de pequeno porte, visa a dificultar o controle e a fiscalização dos órgãos públicos. A dificuldade de rastreamento contábil da produção facilita, assim, o mascaramento da teia de subcontratações sucessivas que leva à precarização das relações de trabalho”. Na ocasião a oficina também era terceirizada pela Collins, mas, à época, fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) descaracterizaram a terceirização por considerá-la ilícita.
Dias depois da fiscalização, a empresa chegou a assinar um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) com o Ministério Público do Trabalho (MPT) fazendo a Defensoria Pública desistir de mover uma ação contra a marca por perda de objeto. No acordo, a Collins se comprometeu, entre outras coisas, a regularizar a situação de todos os seus funcionários e a visitar todas as oficinas terceirizadas para garantir o cumprimento da legislação. Parte desses itens acordados, no entanto, não foi seguida pela Collins, que está sendo convocada para audiência com o MPT. A empresa pode ter de pagar multa de R$ 100 mil por item descumprido.
Repórter Brasil procurou a empresa para obter um posicionamento quanto à condenação no TRT, mas a Collins não respondeu aos contatos da reportagem até o fechamento desta matéria.

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

SÃO PAULO TEM ROMARIA DE EMPRESÁRIOS PARA CONTRATAR IMIGRANTES

SÃO PAULO - São Paulo se tornou palco de uma romaria de empresários e analistas de recursos humanos, especialmente das regiões Sul e Sudeste do país. Desde o começo do ano, mais de 1.300 empresas enviaram representantes à Igreja Nossa Senhora da Paz, na Baixada do Glicério, Zona Central da capital paulista e ponto de concentração de migrantes haitianos e africanos na cidade. Ali, eles estão em busca de mão de obra. De preferência, boa e barata. Apenas no primeiro semestre, 472 delas já contrataram ao menos 1,4 mil trabalhadores de fora do país.

O movimento é inédito. E impressiona. Em um galpão improvisado da igreja, convertida numa espécie de agência de empregos, ao menos 200 pessoas esperavam por oportunidades numa tarde do fim de julho. O anúncio das vagas era feito em inglês, francês e creole, língua nativa do Haiti. Na sequência, dezenas de imigrantes haitianos e africanos se lançavam com sofreguidão sobre os representantes das empresas, acotovelando-se para preencher fichas e lançando carteiras de trabalho recém expedidas sobre as mesas, sob os olhares satisfeitos — e um tanto surpresos — de empresários.

Em igreja, imigrantes são recebidos por empresários e por pessoas que querem contratá-los sem seguir as leis trabalhistas - Fernando Donasci / O Globo


A seleção dos trabalhadores, por vezes, faz lembrar a escolha feita por senhores de engenho em mercados de escravos no Brasil, até o século XIX. No Acre, ponto de entrada de haitianos e senegaleses, segundo pesquisadores da Universidade Federal do Acre, empresários chegam a checar os dentes, os músculos e a pele dos imigrantes. Em um vídeo disponível na internet, um dos recrutadores admite que escolhe os empregados pela canela. Segundo ele, na seleção de trabalhadores para um frigorífico, levava em conta “uma tradição antiga, do pessoal da escravidão, de que quem tem canela fina é bom de trabalho, canela grossa é um pessoal mais ruim de serviço (sic)”.

“Cursinho para tirar preconceito”

Em São Paulo, o destino dos migrantes depende de caridade. Na ausência de um serviço público que os encaminhe, o Padre Paolo Parise e funcionários da Igreja Nossa Senhora da Paz tentam impedir que se repita na megalópole o que se passa no Norte do país. Três vezes por semana, uma assistente social contratada pela igreja se reúne com empresários que pretendem contratar migrantes para uma conversa a que Paolo chama de “cursinho para tirar preconceito”. Ali, a assistente social Ana Paula Caffeu faz a propaganda dos haitianos.

— Eles são diferentes da gente. Vão trabalhar felizes, cantando, enquanto os brasileiros relacionam o trabalho à tortura. Já ouvi empresários dizerem que a produção aumentou de 15% a 35% depois da contratação dos haitianos. Os caras são muito bons e aceitam trabalhos abaixo de sua qualificação porque precisam pagar dívida e mandar dinheiro para a família — disse Ana Paula, em um dos cursos acompanhados pelo GLOBO no fim de julho.

Durante a preleção, ela também recomendou aos empresários que contratassem os imigrantes de acordo com as leis trabalhistas e pagando ao menos R$ 1 mil mensais. Segundo os cálculos da igreja, isso é o mínimo necessário para que os migrantes sobrevivam no Brasil e sustentem suas famílias em seu país de origem.

— Eu tento garantir que eles vão ser bem tratados. Mas aqui dá de tudo, já chegou aliciador, traficante de pessoas, gente que queria não um trabalhador, mas um escravo — contou Ana Paula.
Apesar do discurso enfático, nem todo mundo se convence com o que diz a assistente social. Ao final de uma das palestras, uma dona de casa que não quis se identificar admitiu à reportagem que procurava por uma haitiana para convertê-la em empregada doméstica, que dormisse na casa da patroa durante a semana. Segundo os cálculos da dona de casa, a empregada teria uma jornada de 12 horas diárias de trabalho. A empresária Ana Paula Aguiar afirmou que buscava um caseiro para sua casa de praia no litoral norte paulista. Ela reclamou que “brasileiro é preguiçoso, se esconde atrás da lei para não trabalhar”.

— Agora é só bolsa disso, bolsa daquilo. Acho que os haitianos seriam mais bem agradecidos pelo emprego — disse a dona de casa, que não tinha a intenção de contratar em regime CLT e que não pretendia pagar mais de R$ 850.

O perfil dos imigrantes que busca vagas na igreja é muito diverso. Há haitianos sem qualquer escolaridade e nigerianos que chegaram ao país clandestinos, escondidos em porões de navio, apenas com a roupa do corpo. Mas há também jornalistas, médicos e engenheiros entre os vindos do Haiti. O GLOBO localizou ainda um pedagogo e um economista nigerianos que, por serem cristãos, fugiram da perseguição do grupo extremista islâmico Boko Haram, o mesmo que, em maio, sequestrou 276 meninas de uma escola no Norte da Nigéria. Um dos nigerianos, que não quis se identificar por medo de represálias, teve as duas irmãs mortas num atentado à bomba em uma igreja cristã no país africano.

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— Eu sei que a gente não está acostumado a ver um galpão cheio de negões com educação superior, mas deixem qualquer preconceito de lado — instruía a assistente social durante a palestra.

No entanto, nenhum deles parecia preocupado com a formação dos futuros empregados, mesmo porque diplomas conseguidos no exterior não são automaticamente válidos no Brasil.

Terminados os processos de contratação, haitianos e africanos lotam ônibus estacionados no pátio da igreja em direção a municípios do país. Vão enfrentar algumas horas de viagem para desembarcar numa nova vida, em cidades que sequer desconfiam onde fica no mapa.


domingo, 31 de agosto de 2014

BRASIL É LÍDER MUNDIAL EM AGRESSÃO A PROFESSORES


Em pesquisa que ouviu 100 mil docentes em 34 países, 12,5% dos brasileiros contam que são agredidos ou intimidados uma vez por semana dentro da escola

Francisco Edson Alves
 
Rio - No dia 12 deste mês, o professor de Biologia Carlos Cristian Gomes, de uma escola estadual de Sergipe, levou cinco tiros de um aluno de 17 anos, que teria ficado revoltado com uma nota baixa. Gomes está internado em estado grave e respira por aparelhos. Esta semana, professores do Ciep Pablo Neruda, no bairro Laranjal, em São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio, ameaçaram parar suas atividades em protesto por causa das constantes agressões verbais desferidas por alunos.

R., 45 , há dois anos teve que sair do Ciep Estaudal Raul Seixas, em Costa Barros, depois de ser agredido por aluno e parentes do estudante
Foto:  Alessandro Costa / Agência O Dia
Os dois casos recentes de violência contra docentes ilustram pesquisa feita pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que revela que 12,5% dos professores ouvidos no Brasil se disseram vítimas de agressões verbais ou intimidação de alunos pelo menos uma vez por semana. A enquete foi feita em todo o mundo e abordou mais de 100 mil professores e diretores de escolas do segundo ciclo do Ensino Fundamental e do Ensino Médio (alunos de 11 a 16 anos). O resultado põe o Brasil no topo do ranking de violência em escolas.

“Infelizmente, isso é pura realidade. No Estado do Rio, os professores são vítimas diariamente de vários tipos de agressões físicas e verbais. Tanto que estamos preparando um levantamento sobre o assunto”, diz a professora Beatriz Lugão, diretora do Sindicato dos Profissionais da Educação do Rio de Janeiro (Sepe-RJ).

De acordo com ela, o clima de violência nas escolas públicas é desencadeado por diversos motivos.
“Sobretudo pela quantidade insuficiente de professores, falta de inspetores, espaços físicos sucateados e insegurança no entorno. No meio disso tudo, como um para-raio, está o professor”, diz ela.

Os índices referentes ao Brasil são os mais altos entre os 34 países pesquisados, onde a média entre eles é de 3,4%. Depois do Brasil, vem a Estônia, com 11%, e a Austrália com 9,7%. Na Coreia do Sul, Malásia e Romênia, o índice é zero.

Além de ataques, professores convivem com ameaças de morte. É o caso de R., 45 anos, que há dois anos teve que sair do Ciep Estadual Raul Seixas, em Costa Barros, depois de retirar um aluno que fazia bagunça na sala de aula e apanhou dele, da mãe e do irmão do estudante. O caso foi registrado na 39ª DP (Pavuna).
 
No país, só 12,6% consideram que são valorizados
 
Para Dirk Van Damme, chefe da divisão de inovação e medição de progressos em educação da OCDE, pela escola estar mais aberta à sociedade, os alunos levam para a aula seus problemas cotidianos. “Essa é uma das possíveis razões pelo quadro revelado pela pesquisa”, argumenta Van Damme.
De acordo com ele, o Estudo Internacional sobre Professores, Ensino e Aprendizagem (Talis, na sigla em inglês), também expôs que somente um em cada dez professores (12,6%) no Brasil acredita que a profissão é valorizada pela sociedade. Nesse quesito, a média global alcançou 31%.
Pela enquete, o Brasil está entre os dez últimos da lista em relação ao assunto. No último lugar aparece a Eslováquia, com 3,9%, seguida de França e Suécia, onde só 4,9% dos professores acham que têm o devido valor perante a sociedade.
A surpresa ficou por conta da Malásia, onde 83,8% dos professores acham que a profissão é valorizada. Cingapura, com 67,6%, e a Coreia do Sul, com 66,5%, também tiveram boas avaliações nesse item. A pesquisa indicou ainda que, apesar dos problemas, a maioria dos professores no mundo se diz satisfeita com a função.

POSTADO EM: http://odia.ig.com.br/noticia/brasil/2014-08-30/brasil-e-lider-mundial-em-agressao-a-professores.html

sábado, 26 de julho de 2014

CASO ZÉ MARIA: INTERROGATÓRIO DOS RÉUS.



No próximo dia 31 de julho, às 9h, na sede da Justiça Estadual de Limoeiro do Norte, será realizado o interrogatório dos réus no processo que apura o assassinato de José Maria Filho, o Zé Maria do Tomé.
Zé Maria foi executado em 21 de abril de 2010, com mais de 20 tiros à queima roupa, em típica ação de pistolagem, na localidade de Tomé, município de Limoeiro do Norte, Ceará, próximo à sua residência. Liderança comunitária e ambientalista, Zé Maria foi assassinado por denunciar as consequências da pulverização aérea de agrotóxicos e irregularidades na concessão de terras nos perímetros irrigados da região da Chapada do Apodi.
O homicídio ocorreu meses após a promulgação, em 20 de novembro de 2009, da lei municipal de nº 1.278/2009, que proibia a pulverização aérea de agrotóxicos no município de Limoeiro do Norte. Essa iniciativa inédita foi resultado da pressão de organizações, movimentos populares e pesquisadores, e ganhou repercussão internacional, ao banir a pulverização aérea de agrotóxicos. As empresas do agronegócio da região não cumpriam o disposto na Lei 1.278/2009 e então José Maria Filho tornou-se a principal voz nas denúncias sobre as ilegalidades.
Após sua morte, transcorreu uma demorada investigação policial, até que em 26 de junho de 2012, dois anos após o assassinato, o Ministério Público ofereceu denúncia contra João Teixeira Júnior (proprietário da empresa Frutacor), José Aldair Gomes Costa (gerente da citada empresa), Antônio Wellington Ferreira Lima e Francisco Marcos Lima Barros (os dois últimos moradores da comunidade Tomé) pelo homicídio. O primeiro denunciado é um dos maiores empresários do agronegócio no Ceará. O suposto executor fora assassinado em julho de 2010 em uma ação policial.
O processo que trata do homicídio de José Maria Filho, chega ao momento mais importante até agora, o interrogatório dos réus, quando os denunciados apresentarão seus argumentos a partir das perguntas feitas pela juíza, pelos promotores e advogados de acusação e por seus advogados defensores.
A expectativa dos advogados assistentes da acusação é que a juíza pronuncie todos os acusados e que assim sejam julgados pelo Tribunal Popular do Júri, quando, ao final, espera-se pela condenação de participantes e mandantes. Aguarda-se que o julgamento pelo Júri ocorra até o final desse ano.

Cláudio Silva, advogado integrante da Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares do Ceará (RENAP/CE), especialista em Economia e Desenvolvimento Agrário pela Universidade Federal do Espírito Santo/ Escola Nacional Florestan Fernandes e em Direito Público pela Rede LGF/Anhanguera-Uniderp.

Mais informações sobre o caso “Zé Maria do Tomé”:
- Processo nº 7659-18.2010.8.06.0115, tramita 1ª Vara da Comarca de Limoeiro do Norte
http://terradedireitos.org.br/2014/04/17/quatro-anos-do-assassinato-de-ze-maria-uma-luta-por-justica/

http://www.brasildefato.com.br/node/9449

sexta-feira, 4 de julho de 2014

MP DENUNCIA ODEBRECHT POR TRABALHO ESCRAVO E TRÁFICO INTERNACIONAL DE PESSOAS



O Ministério Público do Trabalho (MPT) denunciou o grupo empresarial Odebrecht por, segundo o órgão, manter 500 trabalhadores brasileiros em condições análogas à escravidão na construção de uma usina em Angola.

Operários brasileiros disseram ter sido submetidos a maus tratos na construção da usina Biocom


De acordo com a ação, iniciada após uma reportagem da BBC Brasil revelar denúncias de maus tratos na obra, a construtora teria praticado ainda tráfico de pessoas no transporte de operários até a usina Biocom, na província de Malanje.
A denúncia, entregue na sexta-feira à Justiça do Trabalho de Araraquara (SP) pelo procurador Rafael de Araújo Gomes, pede que a Odebrecht pague uma indenização de R$ 500 milhões por danos coletivos aos trabalhadores. O procurador notificou a Polícia Federal e o Ministério Público Federal para que dirigentes da empresa e de suas subcontratadas respondam criminalmente.
A Odebrecht disse à BBC Brasil que só pronunciaria sobre o caso após ser notificada judicialmente. Normalmente, a notificação judicial ocorre alguns dias úteis após o Ministério Público protocolar a ação. Mas, com as interrupções de serviços públicos ocorridas por conta dos jogos da Copa do Mundo, esse prazo pode vir a ser ampliado.

Três empresas do grupo Odebrecht são rés na ação, que tem 178 páginas e envolveu extensa investigação: a Construtora Norberto Odebrecht (CNO), a Olex Importação e Exportação e a Odebrecht Agroindustrial (antiga ETH Bioenergia).

Passaportes retidos

Em dezembro de 2013, a BBC Brasil publicou uma reportagem em que operários diziam ter sido submetidos a maus tratos na construção da usina Biocom, entre 2011 e 2012. Dezenas de fotos e vídeos cedidos à reportagem mostravam o que seriam péssimas condições de higiene no alojamento e refeitório usados pelos trabalhadores.
Segundo trabalhadores, este seria o poço de onde água servida a operários era retirada 
Os trabalhadores afirmaram ainda que funcionários que trabalhavam na segurança da empresa impediam que eles deixassem o alojamento e que tinham seus passaportes retidos por superiores após o desembarque em Angola. De acordo com os operários, muitos adoeciam – alguns gravemente – em consequência das más condições, e pediam para voltar ao Brasil. Alguns dizem ter esperado semanas até conseguir embarcar.

Segundo a ação do Ministério Público do Trabalho, braço do Ministério Público da União, "os trabalhadores, centenas deles, foram submetidos a condições degradantes de trabalho, incompatíveis com a dignidade humana, e tiveram sua liberdade cerceada, sendo podados em seu direito de ir e vir".

Os funcionários, diz a denúncia, "foram tratados como escravos modernos, com o agravante de tal violência ter sido cometida enquanto se encontravam isolados em país estrangeiro distante, sem qualquer capacidade de resistência".

Após voltar ao Brasil, dezenas de operários entraram na Justiça contra a Odebrecht e suas subcontratadas na obra. A Justiça tem reconhecido que eles foram submetidos a condições degradantes e ordenado que sejam indenizados.

Denúncia aponta que funcionários foram tratados como "escravos modernos". Na foto, o que seriam banheiros interditados.

O MPT diz que, embora os trabalhadores não fossem empregados da Odebrecht, mas de empresas subcontratadas pela construtora – entre as quais a Planusi, a W Líder e a Pirâmide –, a responsabilidade pelas condições na obra era inteiramente da Odebrecht, conforme definido nos contratos entre as companhias.

Tráfico de pessoas

A denúncia lista uma série de ilegalidades que, segundo o MPT, teriam sido cometidas pela Odebrecht no envio dos trabalhadores a Angola. De acordo com o órgão, as empresas subordinadas à companhia recorreram a agenciadores ilegais ("gatos") para recrutar operários em diferentes regiões do país, especialmente no Nordeste. A prática, diz a denúncia, constitui crime de aliciamento.

Após o recrutamento, segundo a denúncia, ocorria outra irregularidade: em vez de solicitar à embaixada de Angola vistos de trabalho aos operários, a Odebrecht pedia vistos ordinários, que não dão o direito de trabalhar.

Para obter os vistos, segundo o MPT, a Odebrecht "desavergonhadamente mentiu à embaixada de Angola", dizendo que os operários viajariam ao país para "tratar de negócios" e permaneceriam ali menos de 30 dias (limite de estadia do visto ordinário). No entanto, diz a Procuradoria, as passagens aéreas compradas pela Odebrecht previam a volta dos trabalhadores em prazos bem superiores a 30 dias.

Segundo o MPT, a empresa recorreu ao esquema para "contar com trabalhadores precários e inteiramente submetidos a seu jugo, incapazes de reagir ou de reclamar das condições suportadas, impossibilitados de procurar outro emprego, e que sequer pudessem sair do canteiro de obras".

A prática, segundo o MPT, sujeitou os trabalhadores a graves riscos em Angola, inclusive o de prisão, e violou tratados internacionais contra o tráfico humano.
Ratificado pelo Brasil em 2004, o Protocolo de Palermo engloba, entre as definições para a atividade de tráfico, o recrutamento e transporte de pessoas mediante fraude ou engano para fins de exploração em "práticas similares à escravatura".

Dinheiro público

Segundo a investigação do MPT, contratos celebrados entre a Odebrecht e suas subordinadas na obra mencionam que haveria empréstimos do BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social) à construção. O BNDES, porém, disse à BBC Brasil que jamais financiou a obra.

Em junho de 2012, o Ministério do Desenvolvimento e Comércio Exterior decretou sigilo sobre todas as operações de crédito do BNDES a Angola e Cuba.

Entre 2006 e 2012, quando os dados ainda eram públicos, o BNDES destinou US$ 3,2 bilhões (R$ 7,2 bilhões) a obras de empresas brasileiras em Angola. A Odebrecht, maior construtora brasileira e maior empregadora privada de Angola, onde opera desde 1984, abocanhou a metade desses financiamentos.

'Círculo íntimo'

Primeira indústria de açúcar, eletricidade e etanol de Angola, a Biocom é uma sociedade entre a Odebrecht, a estatal angolana Sonangol e a empresa Cochan. Segundo o jornal português Público, o dono da Cochan é o general angolano Leopoldino Fragoso do Nascimento, um dos homens mais próximos do presidente angolano, José Eduardo dos Santos, no poder desde 1979. 

Segundo ação do MPT, trabalhadores foram submetidos a "condições degradantes de trabalho". Na foto, área externa do refeitório
A usina, que custou cerca de R$ 1 bilhão, deve ser inaugurada até o fim deste ano.

Embora a Biocom tenha sócios angolanos, o MPT diz que, desde 2012, a Odebrecht tornou-se sócia majoritária da usina e "passou a administrá-la como dona". Segundo o órgão, ao se associar à Cochan, a Odebrecht buscou contemplar o "círculo íntimo" do presidente angolano no empreendimento e mascarar que a usina, anunciada à população local como angolana, é na verdade brasileira.

Como punição pelos atos, a Procuradoria pede que a Odebrecht seja multada caso mantenha práticas ilícitas, indenize os trabalhadores afetados em R$ 500 milhões e deixe de receber empréstimos de bancos públicos. A ação pede ainda que a companhia pague multa no valor de 0,1% a 20% do seu faturamento anual.

Segundo o MPT, o caso requer "uma punição absolutamente exemplar", para que a companhia não se sinta encorajada "a repetir as mesmas condutas no futuro".

POSTADO EM: http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/06/140616_mp_denuncia_odebrecht_jf.shtml

quinta-feira, 3 de julho de 2014

TERRAS APROPRIADAS POR GRANDES INVESTIDORES PODERIAM ALIMENTAR ATÉ 550 MILHÕES DE PESSOAS

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Grandes empreendimentos costumam arruinar os agricultores de pequena escala e de subsistência, retirando deles suas terras e deixando-os sem condições de produzirem seu próprio sustento
30/06/2014
A apropriação de terras é uma prática controversa muito comum em países em desenvolvimento, na qual investidores adquirem – de forma ilegal ou não – terrenos nessas nações para a realização de grandes investimentos, geralmente agrícolas, com foco na exportação de alimentos e biocombustíveis. Mas um novo estudo aponta que essas terras poderiam alimentar milhões de pessoas se fossem de propriedade das populações locais.
A pesquisa, publicada na quinta-feira (26) no periódico Environmental Research Letters, sugere que esses grandes empreendimentos costumam arruinar os agricultores de pequena escala e de subsistência, retirando deles suas terras e deixando-os sem condições de produzirem seu próprio sustento.
Mas os autores da nova análise afirmam que não é necessário que seja assim, e que poderia haver inclusive ganhos com as tecnologias desses empreendimentos.
“Os legisladores precisam estar cientes de que, se esse alimento fosse usado em benefício das populações locais, seria suficiente para diminuir a desnutrição em cada um desses países. Tais investimentos levariam a melhoras substanciais na produtividade das culturas, principalmente nas nações africanas”, escreveram Maria Cristina Rulli e Paolo D’Odorico, da Universidade Politécnica de Milão e da Universidade da Virgínia, respectivamente.
Para chegar a essa conclusão, os cientistas calcularam as aquisições de propriedades de mais de 200 hectares realizadas em países em desenvolvimento desde 2001, o que totalizou 31 milhões de hectares. Em seguida, estimaram a produtividade das colheitas se essas terras tivessem sido deixadas para os povos locais com seus métodos agrícolas tradicionais, e também a possível produtividade das plantações usando métodos tecnológicos dos grandes empreendimentos.
Se a terra fosse cultivada com 100% de sua capacidade, através das formas mais tecnológicas, poderia alimentar entre 300 milhões e 550 milhões de pessoas. Sem as tecnologias dos investidores, a terra poderia alimentar de 170 milhões a 370 milhões de pessoas.
Os pesquisadores acreditam que o estudo ajuda a criar um panorama de possíveis soluções para o problema da fome, mas dizem que muitas dúvidas sobre a questão ainda precisam ser sanadas por futuros trabalhos.
“Nosso estudo oferece uma avaliação abrangente da quantidade de alimento que poderia ser produzida em terras adquiridas por investidores estrangeiros em países como o Sudão e a Indonésia. Mas ainda há questões em aberto: O que aconteceria com os alimentos produzidos? Seriam enviados para o estrangeiro?”
Os próprios autores acreditam que dificilmente uma alta produtividade nessas terras seria conseguida visando à alimentação dos povos locais. “Muito da terra adquirida não foi sequer colocada para produção. Além disso, quase metade dessas aquisições de terra não é para cultivar alimentos. Na Malásia, Zimbábue e Gabão, as plantações para biocombustível são os únicos grandes cultivos”, observaram.
“O mundo já produz comida suficiente para alimentar a todos, mas uma em cada oito pessoas vai dormir com fome todos os dias, muitas das quais são as mesmas pessoas que dependem dos alimentos das terras que grandes agronegócios estão visando. O fortalecimento do direito à terra é crucial para garantir que as comunidades afetadas não sejam prejudicadas”, comentou Hannah Stoddart, diretora de políticas para alimentação e mudanças climáticas do Oxfam, ao jornal The Guardian. Ela concluiu dizendo que investimentos em agricultura em pequena escala e práticas agrícolas mais sustentáveis poderiam reduzir a fome dos países mais pobres.