07/02/2013-
Informe da CUT nacional
Francisco Alves, da UFSCar, diz que esse sistema
leva o trabalhador à exaustão, doença e morte.
por: Cida de Oliveira, da Rede Brasil
Atual
Os atestados de
óbito de cortadores de cana geralmente declaram razões desconhecidas ou parada
cardiorrespiratória, segundo a Pastoral do Migrante de Guariba, no interior de
São Paulo. Mas alguns deles podem trazer como causa um acidente vascular
cerebral (derrame), edema pulmonar ou hemorragia digestiva, entre outras. No
entanto, para Francisco da Costa Alves, professor e pesquisador do Departamento
de Engenharia de Produção da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), as
mortes são o desfecho da exaustão causada pelo trabalho excessivo exigido pelo
sistema de pagamento por produção. Antes de matar, o sistema provocou
problemas respiratórios, musculares, sérias lesões nas articulações pelo
esforço repetitivo, entre outros. “Essa forma de remuneração, que leva o
cortador a trabalhar mais e mais, em longas jornadas, com alimentação e
hidratação inadequadas, está na raiz do adoecimento e morte desses
trabalhadores”, disse.
Nesse sistema
antigo, que já era criticado no final do século 18 por ser perverso e desumano,
os trabalhadores recebem conforme produzem, tendo a responsabilidade pelo ritmo
do seu trabalho. Ganham mais conforme a produção. Como trabalham pela
subsistência, se submetem a esse ritmo cada vez mais intenso para melhorar suas
condições de vida.
Conforme Francisco
Alves, que há mais de 20 anos pesquisa a produção no setor canavieiro, o
excesso de trabalho pode ser demonstrado pela rotina dos bóias frias. Para a
produção diária de seis toneladas, eles têm de cortar a cana rente ao solo para
desprender as raízes; cortar a parte onde estão as folhas verdes, que por não
ter açúcar não servem para as usinas; carregar a cana cortada para a rua
central e arrumá-la em montes. Segundo o pesquisador, tudo isso é feito rápida
e repetidamente, a céu aberto, sob o sol e calor, na presença de fuligem,
poeira e fumaça, por um período que varia entre 8 e 12 horas. Para isso, eles
chegam a caminhar, ao longo do dia, uma distância de aproximadamente 4.400
metros, carregando nos braços feixes de 15 quilos por vez, além de despender
cerca de 20 golpes de facão para cortar um feixe de cana. Isso equivale a
aproximadamente 67 mil golpes por dia. Isso tudo se a cana for de primeiro
corte, ereta, e não caída, enrolada. Do segundo corte em diante, há mais
esforço.
O gasto energético
ao andar, golpear, agachar e carregar peso torna-se ainda maior devido à
vestimenta com botina de biqueira de aço, perneiras de couro até o joelho,
calças de brim, camisa de manga comprida com mangote de brim, luvas de raspa de
couro, lenço no rosto e pescoço e chapéu, ou boné, quase sempre sob sol forte.
Com isso, eles suam abundantemente, perdendo muita água e sais minerais. A
desidratação provoca câimbras frequentes, que começam pelas mãos e pés,
avançando pelas pernas até chegar ao tórax – as chamadas birolas. Provocam
fortes dores e convulsões. Para tentar evitar o problema e garantir maior
produção, algumas usinas distribuem soro fisiológico e, em alguns casos,
suplementos energéticos. E há casos em que os próprios trabalhadores procuram
um hospital na cidade, onde recebem soro na veia.
“Ademais, o
excesso de trabalho não é realizado apenas para alcançar esse salário, mas
também para atingir as próprias metas fixadas pela usina (cerca de 10 a 15
toneladas diárias), a fim de garantir ao trabalhador que lhe seja oferecido a
vaga na próxima safra. E, para que o trabalhador possa atingir essa meta, é
obrigado a trabalhar invariavelmente cerca de 10 horas diárias, senão
mais”, escreveu o juiz Renato da Fonseca Janon, da Vara do Trabalho de Matão,
em sua sentença do final do ano passado que proibiu a Usina Santa Fé S.A., de
Nova Europa, na região de Araraquara, a remunerar seus empregados do corte de
cana por unidade de produção. A decisão, inédita, baseou-se em pesquisas
coordenadas por Francisco Alves, além de outros pesquisadores da Universidade Estadual
de Campinas (Unicamp).
Para complicar,
esse sistema de pagamento impede a adoção da norma regulamentadora (NR) 31,
considerada um avanço para a segurança e saúde dos trabalhadores rurais por
obrigar o uso de equipamentos de proteção individual. É o caso de óculos de
proteção contra as cortantes folhas da cana, que causam muitos ferimentos nos
olhos. Só que para serem limpos da poeira e da fuligem, exigem a interrupção da
produção.
Para Alves, a
mudança do pagamento por produção para um salário fixo depende de um longo
processo de discussão e reflexão da situação. Enquanto o fim do pagamento
associado à produção representa saúde, envelhecimento digno e mais vida, muitos
trabalhadores o entendem como redução dos ganhos. No entanto, cortadores mais
velhos, que já não têm o mesmo vigor dos mais jovens, e mulheres, que têm outra
jornada de trabalho em casa, aceitam ganhar um salário fixo mesmo que seja
inferior ao que ganhariam por produção.
Segundo a
Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de São Paulo, os valores
da tonelada de cana cortada variam entre R$ 3,80 e R$ 4. E o piso salarial
mensal, regional, varia entre R$ 775 e R$ 840 para uma jornada semanal de
segunda a sexta-feira, das 7h às 16h20. “Para se sustentar e à sua família, o
cortador de cana deveria ter um piso correspondente a pelo menos três salários
mínimos (R$ 2.034)”, disse Roberto dos Santos, secretário geral da
Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Estado de São Paulo (Fetaesp). De
acordo com o dirigente, não há no momento nenhuma opção que permita ao
trabalhador ganhar o suficiente. “É claro que seria mais vantajoso um piso
salarial superior ao que se ganha por produção, mas essa forma de pagamento
ainda é a que permite ganho maior e por isso os trabalhadores sempre se
manifestam favoráveis a esse sistema.”
Os patrões propõem
a mecanização do corte da cana, que elimina o problema, mas também acaba com os
empregos. Estima-se que só em São Paulo sejam 200 mil os que perderão o
trabalho. Por isso, Alves defende políticas de curto prazo, elaboradas pelo
conjunto da sociedade, para a qualificação desses trabalhadores que ocuparão
parte dos empregos na agricultura mecanizada. Só que não haverá vagas para
todos: uma colheitadeira faz o serviço de 80 trabalhadores. Ele estimam ainda
que, com a mecanização, 20% da terra hoje tomada pela cana em São Paulo não
poderá mais ser usada com essa finalidade. “Uma alternativa é que os
municípios, que têm o direito constitucional de decidir o que fazer com suas
terras, decidam com seus moradores se vão destiná-las à produção de alimentos
ou recompor florestas nativas, que permitem a recomposição de mananciais”,
disse. “Outra é a reforma agrária, política pública mais barata, capaz de
proporcionar trabalho e renda para esses trabalhadores da cana.”