quarta-feira, 30 de outubro de 2013

SALÁRIO VINCULADO AO VOLUME DE CANA CORTADA ELEVA EXPLORAÇÃO DO CORTADOR



Entre as safras de 2003/04 e 2007/2008, vinte e um cortadores de cana morreram em decorrência de excesso de trabalho nos canaviais paulistas.
Cristina Portella

Lisboa – A utilização do salário por produção pelas usinas de açúcar e álcool tem permitido às empresas do setor aumentar a produtividade sem aumentar a remuneração dos trabalhadores. Desta forma, aumentam a taxa de mais valia extraída na produção, ao mesmo tempo que provocam o aumento de acidentes de trabalho e de mortes entre o cortadores de cana. Segundo o Serviço Pastoral dos Migrantes, entre as safras de 2003/04 e 2007/2008, vinte e um cortadores de cana morreram em decorrência de excesso de trabalho nos canaviais paulistas.
Estas são algumas das conclusões de um dos trabalhos mais interessantes apresentados ao II Congresso Karl Marx, da autoria da doutoranda em Sociologia pela Unicamp Juliana Biondi Guanais. A sua pesquisa de campo foi feita, durante dois anos, de 2008 a 2010, no interior de São Paulo, junto à Usina Açucareira Ester S. A. e seus cortadores de cana.
“Quando trabalham por produção não são raros os casos de cortadores de cana que acabam se exigindo a ponto de desmaiar durante a jornada de trabalho”, contou Juliana. O aumento de casos de mortes e de acidentes de trabalho envolvendo cortadores de cana, especialmente a partir do ano 2000, teria feito com que o Ministério Público do Trabalho passasse a fiscalizar de forma mais rigorosa as usinas para verificar se as mesmas estavam cumprindo os momentos previstos de pausas.

Salário por produção

A partir dos anos 90, houve uma reestruturação produtiva no setor sucroalcooleiro no Brasil com o objetivo de aumentar a produtividade e reduzir custos de produção. Um dos meios privilegiados para atingir esse objetivo foi a adoção de uma forma de remuneração que estimulasse os trabalhadores a cortar quantidades cada vez maiores de cana, ou seja, o salário por produção. Já utilizado por muitas usinas, esse tipo de pagamento generalizou-se e tornou-se predominante no setor. 
“O pagamento por produção”, explica Juliana, “é uma forma específica de remuneração que está presente não só no mundo rural como também no urbano, e tem ampla base legal.” “De acordo com sua lógica”, continua, “a remuneração de um trabalhador é equivalente à quantidade de mercadorias produzida pelo mesmo. Isto é, o salário a ser recebido não terá como base as horas por ele trabalhadas, mas sim a quantidade de mercadorias que serão produzidas no decorrer de sua jornada de trabalho.” No caso  dos cortadores de cana, o ganho por produção significa que “quanto mais se corta, mais se ganha”.

As consequências

Mas é verdade que “quanto mais se corta, mais se ganha”? Juliana comprovou que isso só se dá na aparência, porque, na verdade, quanto mais cana o trabalhador cortar mais o salário, a saúde e a qualidade de vida do trabalhador vai baixar, enquanto a jornada de trabalho vai aumentar.
Em primeiro lugar, como o salário é proporcional à sua produção, o trabalhador tende a trabalhar mais e com mais intensidade para poder ganhar um salário melhor. Desta forma, prescinde muitas vezes dos momentos de descanso legal, do horário de almoço, trabalhando muito mais do que seria razoável para a manutenção da sua saúde. 
O mais cruel disso tudo é que quanto mais baixo é o valor do trabalho mais empenho o trabalhador terá de ter para conseguir uma remuneração mais adequada. Como já analisara Marx, o baixo preço do trabalho incentiva o prolongamento do tempo de trabalho. Sendo assim, os baixos salários são, do ponto de vista das empresas, um elemento essencial para o aumento da produtividade. 
Além disso, o cortador de cana perde o controle sobre o que produz. “No caso específico dos cortadores de cana, não são eles próprios que calculam a quantidade de cana que cortaram num dia de trabalho, já que tal cálculo será feito por um funcionário da usina”, explicou Juliana. 
A ilusão de que, com o trabalho a peça, é o trabalhador que controla o quanto produz é desmentida exatamente aí. Mas enquanto os trabalhadores perdem o controle do seu próprio trabalho, as usinas, pelo contrário, adquirem a noção exata da produtividade e da intensidade de trabalho cada um de seus empregados.

A média

Mas há outras táticas utilizadas pelas empresas para aumentar a produtividade e o controle da produção. Chama-se média e significa a imposição de uma produtividade diária mínima que, caso não seja atingida, poderá acarretar a demissão do cortador de cana. “É importante dizer que, com o  passar dos anos, a média teve um aumento considerável”, assegurou Juliana. Segundo as pesquisas feitas, a média de 5 a 8 toneladas dias obtida em 1980 passou, em 2004, para 12 a 15 toneladas. 
Juliana referiu ainda que esse aumento da quantidade de cana cortada não se deu em consequência de avanços técnicos introduzidos no setor, mas sim em função de um dispêndio cada vez maior de energia por parte dos cortadores de cana. Baseando-se mais uma vez em Marx, a socióloga conclui que o salário por produção “ao mesmo tempo em que incentiva a intensificação do trabalho e a extensão da jornada de trabalho, funciona também como um engenhoso método de interiorização da disciplina e do autocontrole do trabalhador”.
Uma disciplina que não é colocada à disposição da organização dos trabalhadores, pelo contrário. O fato de o salário depender da produtividade de cada um reforça as diferenças individuais entre eles e tem como consequência o estabelecimento da competição entre os próprios assalariados rurais.

A atualidade das contribuições de Marx para a economia política são ressaltadas por Juliana em seu trabalho. “Da mesma forma que os trabalhadores estudados pelo autor alemão no século XIX, os cortadores de cana brasileiros também recebem de acordo com sua produtividade individual e acabam arcando com quase todas as consequências apontadas pelo autor há mais de um século.”

sábado, 19 de outubro de 2013

SOLTO NO MUNDO – LÔ BORGES

A poesia brinca com a possibilidade de viver sem as amarras que nos prendem no cotidiano. Sem elas a realização dos sonhos seria uma realidade. Mas para isso muita mobilização social é necessária! 
(de Centro de Memória Sindical).



Solto No Mundo
(Lô Borges/1996)
 
Solto no mundo, solto no espaço
Nada me prende, eu posso ir
Sentado na cama, pensando na vida
Eu busco o tesouro de ser feliz
Se pinta uma idéia, eu vou
Se pinta preguiça, eu tô
Eu busco o tesouro de ser feliz
Você ama quando quer
Brilha a estrela bem
Quando o canto é só prazer
Vida nova

Nem tudo tá certo, irmão
Nem tudo, errado
Eu busco o tesouro de ser feliz
Pra ver se eu consigo ir
E ver que é preciso crer
Pra ver se faz sol ou se vai chover
Eu busco o tesouro, irmão
Eu busco o mais simples
Pra ver se acontece a decisão
Tudo pode acontecer
Brilha a estrela bem
Quando o canto é só prazer
Vida nova.

sábado, 12 de outubro de 2013

EM NOME DO “PROGRESSO”, RURALISTAS OBRIGAM AO “RETROCESSO” EM DIREITOS HUMANOS



O Estado Brasileiro terá que escolher entre a dignidade e a propriedade.
Em um país onde o principal setor de trabalho escravo é a pecuária, em diálogo com A Rel, Frei Xavier Plassat, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), revela os motivos pelos quais a bancada ruralista é contra a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 438/2001, que prevê o confisco de terras de escravagistas. Afirma que a bancada ruralista em sua política desenvolvimentista caminha não para a abolição do trabalho escravo, mas sim para a abolição do conceito de trabalho escravo.

Quando foi feita a primeira denúncia de trabalho escravo no Brasil?
A primeira denúncia foi feita em 1971, em Mato Grosso, por Dom Pedro Casaldáliga, onde trabalhadores estavam tentando fugir de situações de verdadeiro cativeiro, sendo tratados pior do que animal.
De 70 a 95, período de 25 anos, os vários casos de trabalho escravo se concentraram na região da Amazônia brasileira, principalmente no Maranhão, Pará e Mato Grosso, sendo levantados e denunciados pela CPT, mas enfrentando o negacionismo por parte das autoridades do país.
Em 1997, a CPT construiu uma campanha nacional de combate ao trabalho escravo e através de pressões em organismos internacionais, entre eles a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a ONU, dobrou o governo brasileiro que, em 2005, se viu obrigado a admitir a realidade da existência da “escravidão contemporânea”.

E o que seria a “escravidão contemporânea”?
A escravidão contemporânea não se apresenta mais nas formas exatas da escravidão colonial, sendo difícil ver um trabalhador acorrentado para trabalhar. O que há são trabalhadores explorados de uma forma tão exagerada que deixam de ser considerados pessoas. Esse é o elemento essencial do debate.
A questão da dignidade, que não está tão distante da questão da liberdade. Uma pessoa, a quem você nega as condições mínimas de dignidade, não tem nenhuma liberdade.
Claro que tem a demanda e a oferta. Existem trabalhadores em situação de tamanha vulnerabilidade, com uma falta tão grande de alternativas de subsistência, que estão dispostos a aceitar qualquer oportunidade de trabalho por ser, para eles, melhor do que nada.
Por isso, estamos cobrando do Estado uma atitude mais ativa na prevenção da vulnerabilidade, na integração dos trabalhadores resgatados para não retornarem ao que faziam. Atualmente, um trabalhador resgatado é devolvido para a mesma situação que o levou a uma migração forçada, para buscar um serviço qualquer e se sujeitar a qualquer condição. Se não se cuida desse aspecto, não se corta o círculo vicioso do trabalho escravo.

Qual é o principal setor de trabalho escravo?
O principal setor de trabalho escravo é a pecuária. O segundo é a cana de açúcar. De 2003 a 2012 foram libertadas no Brasil 40.280 pessoas. Na pecuária foram 11.400 pessoas, 28%. Na cana, 10.600 pessoas, 26%. Em outras lavouras, como o café, o algodão e a soja, 7.150 pessoas, 18%.
E em quarto lugar o carvão, 3.148 pessoas, 8%.
Além de sabermos que resgatamos mais de 40 mil pessoas desde 2003, uma média de 4 mil pessoas por ano, ainda não sabemos se isso representa 30%, 40% ou quanto do total de trabalhadores ainda hoje em situação de trabalho escravo.
A geografia do trabalho escravo hoje é muito mais complexa, existindo em todos os estados brasileiros, por exemplo, em São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Em São Paulo temos o trabalho escravo nas oficinas de confecção, que explora mão de obra boliviana e peruana. No Mato Grosso do Sul encontramos nos canaviais milhares de indígenas que foram resgatados.

E o Estado brasileiro também se aproveita dessas condições de escravidão?
Para responder à sua pergunta, podemos mencionar o trabalho escravo encontrado nas grandes obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), obras de construção civil, que teoricamente são de responsabilidade do Estado. Claro que é uma agravante, quando nessas obras encontramos trabalho escravo. É sabido que em grandes empreendimentos financiados pelo Banco do Brasil, pelo BNDES e pela Caixa Econômica Federal, é encontrado trabalho escravo. E aí se verificam as contradições da máquina pública.

E o que o senhor poderia nos dizer em termos de avanços no combate?
Hoje, por exemplo, há o Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM), uma força tarefa especial de combate ao trabalho escravo. E a Lista Suja do Trabalho Escravo, criada para tornar público o nome daqueles que se aproveitam dessa prática e assim cortar o seu acesso aos mercados e aos financiamentos, uma vez que as empresas se comprometem a cortar qualquer negócio com fornecedores que estiverem envolvidos com trabalho escravo.

Em relação às convenções internacionais, como se define o trabalho escravo contemporâneo?
Uma das convenções que definem o trabalho escravo é a da OIT, sendo a principal delas a Convenção 29 (1930), colocando o acento especialmente sobre a característica de coerção à liberdade do trabalhador, em seu impedimento de ir e vir. Isso levou vários magistrados a negarem a qualificação de trabalho escravo quando as situações não apresentassem uma clara coerção à liberdade. 
Em dezembro de 2003, o Brasil aprovou uma lei muito avançada e reformou o artigo 149 do Código Penal Brasileiro, onde o trabalho escravo é definido como uma situação na qual não somente a liberdade do sujeito precisa ser negada, mas também a sua dignidade.
Isso se faz através da distinção de quatro situações que levam a qualificar a escravidão contemporânea, que são: 1) a submissão ao trabalho forçado, uso da coerção contra a pessoa, restringindo a sua liberdade de ir e vir; 2) a submissão a jornadas de trabalho exaustivas, de natureza física ou mental, que por extensão ou intensidade, causam esgotamento das capacidades da pessoa; 3) a sujeição a condições degradantes, onde o trabalhador seja tratado como coisa e não como pessoa, 4) a restrição da locomoção do trabalhador em razão de uma dívida contraída com o empregador, na qual o trabalhador é recrutado mediante bonitas promessas, recebendo adiantamentos, e quando chega ao local de trabalho, descobre que tudo que lhe foi adiantado e tudo o que ele vai precisar ainda para se alimentar, se alojar, e suas ferramentas de trabalho, vai lhe ser descontado como dívida, ficando preso por conta dessa dívida.

Para ser considerado trabalho escravo moderno precisam se dar essas quatro características?
Não. Cumprindo apenas uma já é o bastante para ser considerado trabalho escravo. A redação do artigo 149 do Código Penal é clara a esse respeito.

E qual a relevância da PEC do Trabalho Escravo, a PEC 438/2001?
Sua relevância está em prever que uma propriedade, onde for flagrada prática do trabalho escravo, possa ser expropriada, confiscada. Não é desapropriação, com indenização, mas sim expropriação, sem indenização. A propriedade será confiscada para ser atribuída ao domínio público e servir para a reforma agrária.
Só que a bancada ruralista, por não querer que as terras sejam expropriadas, encontrou um jeito de aprovar a PEC, mas alterando a definição do conceito de trabalho escravo. E retiraram da definição todos os elementos que não fossem a repetição da Convenção 29 de 1930 da OIT, na qual a submissão ao trabalho forçado é a única definição do trabalho escravo. Daí o retrocesso.

Das quatro definições, só uma passaria a definir trabalho escravo?
Exatamente. É por isso que o Projeto de Lei de autoria do deputado Moreira Mendes (PSD/RO) é um retrocesso, pois só entenderá como trabalho escravo quando a pessoa estiver sob ameaça, coerção, presa. Todos os outros elementos que dizem respeito a condições degradantes, a jornadas exaustivas, e que na realidade contemporânea são de fato a pior e a principal forma de escravização, não serão considerados.

E como o governo se posiciona?
A bancada parlamentar do governo não tem o combate ao trabalho escravo como uma prioridade. E como sabemos, o peso do agronegócio no Brasil tem crescido fortemente, por representar uma parte muito importante do superávit comercial do Brasil.
O Estado também não soube se posicionar com relação ao Código Florestal. Não soube impor uma linha mínima de preservação do meio ambiente e tolerou que fosse incluída na nova lei do código florestal uma forma de legitimar os crimes anteriores de quem tinha violado a lei como se fosse tudo perdoado, gerando também um retrocesso.

E o embate simbólico é esse?
Claro. Porque ninguém vai dizer que a propriedade é mais importante que a dignidade. Ainda mais agora que a relatora da ONU, Guinara Shahinian, deu apoio à PEC 438/2001, do Trabalho escravo prevendo o Confisco da Terra, dizendo ser uma jurisdição avançada do combate à escravidão contemporânea. Os deputados se sentiram um pouco acuados, e não podiam dizer francamente que são contra o confisco da terra onde se pratica o trabalho escravo, ninguém vai confessar isso public amente.
E, finalmente, há uma conexão entre o código florestal, a demarcação de terras indígenas e o trabalho escravo, uma conexão altamente reveladora da cobrança do agronegócio ao Estado.

Os ruralistas não querem entraves à liberdade de empreender um “progresso”, e para isso geram “retrocesso” em direitos humanos. E hoje o Estado tem que escolher entre a dignidade e a propriedade.

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

WALMART É CONDENADO A PAGAR R$ 22,3 MILHÕES POR DANOS A FUNCIONÁRIOS


Publicado por Carlos Corrêa

A rede de supermercados Walmart foi condenada pela Justiça do Trabalho a pagar indenizações que totalizam R$ 22,3 milhões por danos morais e patrimoniais por condições impostas a funcionários do Distrito Federal, do Paraná, do Rio Grande do Sul e de São Paulo.
A decisão é da segunda turma do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª região, em processo motivado por ação do Ministério Público do Trabalho do Distrito Federal. Em primeira instância, a juíza Debora Heringer Megiorin, da 1ª Vara do Trabalho de Brasília, julgou improcedentes os pedidos do Ministério Público.
De acordo com informações do processo, funcionários eram obrigados, por exemplo, a usar gritos de guerra, cantar hinos motivacionais e dançar em inícios de reunião e de jornada de trabalho (algumas testemunhas usam o termo "rebolado" nos depoimentos). De acordo com as testemunhas, os profissionais que não cantassem a música ou dançassem passavam por constrangimento.
O relator do caso no TRT, desembargador Mário Fernandes Caron, diz que, os depoimentos indicam que "os empregados são compelidos a participar do hino motivacional", o que é uma irregularidade.
Os autores do processo também acusam a rede varejista de ter de continuar trabalhando após bater o ponto e limitações de sair do local de trabalho para ir ao banheiro e beber água.
A sentença também determina que a companhia "não permita a prática de assédio moral e atos discriminatórios em suas dependências".
De acordo com a sentenção, o valor da indenização por dano moral coletivo (R$ 11,15 milhões) deve ser revertido a um fundo específico, a critério do Ministério Público do Trabalho. A quantia pelo dano patrimonial difuso, de mesmo valor, deve ser revertido ao Fundo de Amparo ao Trabalhador.
Em nota, o Walmart Brasil diz que vai recorrer da decisão. E que os procedimentos adotados em suas unidades "ocorrem em total respeito aos seus empregados e à legislação vigente".


quarta-feira, 2 de outubro de 2013

TERCEIRIZAÇÃO, FORMA E CONTEÚDO NEOLIBERAL



Artigo de João Felício e Maria das Graças Costa denuncia campanha midiática-empresarial para mascarar a precarização

Jornada mais extensa, salário 27% inferior, rotatividade mais de duas vezes superior, permanência de 2,6 anos a menos no emprego, com serviços precários responsáveis por 80% dos acidentes registrados. Apesar dos belos e variados disfarces utilizados pela campanha midiática-empresarial para mascarar a precarização decorrente da terceirização, esta é sua verdadeira face, aponta estudo do Dieese sobre a situação brasileira.
Com forma e conteúdo neoliberal, a terceirização é um fenômeno recente na América Latina, reflexo do modelo desnacionalizante e desindustrializante provocado pela política de desmonte do Estado iniciado nos anos 90, que traz no seu bojo a desestruturação das relações de trabalho como forma de maximização dos lucros das empresas.
Assim, se no Brasil em 1989 os assalariados representavam 64% da População Economicamente Ativa (PEA), com o avanço da “desestruturação do mercado de trabalho”, esse percentual em 1995 já havia sido reduzido a 58,2%. Capitaneado pela lógica submissa às transnacionais, o fenômeno se disseminou com ainda mais perversidade pelas economias mais débeis do nosso Continente.
A pesquisadora Josiane Falvo, da Unicamp, aponta que num cenário de baixo dinamismo, a terceirização foi o mecanismo de precarização do mercado de trabalho que mais avançou na América Latina, “provocando uma ruptura no binômio empregado-empregador, devido à presença de um intermediário”. 
Além de uma resposta econômica à necessidade do capital, a terceirização também deu – e dá - sua contribuição política e ideológica às empresas e governos reacionários, pois enfraquece a ação sindical que serve como obstáculo aos seus desmandos. Fragilizadas pela perda de base, as entidades se veem em condições inferiorizadas para defender contratos de trabalho que são conquistas da classe trabalhadora ao longo de décadas. Nesta toada, direitos arrancados com greves, mobilizações e marchas, que custaram sangue, suor e cadeia como férias, repouso semanal remunerado e 13º salário, entre tantos avanços inscritos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), viram alvo dos apóstolos do retrocesso.
É o que vemos quando setores neoliberais tentam a todo custo fazer com que o Congresso Nacional aprove o Projeto de Lei 4330. Em defesa deste PL escravocrata, utilizam-se da falácia de que a disseminação da terceirização redundaria em melhorias para o próprio trabalhador, que seria beneficiado pela “redução dos custos” e pelo “aumento da competitividade”. A mesma cantilena utilizada pela direita para se opor à política de valorização do salário mínimo, conquistada pela CUT e as demais centrais sindicais nas históricas marchas a Brasília.
Ao contrário do que apregoam os neoliberais, o caminho do desenvolvimento sustentável e inclusivo não será trilhado com a asfixia do mercado interno, com o arrocho de salários e a supressão de direitos. Este seria um atalho para o caos, como bem descreve Alvaro Orsatti em seu estudo “Ação Sindical ante à terceirização na América Latina e no Caribe”, onde aborda, entre outras questões, os inumeráveis abusos capitaneados pelas multinacionais em nosso Continente.
Por algo há de ser que foi no Chile do general Augusto Pinochet onde a precarização avançou mais cedo, com a “reforma laboral” de 1979 eliminando as restrições para contratistas e intermediários, o que permitiu o uso e abuso indiscriminado da terceirização. Conforme dados apresentados pela Redlat de 2008, 41% das empresas no Chile subcontrata, a maior parte na atividade principal (33%), fundamentalmente nas empresas grandes e médias (60 e 70%). No estratégico setor mineral, tomado pelas multinacionais, as vagas ocupadas pelos terceirizados eram o dobro das dos trabalhadores com plenos direitos.
No Peru, as mineradoras multinacionais foram além, com os terceirizados alcançando entre 70 a 80% das vagas em relação aos trabalhadores diretos, tendo a suíça Glencore, a canadense Barrick Gold, a britânica/australiana BHP Biliton e a chinesa Shougang entre as principais beneficiadas pelo descalabro.
No México, categorias como a dos bancários foram varridas do mapa pelos grandes grupos estrangeiros como o estadunidense City Group e os espanhóis Santander e BBVA, que chegou ao ponto de ter 99% de suas atividades terceirizadas. Na maioria dos bancos que atuam naquele país, somente os altos executivos são bancários.
As condições de saúde e segurança nas terceirizadas também é algo que beira o descalabro, tornando essas empresas sinônimo de perigo e morte. Não é à toa que a Colômbia recorda o 28 de julho como o Dia Regional contra a Terceirização Laboral. Nesta data, em 1983, perderam a vida 200 trabalhadores terceirizados contratados para construir o túnel de acesso da represa de El Guavio. Seus alertas sobre as falhas geológicas na área ecoaram na lógica do lucro fácil.
Felizmente, há exemplos que se opõem a tal lógica e que merecem ser lembrados, como o Equador e a Venezuela.
No Equador, o mandato Constituinte de junho de 2008 determina que as atividades complementares que podem ser contratadas são as alheias aos trabalhos próprios ou habituais do processo produtivo como vigilância e segurança, alimentação e limpeza. Os serviços técnicos especializados que podem ser contratados são também os alheios às atividades próprias da empresa usuária como contabilidade, publicidade, consultoria, auditoria, jurídicos e de sistemas, que devem ser prestados por pessoas físicas ou jurídicas em suas instalações e com seu próprio pessoal, que devem contar com adequada infraestrutura física e estrutura organizacional, administrativa e financeira.
E o mesmo avanço é visto na Venezuela, onde a recente Lei Orgânica dos Trabalho e dos Trabalhadores e Trabalhadoras elimina e proíbe a terceirização, identificada como simulação ou fraude cometida pelas empresas com o único propósito de desvirtuar, desconhecer ou obstaculizar a aplicação da legislação laboral. Além da proibição da terceirização e da precarização das relações de trabalho, a Venezuela aprovou a ampliação de direitos como as licenças maternidade e paternidade, e a redução da jornada para 40 horas sem diminuição de salário. Com tais medidas, a Federação dos Trabalhadores do Petróleo, Gás, Similares e Derivados da Venezuela (FUTPV) passou de 40 mil para 103 mil filiados, projetando-se que chegue a 140 mil.
No caminho inverso, após a quebra do monopólio estatal do petróleo no Brasil, de 1999 a 2001 a Petrobrás demitiu quase 20 mil empregados efetivos (um corte de cerca de 40% dos trabalhadores), o que trouxe o aumento da terceirização. Atualmente a Petrobrás conta com cerca de 80 mil trabalhadores próprios e 360 mil terceirizados. O grave problema de saúde e segurança recai sobre os últimos, que concentram 80% dos acidentes com vítimas fatais.
Para combater esta dura e complexa realidade, herdada da submissão ao receituário do capital, precisamos aprofundar a unidade e a organização dos movimentos sindical e social, potencializando mobilizações que coloquem o mundo do trabalho no centro da nossa ação política.
Vivemos um período de radicalização da luta de classes, em que a soberania dos nossos países e povos deve ser traduzida e reafirmada em medidas que democratizem as relações de trabalho, valorizem o trabalhador e redistribuam renda. Diante da batalha pelo desenvolvimento nacional e da importância que o Brasil tem no contexto internacional, barrar o degradante PL 4330 é uma questão primordial. Para seguirmos em frente. E de cabeça erguida.


João Antonio Felício é secretário de Relações Internacionais da CUT Nacional e Maria das Graças Costa é secretária de Relações do Trabalho da CUT Nacional.