Veja nesta notícia do Ministério Público do
Trabalho da 2.ª Região e entenda.
Quando pensamos em trabalho escravo, logo nos
vem à cabeça imagens que vimos nos livros de história, ilustrando a triste
condição a que os negros foram submetidos durante séculos em várias nações,
dentre elas o Brasil, onde, vergonhosamente,
perdurou mais que nas outras. A escravidão na forma que conhecemos não existe
mais, mas o seu conceito é aplicado aos dias de hoje com uma nova roupagem e de
forma tão cruel quanto.
Estivemos com o Procurador do Trabalho Luiz
Carlos Michele Fabre, vice coordenador nacional de erradicação do trabalho
escravo. Ele nos falou da triste realidade do trabalho escravo na cidade de São
Paulo e qual a dinâmica de prevenção e combate por parte, dos membros do
Ministério Público laboral.
Basicamente, o trabalho escravo na 2ª Região
está concentrado na área Têxtil e na Construção Civil. Nesta reportagem nos
direcionaremos a estas duas áreas especificamente, ainda que o tema em sede
nacional seja muito mais vasto, com desdobramentos diversos, que renderiam
outras pautas.
A escravidão na área têxtil foi muito exposta
na mídia nos últimos tempos, sobretudo em razão do envolvimento de empresas
detentoras de marcas de grife. As vítimas, nestes casos, são estrangeiras,
oriundas de países como Bolívia, Peru e Paraguai. Em seus países de origem são
aliciadas para trabalhar em oficinas de costura, com promessas de melhores
oportunidades. Quando chegam em São Paulo já possuem uma dívida de US$ 1500,00
(mil e quinhentos dólares) com os seus agenciadores. São empilhadas em
casas transformadas em cortiços, sem as mínimas condições dignas para
habitação. Sem recursos, veem a dívida aumentando com a moradia e alimentação
“subsidiadas”. Recebem um salário médio de R$ 400,00 por mês, numa
jornada que vai das sete da manhã até meia noite, seis dias por semana, de
segunda a sábado. Passam um período de três meses de experiência, quando seus
vencimentos são destinados integralmente ao pagamento das dívidas da viagem.
Desconhecem a língua portuguesa, sendo que muitos sequer falam espanhol, pois são
oriundos de regiões onde se comunicam através de dialetos indígenas. Quando
estragam uma peça de roupa é descontado de seus salários o valor da loja, de
vitrine, e não o de custo. Diz o procurador Fabre que dos trezentos mil
estrangeiros que chegaram nestas situações, somente um terço está de forma
regular. Como com os imigrantes europeus do final do século XIX, que aportavam
em Santos, rumo às fazendas de café e se endividavam nos armazéns, a história
se repete.
A cadeia criminosa funciona da seguinte
forma: As vítimas vêm diretamente para as “instalações” de um oficineiro, que
normalmente é uma pessoa que chegou nas mesmas circunstâncias e conseguiu
transitar da posição de vítima para escravizador. Este é terceirizado por
confecções maiores, muitas cujos donos são sul coreanos, que intermediam o
produto para a ponta final, com a função de colocar o produto no mercado, ou
seja, para as grandes grifes.
O Ministério Público do Trabalho - MPT
trabalha juntamente com outros órgãos, como Ministério do Trabalho, Polícia
Federal, Receita Federal, Defensoria Pública da União e Secretaria do Estadual
de Justiça para localizar os focos e extinguir a situação ilegal. Mais de
noventa por cento dos casos terminam em Termo de Ajustamento de Conduta, de
forma que tanto a empresa como os trabalhadores possam continuar operando, só
que de forma digna e dentro da lei. As vítimas, embora em situações
lastimáveis, veem na ocasião a única oportunidade de uma vida melhor, levando
em consideração a falta de perspectivas de trabalho e esperança em seus locais
de origem.
A estratégia de combate é começar de cima
para baixo, fazendo com que as grandes grifes não subsidiem este tipo de
conduta, provocando a quebra de toda a cadeia. Estas grandes empresas sempre
afirmam que desconheciam tais práticas por suas parcerias, mas o membros do MPT
aplicam para responsabilizá-las a denominada “teoria da Cegueira Deliberada”,
também conhecida como teoria do avestruz, segundo a
qual o maior beneficiado, embora não tenha um contato direto com a conduta
ilegal, faz vistas grossas a um fato conhecido no ramo, que não teria como ser
ignorado em razão dos preços bem baixos pagos pelas peças têxteis encomendadas,
o que evidencia que do outro lado só pode haver uma parte sendo prejudicada,
qual seja, o trabalhador.
Na construção civil, empreiteiras menores
terceirizadas por grandes construtoras trazem trabalhadores da região Nordeste
e os acumulam em canteiros de obras. Sem quaisquer recursos, têm suas carteiras
de trabalho e vencimentos retidos, trabalhando horas a fio sem ter seus
direitos sociais observados. Em um caso, uma empresa foi processada pelo MPT
por manter aproximadamente quarenta vítimas nestas condições e o procurador
pediu uma indenização por danos morais coletivos no valor de cem milhões de
reais. Hoje vigora a Instrução Normativa 76/2009, chamada de Certidão
Declaratória de Transporte de Trabalhadores. Com este documento exigido pelas
autoridades haverá mais controle através da análise das características do
contrato de Trabalho.
Não é só a dignidade da pessoa humana a
preocupação do Ministério Público do Trabalho, mas também o equilíbrio
econômico afetado pela concorrência desleal que estes infratores praticam
contra empresas que seguem a lei. Da mesma forma, são focos da atenção a
proteção de pisos salariais dos trabalhadores nacionais e o controle do fluxo
migratório desordenado. É triste que em pleno ano de 2013 existam versões
modernas de mercadores de escravos, mas ainda bem que também temos as versões
dos novos abolicionistas. CF