Por Marília
Scriboni
O Projeto de
Lei 7.202, de 2010, que prevê como acidente de trabalho o assédio moral, gerou
debates intensos na rede de discussão da Associação Luso-Brasileira de Juristas
do Trabalho (Jutra). Ao comentar reportagem publicada pela
revista Consultor Jurídico, a cubana Lydia Guevara Ramirez,
autora de um artigo sobre o assunto, mostrou como a Justiça espanhola tem se
manifestado. “Ao converter-se em um motivo que provoca faltas no trabalho,
danos à saúde do trabalhador e outras consequências lesivas à dignidade humana,
a jurisprudência estipulou que assédio moral é um acidente de trabalho”.
O artigo 115 da
Lei da Seguridade Social na Espanha define como acidente de trabalho qualquer
dano físico que o trabalhador sofre resultantes de trabalhos executados para os
outros, segundo autora do artigo Tratamiento Del acoso psicológico, el
estrés y el burnout como accidentes del trabajo. No Brasil, o Projeto
de Lei 7.202, de 2010 prevê a modificação da Lei 8.213, de 1991.
Autores da proposta, os deputados Ricardo Berzoini (PT-SP), Pepe Vargas
(PT-RS), Jô Moraes (PCdoB-MG), Paulo Pereira da Silva (PDT-SP) e Roberto
Santiago (PV-SP) querem introduzir na lei o assédio moral como acidente de
trabalho.
Em entrevista à
revista Consultor Jurídico, advogados viram com maus olhos a
proposta. O advogado Paulo Sérgio João, sócio do escritório
homônimo, por exemplo, disse acreditar que o projeto tenta dar conta de um
conceito extremamente difuso. "O assédio moral é uma ideia que a lei
dificilmente vai conseguir conceituar. Nesse sentido, a legislação vai ficar
devendo sempre", opinou.
“Não é que o
assédio moral seja um acidente de trabalho propriamente dito, mas pode ser a
causa de um acidente de trabalho e de uma enfermidade causado ao trabalhador.
Como consequência, deve existir um plano de saúde para a proteção do
trabalhador cuja saúde está prejudicada”, opina Lydia, que é membro da
Associação Latino-Americana de Advogados Laboralistas (Alal).
A cubana explica
que a intenção, ao equiparar o assédio moral ao acidente de trabalho, é tutelar
os direitos dos trabalhadores quanto à obrigação que o empregador tem de
proteger sua segurança e saúde no ambiente de trabalho.
Para a médica do
trabalho Margarida Barreto, o assédio moral, ao configurar como um
risco invisível, “gera doenças, viola direitos, causa danos e pode levar a
morte”. Dessa invisibilidade viria, explica, uma dificuldade de os
profissionais não levarem em conta os fatores de risco existentes no ambiente
laboral. Assim, ela garante que “o assédio deve ser compreendido no campo dos
riscos não visíveis”.
O desafio para
médicos do trabalho, psicólogos e advogados trabalhistas, conta a médica, está
em saber identificar e diferenciar os riscos visíveis dos riscos não visíveis.
“Qual a fronteira que os separa? Como pensar estratégias de combate? Como lidar
com o nível de tolerância para os riscos não visíveis. Ele existe?”, indaga.
De acordo com
Margarida, o assédio moral é mais bem compreendido quando são consideradas “as
novas formas de organizar a produção e sua relação com os aspectos do desenho e
gerenciamento do trabalho e os contextos social e organizacional que têm
potencial para causar dano físico ou psicológico”. Em 1984, a Organização
Internacional do Trabalho catalogou esses aspectos, batizando-os de “fatores
psicossociais”.
Luiz Salvador, presidente da Associação Brasileira dos Advogados
Trabalhistas (Abrat), relativiza a questão. Embora não descarte a possibilidade
de indenizar o dano advindo do assédio moral, ele diz que a prática é capaz de
provocar “adoecimento ocupacional que se comprovado através de exames,
apontando o CID [Código Internacional de Doenças] ocupacional,
pode gerar direito ao acidente do trabalho”.
A proteção ao
trabalhador quanto ao ambiente de trabalho pode acontecer de duas formas: uma
pela legislativa e outra pela previdenciária. Essa última é regulamentada pelo
artigo 1º da Lei 8.213. De acordo com o dispositivo, "a Previdência
Social, mediante contribuição, tem por fim assegurar aos seus beneficiários
meios indispensáveis de manutenção, por motivo de incapacidade, desemprego involuntário,
idade avançada, tempo de serviço, encargos familiares e prisão ou morte
daqueles de quem dependiam economicamente".
O advogado Luiz
Fernando Alouche, sócio do Almeida Advogados, acredita que a proposta de
equiparação é redundante. "A lei me causa temor, porque pode criar uma
bola de neve para os empresários e para a Previdência Social. Se efetivamente o
trabalhador desenvolveu a doença em decorrência do assédio, a Lei 8.213 já dá
conta do problema", conta.
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