A criação de bovinos é a atividade econômica com mais
inclusões na atualização feita nesta sexta-feira, 28, da chamada “lista suja”,
a relação de empregadores flagrados explorando escravos, mantida pelo Ministério do Trabalho e
Emprego (MTE) e pela Secretaria Especial de Direitos Humanos. Dos 56
nomes incluídos no cadastro, a pecuária bovina soma um total de 20 novas
entradas. Em outras palavras, 35,7%, mais de um terço dos incluídos, são
pecuaristas. A maioria, como é possível conferir no mapa abaixo,
desenvolve atividades em áreas de desmatamento na Amazônia.
A reportagem é de Anali Dupré, Daniel Santini, Guilherme Zocchio e Stefano Wrobleski e
publicada por Repórter
Brasil, 01-01-2013.
A constatação reforça a relação entre exploração de
escravos e desmatamento. A expansão da pecuária em áreas de floresta amazônica
é uma tendência. Em outubro, relatório apresentado pela Comissão Pastoral da Terra sobre
as libertações feitas até então já apontava a ligação entre a abertura e
manutenção de pastos em áreas isoladas e a exploração de pessoas.
São casos como o de Marcos
Nogueira Dias, reincidente na redução de pessoas à condição de
escravos. Conhecido como Marcão
do Boi, o fazendeiro foi incluído na relação na primeira vez em
2005, quando o grupo móvel, sob coordenação do auditor fiscal Paulo César,
libertou 43 trabalhadores da fazenda São Marcos, em Abel Figueiredo (PA).
Agora, nesta segunda vez, a inclusão é resultado de flagrante de 2008 em que 11
pessoas foram libertadas na Fazenda
Pau Terra, localizada em Rondon do Pará (PA). A propriedade
acabou ocupada em 2009 por agricultores sem-terra daFederação dos Trabalhadores da
Agricultura Familiar no Estado do Pará (FETRAF), organização
ligada à CUT. O grupo defendia que a área fosse desapropriada para
reforma agrária. Na ocasião, o sem-terra Saturnino Pereira da Silvafoi
assassinado, crime pelo qual o fazendeiro e seu filho, José Dias Costa Neto,
o Zezinho, foram
apontados como mandantes pela Polícia Civil do Pará, segundo informações
publicadas pelo jornal O Liberal na época. Eles responderam em liberdade
pelas acusações, após um salvo habeas corpus pela Justiça.
Dono do Gilrassic Park na “lista suja”
Entre os incluídos na “lista suja” está o pecuarista
maranhense Francisco
Gil Alencar, que mantinha ao lado de sua fazenda um pequeno
zoológico chamado “Gilrassic
Park”, com 900 animais de pelo menos 100 espécies diferentes e
raras. De acordo com o MTE, ele mantinha 12 pessoas trabalhando em
condições degradantes, preparando a pastagem dos bois. Para o Ministério
Público do Trabalho (MPT), que também acompanhou a ocorrência, o contraste
entre o tratamento dado aos animais e aos empregados, incluindo a alimentação,
era tão grave que a Procuradoria Regional do Trabalho da 16ª região (PRT-16)
entrou com um Ação Civil Pública (ACP) postulando indenizações morais de R$3
milhões. Ainda em trâmite na Justiça, o processo teve uma liminar
concedida recentemente que pede o bloqueio de 14 bens do fazendeiro.
Outro reincidente é Adolfo Rodrigues Borges. Flagrado pela primeira
vez explorando 28 pessoas em abril de 2004, ele foi incluído na “lista suja”
durante a atualização do fim do segundo semestre de 2005. Em março de 2006,
conseguiu sair do cadastro por meio de uma liminar na Justiça. O grupo móvel de
fiscalização do MTE, porém, flagrou condições degradantes na mesma propriedade
de Adolfo Rodrigues,
a Fazenda Dom Bosco em Aragominas (TO), em fevereiro de 2009. O fazendeiro foi
incluído nesta atualização devido a esta fiscalização.
Tárcio Juliano de Souza e Selson Alves Neto também
são reincidentes. Eles haviam sido incluídos na lista em atualizações
anteriores e agora passam a ter dois registros no cadastro. Já Antônio Carlos Françolin,
que havia saído na atualização de julho deste ano “após ter cumprido dois anos
de permanência na relação”, volta em função da conclusão do processo
administrativo relativo a outro flagrante de escravidão – antes de serem
incluídos, todos os envolvidos têm chance de defesa e de apresentar recursos. A
reincidência tem sido tão constante que Alexandre Lyra, chefe da Divisão de Fiscalização
para Erradicação do Trabalho Escravo, defende mudanças nas regras do cadastro.
“O ideal seria que os reicidentes ficassem mais tempo na relação e sofressem
punições mais severas. Temos encontrado muitos casos como estes”, diz.
Também entra nesta atualização Coracy Machado Kern,
proprietária da Fazenda São Judas Tadeu, em São Félix do Xingu (PA), onde cinco
pessoas foram resgatadas da escravidão, e da Fazenda Vida Nova, em Ourilândia
de Norte (PA). Ela também é dono do Hotel
Natal Dunnas, estabelecimento turístico classificado com três
estrelas na Praia
de Ponta Negra, em Natal (RN), e, na época da libertação, tinha
aproximadamente sete mil cabeças de gado.
Carvão, desmatamento, cana e soja
Atividade econômica dos incluídos no cadastro
1. Pecuária bovina ……..20
2. Carvão vegetal ………..7
3. Silvicultura ……………..6
4. Extração vegetal ………4
5. Cana-de-açúcar ……….3
Soja ……………………..3
7. Construção civil ………..2
Erva-mate ………………2
Olaria …………………..2
Tomate …………………2
11.Apoio agricultura……….1
Cacau …………………..1
Café …………………….1
Hotelaria ……………….1
Milho ……………………1
Depois da pecuária, é a produção de carvão que puxa as inclusões da
lista. Na sequência, foram 7 inserções no carvão, 6 na silvicultura, 4 no
extrativismo vegetal com atividades ligadas ao desmatamento, 3 na cultura de
cana-de-açúcar e 3 na cultura de soja. No carvão, chama a atenção o número de
casos no centro-oeste e a gravidade das situações em que os trabalhadores foram
resgatados.
Em Gouvelândia (GO),
no caso que resultou na inclusão de Edilson
Lopes de Araújo e Renato Sergio de Moura Henrique, foram encontrados
adolescentes sendo explorados. Parte das vítimas resgatadas nasceu e
passou mais de 30 anos enfrentando um quadro de servidão por dívidas, condições
degradantes e outras precariedades em olarias. Geraldo Otaviano Mendes,
reincidente, também explorava trabalhadores com menos de 18 anos, em seus
fornos em Conceição
do Tocantins (TO). Em Itajá (GO), 19 trabalhadores foram
resgatados, muitos deles em condições absurdas, completamente cobertos de
fuligem, sem equipamentos de proteção.
Também em Goiás,
trabalhadores de lavouras de soja, café e milho dormiam com ratos e morcegos.
Alojamentos improvisados em condições degradantes, instalações sanitárias
precárias ou inexistentes, e, por vezes, a falta de acesso à água potável têm
sido comuns em fiscalizações do MTE nos últimos anos.
A falta de cuidado dos empregadores em relação à saúde
dos empregados também chama atenção. Não são poucos os casos recentes de
trabalhadores explorados sujeitos a situações de riscos. Na libertação que
resultou na inclusão de Antônio
Roberto Garretti, por exemplo, 5 pessoas, incluindo um
adolescente, estavam alojados em um galpão de armazenamento de agrotóxicos.
Fronteiras agrícolas
Divisão por estados dos incluídos nesta atualização
1. Goiás (GO) ………………13
Mato Grosso (MT) ……….8
3. Pará (PA) ………………….7
4. Amazonas (AM) ………….5
5. Paraná (PR) ………………4
Santa Catarina (SC) …….4
7. Rondônia (RO) …………..3
Tocantins (TO) …………..3
9. Maranhão (MA) …………..2
Piauí (PI) ………………….2
11.Acre (AC) ………………….1
Espírito Santo (ES) ………1
Minas Gerais (MG) ……….1
Mato Grosso do Sul (MS) .1
Rio de Janeiro (RJ) ………1
Os casos se espalham por todo o país, mas as regiões de expansão de fronteira
agrícola concentram violações de direitos humanos. Além do aumento do
número de inclusões no centro-oeste, capitaneado pelos 13 casos em Goiás e
pelos oito no Mato Grosso, também chamam a atenção os registros na região
norte. No Pará foram sete libertações e no Amazonas cinco. No mapa
das inclusões organizado pela Repórter Brasil é possível constatar onde estão
tais flagrantes, uma linha que, em muitos casos, é a mesma do assim chamado arco
de fogo do desmatamento. Trata-se da derrubada de florestas no norte do Mato
Grosso, na Amazônia, no Pará e em Rondônia que avança sobre a Floresta
Amazônica.
Uma linha que, como já indicado, tem a ver com o avanço
da pecuária extensiva, mas também com outras atividades. Há casos pontuais que
merecem atenção, como o da libertação no Amazonas, em 2011, de quatro
trabalhadores chineses da CIFEC
Compensados da Amazônia Ltda. Eles vieram ao Brasil com
promessas de bons salários, mas sofriam restrição de liberdade, acumulavam
dívidas com o empregador e estavam alojados em condições degradantes, conforme
denunciado na época em reportagem do jornal Folha de S. Paulo.
Por fim, assim como nas últimas atualizações, aconteceram
também inclusões relacionadas à exploração de trabalho escravo urbano. O caso
mais emblemático de violações de direitos humanos talvez seja o de Cleiva Alves da Silva,
proprietária da casa noturna Boate Star Nigh, onde 20 mulheres, que, segundo o
Ministério do Trabalho e Emprego, eram exploradas sexualmente, tinham que ficar
24 horas à disposição de clientes.
Junto de mais quatro empregados do local, elas eram
obrigadas a cumprir jornadas exaustivas, sistematicamente em condições
degradantes, o que configura trabalho escravo contemporâneo. Os salários eram
pagos com “fichas”, trocadas por cigarros, bebidas ou alimentos.