sábado, 25 de maio de 2013

JUSTIÇA ACATA LIMINAR E CONSIDERA ILEGAL GREVE DOS SERVIDORES

Em decisão LIMINAR um juiz de Campinas, decretou a ilegalidade de uma greve. Não é piada: foi isso mesmo.
Rasga-se a Constituição Federal, Convenções Internacionais, enfim.

O juiz Wagner Roby Gidaro, da 2ª Vara da Fazenda Pública, acatou, na noite desta sexta-feira, 24 de maio de 2013, liminar da Prefeitura de Campinas e declarou a ilegalidade do movimento grevista dos servidores públicos municipais, cujo início estava anunciado para segunda-feira, 27 de maio. A informação consta do processo nº 4008658-40.2013.8.26.0114.
Gidaro especificou em sua decisão que o Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público de Campinas “se abstenha de qualquer conduta que impeça a entrada de pessoas (funcionários ou populares) no Paço Municipal e no Hospital Municipal Mário Gatti”.
Se a determinação legal não for cumprida, o sindicato será multado em R$ 20 mil para cada ato (realização de piquete), além de receber uma multa diária de R$ 10 mil por dia por instalação fechada. Se houver descumprimento, os membros da diretoria do sindicato serão também responsabilizados por crime de desobediência.


Processo: 4008658-40.2013.8.26.0114 - Classe: Cautelar Inominada -Distribuição: Livre - 24/05/2013 às 18:11 - 2ª Vara da Fazenda Pública - Foro de Campinas - Valor da ação: R$ 1.000,00 - Partes do Processo: Reqte: MUNICÍPIO DE CAMPINAS - Advogado: Edson Vilas Boas Orru - Reqdo: SINDICATO DOS TRABALHADORES DO SERVIÇO PÚBLICO MUNICIPAL DE CAMPINAS. 
Movimentações 
Data Movimento
24/05/2013 Mandado Urgente Expedido Mandado nº: 114.2013/024494-5 Situação: Aguardando Cumprimento em 24/05/2013 Local: Oficial de justiça - Vania Cristina Keiko Yamamoto
24/05/2013 Decisão Proferida MUNICIPALIDADE DE CAMPINAS e HOSPITAL MUNICIPAL DR MARIO GATTI propôs MEDIDA CAUTELAR em face do SINDICATO DOS TRABALHADORES NO SERVIÇO PÚBLICO DE CAMPINAS alegando, em síntese, que o requerido decretou greve geral na Prefeitura Municipal de Campinas antes do término das rodadas de negociação. Deixou de cumprir, outrossim, os requisitos da Lei Federal 7.783/89, como o prazo de comunicação à entidade patronal e a falta de publicação de editais. Com isso, hav erá prejuízo ao funcionamento dos órgãos públicos e do Hospital Municipal. É O RELATÓRIO. D E C I D O. O pedido é específico para declarar a ilegalidade da greve e impedir o bloqueio de vias públicas, repartições da Prefeitura e do Hospital Municipal Mario Gatti. Entretanto, não deve ser discutido nesse momento processual o direito de greve, as reivindicações salariais e condições de trabalho e não a participação dos funcionários. No afogadilho da propositura e sem o contraditório indevido qualquer adiantamento de posição a respeito do direito dos servidores. Entretanto, os fundamentos trazidos pela Municipalidade a respeito do procedimento efetuado pelo requerido são suficientes para verificar que o Sindicato não cumpriu rigorosamente com as determinações da Lei n.º 7.783/89, como bem observado pela Municipalidade. Ademais, indevido o procedimento de bloqueio de vias e da entrada de servidores, seja no Paço Municipal, seja no Hospital Municipal Mario Gatti, mormente pelos serviços essenciais que devem ser garantidos à população. Assim, estão presentes os requisitos legais para o deferimento da liminar para declarar a ilegalidade do movimento grevista e para determinar ao requerido SINDICATO DOS TRABALHADORES NO SERVIÇO PÚBLICO DE CAMPINAS que se abstenha de qualquer conduta que impeça a entrada de pessoas (funcionários ou populares) no Paço Municipal e no Hospital Municipal Mario Gatti. O sindicato sequer poderá impedir funcionários que não queiram aderir ao movimento, de adentrarem aos seus espaços de trabalho. Qualquer descumprimento das determinações desta decisão acarretará ao requerido a imposição de multa de R$20.000,00 para cada ato, bem como multa diária de R$10.000,00 por dia, por instalação fechada de forma obrigatória, sem prejuízo do crime de desobediência aos membros da diretoria. Intime-se o requerido. Tendo em vista o caráter satisfativo dessa medida, fica dispensada a pro positura de ação principal. Cite-se o requerido.
24/05/2013 Conclusos para Decisão 
24/05/2013 Distribuído Livremente (por Sorteio) (movimentação exclusiva do distribuidor) 


terça-feira, 21 de maio de 2013

MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO AJUÍZA NOVA AÇÃO CONTRA A EMPRESA ULTRAFÉRTIL


No início deste ano o Ministério Público do Trabalho (MPT) ajuizou a segunda ação de execução de Termo de Ajuste de Conduta (TAC) contra a empresa Ultrafértil, requerendo a intervenção do Poder Judiciário para que a empresa cesse com práticas antissindicais e pague multa de vinte mil reais por ter atuação que viola direitos e garantias sindicais. No fim de 2012 o MPT já havia juizado outra ação com o mesmo objetivo.
Nessa nova ação o MPT afirma que “restou evidente a finalidade de impossibilitar a participação de diretor/representante sindical na auditoria do SPIE (Sistema Próprio de Inspeção de Equipamentos), como representante da CIPA (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes), conduta discriminatória que, mais uma vez, agride de forma expressa o TAC firmado (…) ao exigir que o representante da CIPA não fosse diretor/representante sindical a empresa, de maneira clara e injustificadamente, discriminou os dirigentes sindicais diferenciando-os dos demais trabalhadores que estariam autorizados a constituir a CIPA.”
O TAC, assinado entre a empresa e o MPT em 2008, foi firmado após reclamação realizada no mesmo ano à Organização Internacional do Trabalho (OIT) pelo Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Petroquímicas do Estado do Paraná (Sindiquímica/PR), em parceria com a Terra de Direitos, denunciando a conjuntura de perseguição aos dirigentes e militantes sindicais. Contudo, mesmo após a denúncia internacional e ao TAC, a empresa seguiu com práticas antissindicais. Essa situação levou a nova reclamação internacional à OIT em agosto de 2012, e, agora, a duas ações judiciais para impor multas à empresa por praticas antissindicais.
Para Gerson Castellano, diretor do Sindiquímica, “a nova ação judicial fortalece a legitimidade da luta dos trabalhadores e ajuda a reequilibrar as forças entre a luta por direitos dos trabalhadores organizados e os interesses da empresa. A organização sindical é um direito humano e as práticas antissindicais não podem ser toleradas.”

Trabalho e direitos humanos

A responsabilização judicial da empresa Ultrafértil por práticas antissindicais é fruto de uma parceria entre o Sindiquímica e a Terra de Direitos. A aproximação entre as lutas sindicais e as lutas gerais por efetivação de direitos humanos pode contribuir para fortalecer ações e reflexões relacionadas com o atual modelo de desenvolvimento e a necessidade de garantir respeito integral aos direitos humanos.

quarta-feira, 8 de maio de 2013

GIGANTE DA AVICULTURA É PROCESSADA POR ESCRAVIZAR 29 TRABALHADORES


Mauricéa, uma das maiores empresas do setor no Nordeste, foi flagrada pela terceira vez. Empresa nega responsabilidade e diz que culpa é de parceiro

Por Stefano Wrobleski | Categoria(s): Notícias


O Ministério Público do Trabalho (MPT) entrou, na última terça-feira, 30, com uma ação civil pública contra a Mauricéa Alimentos por manter 29 pessoas em situação análoga à de escravo. Elas foram libertadas em 12 de abril e se encontravam em condições degradantes de trabalho, além de serem obrigadas a cumprir jornadas de mais de 14 horas por dia. Na ocasião, a diretora administrativa da empresa, Mércia Maria Moraes de Farias, foi presa, mas teve liberdade provisória concedida depois de pagar fiança. As vítimas trabalhavam com a apanha de frangos, que consiste em pegar as aves e colocá-las em caixas para transporte.

Em nota à imprensa, a Mauricéa afirmou que “repudia veementemente qualquer forma de trabalho que possa ser equiparado à condição análoga a escravo” e alegou que a fazenda é de “propriedade de um Integrado da Empresa, parceiro na criação de frangos, que também fornece aves para outros frigoríficos”. No entanto, segundo Maurício Brito, procurador do trabalho que acompanhou a operação, a granja está em nome de Marcondes Antonio de Tavares de Farias, sócio-proprietário da Mauricéa. Além disso, segundo ele, “a Mauricéa só vende alguns frangos pra outros frigoríficos”. O diretor comercial da Mauricéa, Marcondes Filho, não reconhece a responsabilidade pelas vítimas: “Qual é o objetivo de uma empresa que tem 2600 funcionários ter 29 em regime de trabalho escravo?”, indaga. Em seu site, a Mauricéa diz ser “a maior indústria de carne de frango da Região Nordeste”.

Caminhão da Mauricéa carregado de frangos para o abate (Fotos: MTE)

Antes de abrir a ação judicial, o MPT manteve diversas reuniões com a empresa para tentar a assinatura de um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) que garantisse o pagamento imediato das verbas rescisórias aos trabalhadores. A instituição alega que a avícola tem responsabilidade solidária por sua cadeia produtiva e que isso se agrava pelo relato dos trabalhadores de que recebiam ordens diretamente de funcionários da Mauricéa e não da Madonna, uma empresa terceirizada que contratou os empregados. Até a publicação desta matéria, os trabalhadores continuavam sem receber os valores referentes à rescisão de contratos e permaneciam na cidade sem qualquer assistência ou meio de subsistência.

A ação movida pelo MPT pede o pagamento imediato das rescisões contratuais, que, somadas, chegam a R$979 mil. Além disso, o MPT também pede o pagamento de R$1,9 milhões em indenização por danos morais individuais aos trabalhadores e outros R$15 milhões por danos morais coletivos, a serem revertidos ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Essa é a terceira vez que a empresa responde uma ação civil pública por trabalho escravo. Na última, em 2010, a Mauricéa assinou um acordo comprometendo-se a não repetir as práticas sob pena de multa.
Na esfera criminal, o procurador da república José Ricardo Teixeira Alves declarou que o Ministério Público Federal (MPF) deve processar os diretores da empresa por infração ao artigo 149 do Código Penal, que tipifica as situações em que ocorre trabalho escravo. As penas podem chegar a oito anos de reclusão, além de multa.
Pertences dos trabalhadores eram deixados no aviário, próximo a animais mortos e com alto risco de contaminação

O caso

Os trabalhadores foram contratados em abril de 2012 em Brasília pela “Prestadora de Serviços Madonna” com garantia de alojamento e alimentação por conta da empresa. No entanto, em dezembro do mesmo ano isso deixou de ser garantido pela terceirizada e, desde então, os empregados tiveram que alugar casas na cidade por conta própria e levar comida de casa. De acordo com relatos colhidos pelos auditores fiscais do trabalho, camas foram oferecidas aos trabalhadores, mas a empresa queria cobrar por elas. Nem todos tinham registro em carteira e os que tinham recebiam parte do pagamento por fora para uma jornada exaustiva de mais de 14 horas por dia.

Além disso, os funcionários eram obrigados a trabalhar mesmo sob chuva e com um equipamento de proteção individual (EPI) insuficiente. Eles também tinham que deixar a alimentação e seus uniformes no aviário, aumentando riscos de contaminação pela falta de condições de higiene. A equipe de auditores fiscais do trabalho também encontrou diversos trabalhadores com lesões na pele, que foram ocasionadas pelo contato impróprio com Primmax Sanquat, um produto químico usado para desinfetar o aviário, e que não teriam acontecido se eles tivessem acesso a equipamentos de proteção adequados.


sábado, 4 de maio de 2013

TRABALHADORES PRECISAM DE MAIS DIREITOS E DESEMPREGO DEVE SUBIR, DIZ SOCIÓLOGO




Na discussão sobre mudanças na CLT, "os trabalhadores precisam de mais direitos, não de menos".
A avaliação é do sociólogo Ruy Braga, 40. Para ele, o trabalho precário tem absorvido o impacto da forte desaceleração da economia no mercado de trabalho. Mas a manutenção da anemia do crescimento deve provocar desemprego no próximo ano.
Professor da USP, ele está lançando "A Política do Precariado", que trata do "proletariado precarizado", de sindicalismo, greves e história.
Nesta entrevista, ele afirma que, apesar da ascensão social de setores mais pobres, "o precariado está inquieto", mas ainda "não identificou alternativas à hegemonia lulista". Braga fala aqui das greves em hidrelétricas e obras do PAC, mudanças na CLT e migrações.
A entrevista é de Eleonora de Lucena e publicada no jornal Folha de S. Paulo, 05-01-2013.
Eis a entrevista.

Com o atual ritmo de crescimento da economia brasileira o Sr.. prevê mudança no mercado de trabalho? Aumento do desemprego e queda nos salários? 
É provável. Muitos se perguntam por que após uma forte desaceleração econômica no biênio as demissões ainda não começaram? Além das medidas do governo, como a desoneração da folha salarial em alguns setores, o mercado de trabalho brasileiro é muito flexível.
Apesar do assalariamento formal ter aumentado na última década, o emprego precário, isto é, as ocupações onde se encontram os trabalhadores marginalmente ligados à População Economicamente Ativa (PEA), ainda é muito numeroso, absorvendo o impacto da atual desaceleração sobre o emprego.
No entanto, se essa tendência persistir, muito provavelmente teremos demissões no próximo ano e a taxa de desemprego de 5,3% deve aumentar.

Como o Sr.. define o que chama de precariado hoje no Brasil? 
É o proletariado precarizado. Trata-se de trabalhadores que, pelo fato de não possuírem qualificações especiais, entram e saem muito rapidamente do mercado de trabalho.
Além disso, devemos acrescentar jovens trabalhadores à procura do primeiro emprego, indivíduos que estão na informalidade e desejam alcançar o emprego formal, além de trabalhadores subremunerados e inseridos em condições degradantes de trabalho. Uma população que cresceu muito desde a década de 1990.
Não nos esqueçamos que, mesmo com o recente avanço da formalização do emprego, as taxas de rotatividade, de flexibilização, de terceirização e o número de acidentes de trabalho no país subiram na última década. O "precariado" é formado pelo setor da classe trabalhadora pressionado pelo aumento da exploração econômica e pela ameaça da exclusão social.

O Sr.. avalia que a gestão Lula despolitizou os trabalhadores e amansou sindicatos. Por quê? Qual sua visão do movimento sindical no Brasil atualmente? 
Sim. Não há dúvida de que a gestão Lula fundiu o movimento sindical brasileiro com o aparelho de Estado. Além de garantir posições estratégicas nos fundos de pensão das empresas estatais, o governo preencheu milhares de cargos superiores de direção e assessoramento com sindicalistas.
Posições de grande prestígio em empresas estatais também foram ocupadas por líderes sindicais. E não nos esqueçamos que a reforma sindical de Lula oficializou as centrais brasileiras, aumentando o imposto sindical. Isso pacificou o sindicalismo.
Ocorre que as direções não são as bases, e o atual modelo de desenvolvimento, como disse, apoia-se em condições cada dia mais precárias de trabalho, promovendo muita inquietação entre os trabalhadores. Isso sem falar nos baixos salários e no crescente endividamento das famílias trabalhadoras.
Tudo somado, é possível perceber uma certa reorganização do movimento, com a criação de centrais sindicais antigovernistas, como a CSP-Conlutas, por exemplo.

Quais os efeitos da chamada ascensão social de camadas mais pobres nos últimos anos no movimento sindical? Emprego e entrada no mercado consumidor contribuíram para arrefecer o movimento sindical e reivindicativo? O precariado está satisfeito com o modelo de desenvolvimento e está quieto, votando no PT? 
É verdade que o número de greves nos anos 2000 refluiu para um nível historicamente baixo. No entanto, a partir de 2008, a atividade grevista voltou a subir, alcançando, em 2011, o mesmo patamar do final dos anos 1990. Se essa tendência vai se manter ou não é difícil dizer.
Eu apostaria que a atividade grevista deve aumentar, pois a relação do precariado com o atual modelo é ambígua. Por um lado, há uma certa satisfação com o consumo, em especial, de bens duráveis. No entanto os salários continuam baixos, as condições de trabalho muito duras e o endividamento segue aumentando.
Meu argumento é de que o precariado está inquieto, isto é, percebe que o atual modelo trouxe certo progresso, mas conclui que este progresso é transitório.
Até o momento, o precariado não identificou alternativas à hegemonia lulista. Mas está à procura. Veja o fenômeno Celso Russomanno, por exemplo.

Como explica os movimentos grevistas que ocorrem em hidrelétricas e obras do PAC? Qual sua avaliação das posições que sindicatos, empregadores e governos têm tomados nessas situações? 
Estes são movimentos motivados pelas condições de trabalho. Basta olharmos as demandas dos operários: adicional de periculosidade, direito de voltar para as regiões de origem a cada três meses, fim dos maus-tratos, melhoria de segurança, da estrutura sanitária e da alimentação nos alojamentos, etc.
Ao invés de representar os trabalhadores, o movimento sindical lulista optou por pacificar os canteiros. Caso contrário, como explicar o silêncio da CUT após a empreiteira Camargo Corrêa demitir no ano passado 4 mil trabalhadores em Jirau, poucas horas depois de um acordo ter sido celebrado entre a empresa e a Central?
É evidente que existem interesses comuns entre as empreiteiras e o movimento sindical. Quem são os principais investidores institucionais das obras do PAC? Os fundos de pensão controlados por sindicalistas governistas.

Essas mobilizações têm um significado maior e podem ser vistas como o prenúncio de uma insatisfação mais profunda entre trabalhadores? 
Sim. Desde 2008, a retomada da atividade grevista parece consistente e aponta para uma insatisfação mais profunda. Entre 2010 e 2011 houve um aumento de 24% no número de greves. Algumas delas, como a dos bancários e a dos correios, por exemplo, foram inusualmente longas. Qual o significado disso? Em minha opinião, os trabalhadores começaram a perceber que o atual modelo de desenvolvimento encontra sérias dificuldades para entregar aquilo que promete, isto é, progresso material.

Observando a história o Sr.. afirma que houve habilidade do precariado brasileiro em transitar muito rápido da aparente acomodação reivindicativa à mobilização por direitos sociais. O Sr.. vislumbra alguma mudança nesse sentido atualmente? 
Essa é a história da formação da classe operária fordista brasileira. Os trabalhadores migraram para as grandes cidades atraídos por qualificações industriais e direitos sociais. Encontraram condições de vida degradantes, mobilizando-se por seus direitos em diferentes ciclos grevistas. A aparente satisfação com o nacional-desenvolvimentismo foi sucedida pelos ciclos de 1953-1957 e de 1960-1964. A aparente satisfação com o "milagre econômico" foi sucedida pelo ciclo de 1978-1980.
A situação atual é diferente, pois aquela burocracia sindical oriunda desse último ciclo pilota o atual modelo de desenvolvimento. Se não é capaz de suprimir, isso tende a retardar o ritmo de mobilização.

O Sr.. faz um relato da história do movimento sindical e fala das condições despóticas nas fábricas brasileiras no século 20. O que mudou nas condições de trabalho? 
Muito pouco. Apesar da existência de leis que protegem os trabalhadores, o país tem um déficit crônico de fiscais do trabalho. Quando acontece, a fiscalização limita-se a firmar Termos de Ajustamento de Conduta trabalhista que são ignorados pelos empresários.
Além disso, não há cláusula contra a demissão imotivada. Ou seja, a rotatividade predomina, favorecendo a usura precoce do trabalhador. Se o trabalhador adoece, acidenta-se ou se sua produtividade cai, é demitido e um outro contratado. Assim, o número de acidentes de trabalho saltou de um patamar de 400 mil, no início da década passada, para quase 800 mil hoje em dia.
Isso aponta para a reprodução de condições despóticas de trabalho, ainda que em um contexto diferente, marcado pela feminização do trabalho e pelo deslocamento dos empregos para os serviços.

O Sr.. afirma que na empresa brasileira o trabalho se transformou no principal instrumento do ajuste anticíclico e anti-inflacionário da rentabilidade dos ativos. Por quê? Como poderia ser diferente? 
Sim. Com inovações em processos, produtos... O problema é que o fluxo de capital das empresas para os proprietários de ativos financeiros enfraquece os ganhos de produtividade. Assim, o trabalho transformou-se no principal instrumento de ajuste anticíclico.
Daí a busca por flexibilidade. Não é acidental que a economia brasileira não perceba ganhos reais de produtividade há mais de uma década. A financeirização das empresas contribuiu para degradar o trabalho e enfraquecer a inovação tecnológica.

O Sr.. afirma que as atuais condições de trabalho reforçam o individualismo, a competição entre trabalhadores, desmanchando as redes de solidariedade fordista e a militância sindical. Esse quadro está em mudança ou se aprofunda? O que representa para o sindicalismo? 
O colapso da solidariedade fordista é uma realidade mundial. Mesmo nos países da Europa ocidental onde o compromisso social-democrata chegou mais longe em termos de proteção trabalhista as atuais formas contratuais privilegiam a flexibilidade e a individualização.
A mercantilização do trabalho apoiada em sistemas de informação que controlam o desempenho individual do trabalhador avança rapidamente. No entanto, isto não é uma fatalidade. Trata-se de uma correlação de forças muito desfavorável para a classe trabalhadora desde os anos 1980. Reverter esse quadro é a principal tarefa de um sindicalismo que privilegie a ação direta balizada pelo internacionalismo proletário.
A crise europeia revelou o aparecimento de embriões desse "novo sindicalismo" na Grécia e na Espanha.

Na sua visão, a ascensão social de quadros do sindicalismo para a burocracia estatal provocou mudanças nas lutas sindicais. Esse quadro permanece? Qual o impacto do mensalão nesse ponto? Algo está em mudança? 
A transformação das camadas superiores do sindicalismo em gestores do capital financeiro e a fusão dos sindicatos com o aparelho de Estado praticamente sepultaram as chances do sindicalismo lulista voltar a defender os interesses da classe trabalhadora. Basta olharmos para a proposta do Acordo Coletivo Especial (ACE) apresentada recentemente pela burocracia sindical para chegarmos a essa conclusão.
Não me parece que o julgamento do Mensalão vá modificar isso. Apenas a revivificação das lutas sociais na base associada ao surgimento de novas lideranças poderá transformar esse quadro.

O Sr.. constata que a legislação trabalhista foi fruto de conquista. Como avalia a atual pressão empresarial para mudanças na CLT? Mudar a CLT seria um retrocesso do ponto de vista dos trabalhadores? 
É preciso mudar a CLT em vários pontos. Mas, não naqueles advogados por empresários e sindicalistas governistas. Para a esmagadora maioria dos trabalhadores que não está representada por sindicatos fortes, a predominância do negociado sobre o legislado significa perda de direitos.
Aqueles que clamam pela reforma da CLT pensam apenas em flexibilizar o trabalho. Na realidade, a força de trabalho brasileira é muito barata e nosso mercado de trabalho excessivamente flexível. É necessário reformar a CLT para garantir mais liberdade sindical e mais direitos aos trabalhadores.
Necessitamos de uma cláusula contra a demissão imotivada. Os trabalhadores precisam de mais direitos, não de menos.

Qual o impacto das migrações internas e dos imigrantes de outros países no mercado de trabalho e no movimento sindical? 
Historicamente, o movimento operário iniciou-se no final do século 19 com as imigrações italiana e espanhola. A crise da sociedade imperial e o advento da República oligárquica estimularam políticas imigratórias, revolucionando o mercado de trabalho.
Os trabalhadores imigrantes e seus descendentes tornaram-se protagonistas políticos na primeira metade do século 20. A Greve Geral de julho de 1917, de flagrante inspiração anarquista, foi a certidão de nascimento do movimento operário no país.
Por sua vez, ao longo da industrialização fordista das décadas de 1950 e 1960, os migrantes nordestinos e mineiros assumiram progressivamente o controle dos sindicatos, deslocando os trabalhadores italianos e espanhóis para um plano secundário.
Ou seja, o militantismo está muito associado aos fluxos migratórios.

O AGRONEGÓCIO E O ABISMO AGRÁRIO-AMBIENTAL. ENTREVISTA ESPECIAL COM GERSON TEIXEIRA




“A sedução e a rendição política aos quase 100 bilhões de dólares em exportações geradas pelo agronegócio poderão levar o Brasil a cenários sombrios de um ‘abismo agrário-ambiental’ já em curso”, lamenta o engenheiro agrônomo

Uma breve retrospectiva política é suficiente para compreender o esvaziamento do Incra e a recente proposta da presidente Dilma Rousseff, de descentralizar as atuais atividades da instituição para melhorar a infraestrutura dos atuais assentamentos, diz Gerson Teixeira à IHU On-Line. Na avaliação do governo, não é preciso criar novos assentamentos, mas melhorar a infraestrutura dos já existentes. Sobre a possibilidade, o ex-presidente presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária – ABRA é enfático: “Quem ouviu ou leu o discurso surrado de que importa doravante a qualidade dos assentamentos, sugiro que adote a recomendação da presidenta Dilma em relação aos discursos de que os raios são as causas dos apagões. Ria!”.
Segundo ele, depois de 2002, após receber propostas para dar continuidade à reforma agrária, “um processo político interno” do PT “‘tratorou’ a proposta, e naquele momento já foi possível antecipar o futuro da ‘reforma agrária’”. Para ele, a renúncia à reforma agrária teve como propósito “impedir qualquer movimento sobre temas sensíveis aos ruralistas. Isso ocorreu por temor infundado de riscos para a base do governo no intuito de evitar qualquer sinal que pudesse ser interpretado como intimidatório ao avanço do agronegócio que praticamente se constitua no único setor superavitário na balança comercial do país”.
Em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, Teixeira lamenta a posição do governo federal e enfatiza que a medida de descentralizar as atividades do Incra “serve para desviar o foco da questão central da política agrária”. E esclarece: “Os municípios e, em especial, os menores, além de objeto dos fortes controles das oligarquias rurais (que obviamente não morrem de amores pela reforma agrária), não dispõem de estrutura e capacidade de gestão para responderem adequadamente às suas próprias atribuições originárias. Além disso, muitos desses municípios acham-se impedidos de receber verbas do governo federal, no caso, em função de problemas com convênios, passivos previdenciários etc.”
Gerson Teixeira é engenheiro agrônomo, especialista em desenvolvimento agrícola pela Fundação Getúlio Vargas – FGV/RJ, e doutorando em Teoria Econômica pela Universidade de Campinas – UNICAMP. É ex-presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária – ABRA. Confira a entrevista.

IHU On-Line – A presidente Dilma propõe descentralizar as atividades do Incra e, a partir de investimentos do PAC – Equipamentos, e pretende fornecer equipamentos para municípios de até 50 mil habitantes realizarem melhorias nos assentamentos da reforma agrária. Como vê essa proposta?
Gerson Teixeira – O anúncio da medida, com a ênfase dada à sua suposta virtude, serve para desviar o foco da questão central da política agrária, na atualidade, sobre a qual pretendemos comentar adiante. Em tese, claro que é positiva uma maior cooperação federativa para o atendimento das necessidades de infraestrutura dos assentamentos de reforma agrária. A articulação operacional da União com os municípios nessa área já ocorre, porém sob o comando do Incra. A mudança, conforme se comenta, seria a supressão desse comando com a redução do papel do Incra (ou Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS, quem sabe?) a mero repassador dos recursos.
Não obstante, quando confrontada com a realidade são remotas as chances de eficácia da proposta de municipalização dessa atividade do governo federal. Veja que a cobrança e a fiscalização do Imposto Territorial Rural – ITR foram transferidas para os municípios pela lei n. 11.250/2005. Essa definição também foi defendida pelo seu suposto conteúdo de racionalidade da gestão tributária e articulação federativa. No entanto, o que esteve por trás da decisão foi o empenho da SRF de se livrar dessas atribuições por julgar o ITR como um “imposto podre”, dada a sua baixa expressão fiscal. Resultado: em 2003, a arrecadação do ITR, ainda que pífia como sempre, equivaleu a 0,112% das receitas administradas pela SRF. Em 2011, portanto, anos após o início da municipalização do ITR, essa relação caiu para 0,062%. Ou seja, na comparação entre os exercícios, a arrecadação do ITR sofreu uma redução proporcional de 44%.
Os municípios, em especial, os menores, além de objeto dos fortes controles das oligarquias rurais (que obviamente não morrem de amores pela reforma agrária), não dispõem de estrutura e capacidade de gestão para responderem adequadamente às suas próprias atribuições originárias. Além disso, muitos desses municípios acham-se impedidos de receber verbas do governo federal, no caso, em função de problemas com convênios, passivos previdenciários etc.
Na verdade, enquanto no caso do ITR o governo federal visou se livrar de um imposto indesejável, neste outro, junto com as demais medidas divulgadas pela imprensa, é possível que ele – o governo – vise se livrar de uma instituição indesejável: o Incra. Em entrevista anterior à IHU On-Line comentei sobre as severas dificuldades de gestão da autarquia.

IHU On-Line – O Incra está transferindo para outras instituições públicas as tarefas de construir casas e levar água e energia elétrica às famílias assentadas, assim como irá transferir a seleção das famílias a serem beneficiadas pelo programa de reforma agrária. O que isso sinaliza em relação ao futuro da instituição?
Gerson Teixeira – Esta questão está relacionada à anterior obedecendo à mesma lógica. Igualmente, a transferência dessas ações não visa um esforço de complementariedade institucional para dar musculatura ao processo de reforma agrária e, sim, os propósitos desestruturantes do conjunto da obra. O que se ouve é que muitas atribuições do Incra serão transferidas para o MDS (e operadas por várias instituições), posto que na concepção reducionista adotada de reforma agrária esta passaria a integrar o programa Brasil Sem Miséria. Óbvio que esse programa é relevante na perspectiva da mitigação da miséria, mas não ataca as causas da pobreza. E agora, ao enquadrar a reforma agrária nesses limites, o governo neutraliza uma das principais reformas capazes de romper com as causas estruturais da pobreza e das desigualdades em geral no Brasil.

IHU On-Line – Pode-se dizer que mudou o foco de ação do Incra? Em que sentido?
Gerson Teixeira – Há muito tempo o Incra sofre processo de esvaziamento, o que tem sido consequência natural da condição periférica da reforma agrária na agenda do país. Nos últimos anos, mais notadamente a partir do programa governamental Terra Legal, que passou a legitimar áreas públicas ocupadas na Amazônia, vem sendo tentada uma transição institucional que projeta as ações de regularização fundiária como o núcleo da missão do Incra. Creio que, confirmadas as medidas setoriais divulgadas recentemente pela imprensa, a tendência será a de consolidação desse processo.

IHU On-Line – Pode explicar? Quais as posições políticas que favoreceram esse esvaziamento?
Gerson Teixeira – Façamos uma rápida recuperação da política agrária nos anos recentes e das suas tendências atuais e, subjacente, teremos ideia sobre o destino do Incra. Inicio com um episódio político no PT, do qual tive participação.
Após o Encontro Nacional do Partido, de 2000, em Recife/Olinda, e até parte de 2002, a Secretaria Agrária Nacional do PT esteve com uma coordenação da qual fiz parte. Nesse período, com a intensa participação das entidades de trabalhadores rurais, elaboramos e submetemos ao Partido uma proposta de programa de governo Lula para a agricultura e a reforma agrária. Previa avanços importantes para a reforma agrária, no plano institucional, de modo a estimular as lutas sociais que experimentavam momento de vigor. Em que pese os avanços pretendidos, a proposta de programa de governo estava calibrada para o contexto da adversidade da correlação de forças para evitar maiores problemas ao governo junto dos setores conservadores. Um processo político interno “tratorou” a proposta, e naquele momento já foi possível antecipar o futuro da “reforma agrária”. Prevaleceu o documento Vida Digna no Campo cujo texto foi um filtro minimalista da proposta da Secretaria Agrária.
Assim, por razões que não vem ao caso no momento, de 2003 a 2010 o programa de reforma agrária, ou melhor: a política de assentamentos reativa aos conflitos, teve desempenho muito aquém até daquele previsto no Vida Digna. Renunciou-se à política para impedir qualquer movimento sobre temas sensíveis aos ruralistas. Isto ocorreu por temor infundado de riscos para a base do governo no intuito de evitar qualquer sinal que pudesse ser interpretado como intimidatório ao avanço do agronegócio que praticamente se constitua no único setor superavitário na balança comercial do país. Resultado: o agronegócio ampliou a sua hegemonia; as lutas sociais entraram em declínio, o que foi facilitado pelas ações de mitigação da pobreza. Foi integralmente mantido o aparato legal restritivo da democratização da terra. A Secretaria Agrária Nacional foi ‘fechada’ e o comando do Ministério do Desenvolvimento Agrário - MDA entregue à corrente e quadros do PT sem qualquer tradição e acúmulo nessa temática. Para “compensar”, foi implementada importante política de inclusão da agricultura familiar nos instrumentos de fomento à produção, ainda que segundo estratégia de nivelamento às condições produtivas da agricultura do agronegócio.

IHU On-Line – Como analisar essa fase da política de assentamentos do período Lula com a anterior e com a do governo da presidente Dilma?
Gerson Teixeira – No auge do neoliberalismo, o governo FHC tentou emplacar a reforma agrária de mercado, obviamente defendida pelos conservadores. Mas os movimentos sociais impediram que os instrumentos de compra e venda de terra viessem a prevalecer, e a intensidade das lutas obrigou o governo a obter terras e a executar projetos de assentamentos. Mas tudo em clima de permanente tensão política para intimidar as lutas e preservar os interesses do latifúndio.
A partir de 2003 até 2010, o boom dos preços internacionais das commodities agrícolas elevou a hegemonia do agronegócio, no Brasil, para níveis tendencialmente absolutos. isso foi facilitado pelo importante recuo das lutas pela terra, fato curiosamente determinado pelas relações históricas dos movimentos com o PT e com o presidente Lula, e pelos efeitos das políticas sociais.
Com FHC tivemos “muito pau e pouca prosa” e os limites da política de assentamentos decorriam, ainda, do poder do latifúndio. O período Lula foi marcado por “muita prosa e pouco pau”, e o desempenho da política de assentamentos foi limitado pelo poder do agronegócio.
A trajetória dessa “evolução” nos levou ao presente estágio onde parece que a política agrária não decorre mais de um produto do esforço político do governo para a contenção de conflitos sociais em proteção do latifúndio, ou para não criar empecilhos ao agronegócio. Ao que parece, na atualidade, onde temos “pouco pau e nenhuma prosa”, chegamos a um estágio em que a política agrária e a política ambiental passam a ser instrumentais à expansão do agronegócio. Perdeu o caráter de administração de conflitos e se transforma em instrumento do próprio agronegócio.

IHU On-Line – Pode explicar?
Gerson Teixeira – Considerando o tema agrário, é o que projeta a proposta de emancipação à força de assentamentos abandonados à própria sorte pelos poderes públicos, com a titulação dos respectivos lotes que envolvem milhões de hectares. Sugerida pela entidade máxima do agronegócio, a CNA, a proposta objetiva as condições para a transferência, para o mercado (agronegócio), dos milhões de hectares desses camponeses, o que reproduz as investidas dos ruralistas pela subtração dos territórios indígenas, quilombolas e das áreas protegidas em geral.
Da mesma forma, visa-se a garantia jurídica para a expansão do agronegócio na Amazônia com a proposta de legitimação, pelo Estado, das grandes áreas públicas “privatizadas (griladas) na marra” naquela região. Nesse caso, persegue-se uma versão ampliada e ainda mais flexível do programa Terra Legal. Isso seria feito mediante a regularização “de ofício” dos imóveis localizados às margens das rodovias federais na Amazônia. Pelas recomendações da CNA, o governo deverá, ainda, proceder à ratificação dos títulos das propriedades localizadas nas faixas de fronteiras, irregularmente feita pelos estados, e à simplificação do georreferenciamento dos imóveis.
Portanto, é essa a política agrária que aparentemente se estrutura não mais para administrar conflitos sociais tidos como intimidatórios aos interesses do agronegócio, e sim para o atendimento direto dos interesses da sua expansão.
Em suma, creio que a sedução e a rendição política aos quase 100 bilhões de dólares em exportações geradas pelo agronegócio poderão levar o Brasil a cenários sombrios de um “abismo agrário-ambiental” já em curso. É inacreditável que não se perceba nenhuma área dentro do governo pensando em longo prazo e em estratégias, de fato, compatíveis com os interesses do Brasil. Quanto ao Incra, trata-se um mero instrumento dessa política. E quem ouviu ou leu o discurso surrado de que importa doravante a qualidade dos assentamentos, sugiro que adote a recomendação da presidenta Dilma em relação aos discursos de que os raios são as causas dos apagões. Ria!

BA – MONOCULTURA DO EUCALIPTO ATACA TRABALHADORES RURAIS




Por Isabel Harari, Especial para Caros Amigos

“As ameaças são constantes, com arma, tiro, gado roubado, cerca cortada, tudo que se possa imaginar”, denuncia Juenildo Oliveira Farias, o Zuza, coordenador estadual do MLT (Movimento Luta pela Terra) e do acampamento Baixa Verde, sul da Bahia. Os ocupantes da área estão em conflito com integrantes da Fetag-BA (Federação dos Trabalhadores na Agricultura da Bahia), acusados pelos primeiros de estarem associados à expansão da monocultura de eucalipto na região.
Relatos indicam que as ameaças se iniciaram em outubro de 2010, após a Veracel Celulose S.A. perder na Justiça, em decisão de segunda instância, a posse da terra em favor das famílias do MLT. “A partir daí a Veracel tem recuado, e a Fetag atacado cada vez mais”, acusa Zuza.
As 85 famílias do acampamento Baixa Verde, localizado na fazenda São Caetano, município de Eunápolis, vivem assustadas. Boletins de Ocorrência relatam ameaças verbais e físicas, roubo de animais e depredação de cercas, entre outros abusos. Em agosto de 2012, por exemplo, trabalhadores do acampamento foram impedidos de exercer seu serviço por um grupo de 12 pessoas portadoras de foices e facões, que ameaçavam atear fogo no trator se os moradores do Baixa Verde tentassem continuar seu trabalho.
O comandante do grupo foi identificado como o diretor da Fetag Ailton Queiroz Lisboa. No dia seguinte ao desse relato, outros dois trabalhadores afirmaram terem sido ameaçados. “Se tentassem arar a terra nesse momento ou no futuro, haveria derramamento de sangue”, diz o Boletim de Ocorrência. Ailton nega o fato, “isso é uma mentira, nunca dei um tiro”, declarou.
Zuza conta ter sofrido um atentado em dezembro de 2011. Uma moto veio em direção ao veículo que dirigia, obrigando-o a desviar e, consequentemente, capotar o carro. Desde então, ele e sua família sofrem ameaças de morte. Todos os acontecimentos são notificados às autoridades. Cartas e cópias de ocorrências foram entregues às Polícias Civil e Militar da Bahia, Ministério Público Estadual, Secretaria de Segurança Pública, Ministério da Justiça, Ministério do Desenvolvimento Agrário e Polícia Federal. Ainda assim, nenhuma providência foi tomada pelos órgãos oficiais.
Em abril de 2011, o MLT emitiu um ofício à Fetag exigindo a intervenção urgente de sua diretoria no caso, a retirada da bandeira da entidade do acampamento e a produção de uma nota pública que esclareça os acontecimentos e sua relação com a Veracel. “A ação desse grupo tem como objetivo prejudicar o andamento do processo de legalização das terras devolutas do Estado e o assentamento das famílias que tem real perfil de trabalhadores rurais”, diz o texto produzido pelo MLT.

Briga pela terra

Ainda em 2010 a Veracel entrou na Justiça exigindo a revisão da decisão que garantiu a posse da terra aos moradores do Baixa Verde. O processo se encontra até hoje no Ministério Público da Bahia, impedindo a assinatura do juiz e impossibilitando a retomada da terra pelo Estado e sua consequente demarcação. As 85 famílias ainda vivem em tendas de plástico preto, sem direito a crédito público para construírem suas casas ou para a produção.
Atualmente, a Veracel, por meio do governo do estado da Bahia, propõe um novo acordo com o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), segundo o qual a empresa venderia cerca de 10 mil hectares de terra para o órgão, que os destinaria aos sem-terra da região. As terras do Baixa Verde estariam contempladas no acordo (ainda verbal e sem nenhuma garantia), logo, o processo que garante sua posse aos moradores do acampamento seria invalidado. A área, portanto, não mais seria considerada terra devoluta indevidamente apropriada para o plantio de eucalipto.
Segundo o MLT, o acordo, se concretizado, serviria para melhorar a imagem da empresa – que contabiliza pelo menos dois mil processos no Ministério Público da Bahia, segundo levantamento do CEPEDES (Centro de Estudos e Pesquisas para o Desenvolvimento do Extremo Sul da Bahia) – diante da opinião pública, movimentos de luta pela terra e, principalmente, órgãos certificadores. A Veracel depende do selo oficial para a exportação de celulose e para embasar a exportação da propaganda “socialmente justa”. Quase a totalidade – 98% – da produção da empresa é destinada ao exterior, principalmente para a Europa, Estados Unidos e China.
“Nós temos a preocupação de que a Fetag, apesar de ser um movimento sindical, esteja sendo financiada pelo eucalipto”, diz Zuza. Segundo ele, a confirmação do envolvimento da Veracel com a Fetag veio de um relato do diretor desta, Ailton Queiroz Lisboa, que declarou em audiência com a ouvidoria agrária que a empresa de celulose ofereceu a área do acampamento mesmo tendo perdido a manutenção de sua posse. “Existe um jogo, uma tentativa de boicote por parte da empresa, inclusive financiando um movimento sindical para descaracterizar a nossa luta”, completa o dirigente do MTL.
Ailton nega a relação da Fetag com a Veracel. Segundo ele, a Fetag tem um histórico de luta pela terra e atualmente, por meio do governo do Estado, negocia a posse de novos lotes para as famílias cadastradas, “o nosso diálogo é com o governo, não com a Veracel”, disse. “Se Veracel quiser doar terras, nós queremos”, completou.
Sobre as acusações acerca dos conflitos entre os participantes da Fetag e os moradores do Baixa Verde declarou que Zuza “quer criar um fato para ficar com área sozinho”. Ailton disse que Zuza possui um ponto de táxi em Anápolis, cujo alvará foi cedido em troca de um lote de terra, e que os donos – três fazendeiros-, além de pagarem aluguel sobre o pasto, são responsáveis pela quebra de cercas e a consequente perda de animais pertencentes ás famílias da Fetag. “Zuza quer colocar o pessoal da Fetag como bandidos. Ele é problemático, maluco e autoritário”, completou.

Expansão do eucalipto

No ano 2000, a Aracruz, principal exportadora de celulose do Brasil, comprou a parcela da Odebrecht na Veracruz, e criou a Veracel. A Aracruz, que passou a se chamar Fibria, mantém desde 2005 o projeto Veracel, joint-venture com o grupo Stora-Enzo. A empresa tem 172.982 hectares de eucalipto plantados, distribuídos em 11 municípios do sul da Bahia. A fábrica, com sede em Eunápolis, município onde está o acampamento Baixa Verde, produz 1,2 milhão de toneladas de celulose branqueada por ano, número que pode ser aumentado para 2,7 milhões de toneladas, o que significa uma expansão de 107 mil hectares de plantação em mais seis municípios.
Em setembro de 2010, a Fibria Celulose doou R$ 40 mil para a campanha do então candidato a deputado federal Edson Sampaio Pimenta, na época tesoureiro da Fetag. Para o diretor do MLT, essa é uma prova do envolvimento do movimento sindical com as empresas. “Foram R$ 40 mil que ele [Edson] recebeu da monocultura de eucalipto. E foi eleito deputado. Fora isso não temos mais nada [de provas], a não ser a palavra do dirigente da Fetag que recebeu a doação das terras do acampamento”, disse.
Segundo o promotor do Ministério Público Estadual de Eunápolis, João Alves da Silva Neto, a Veracel realiza “atividades típicas de crime organizado”. Os processos contabilizam violações trabalhistas e licenças ambientais irregulares, além de denúncias de coerção de trabalhadores para que estes assinassem contratos de arrendamento, permitindo que a empresa plantasse eucalipto em suas propriedades. “Os jornais locais não publicam nada, porque todo mundo é financiado pela própria Veracel. E nós aqui à mercê”, desabafou Zuza.
A Veracel não tem licença regular para ocupar toda a área plantada pelo eucalipto. Em 2012, no entanto, recebeu uma licença prévia do estado da Bahia para realizar suas metas de expansão iniciadas em 2007, contrariando a decisão do Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema). Em 2011, o mesmo Inema produziu um relatório rejeitando a ampliação da empresa e exigindo maiores dados acerca de seus planos.
A licença prévia foi concedida sem que as informações solicitadas pelo órgão fossem atendidas. A expansão da monocultura do eucalipto é apoiada inclusive pelo governador do estado, Jacques Wagner (PT). Em 2008, ele viajou para a Suécia com o objetivo de acalmar os acionistas da Stora-Enzo/Veracel diante das pressões dos movimentos sociais e outras instituições que barravam os projetos da joint-venture. Para Débora Lerrer e John Wilkinson, em artigo sobre a Stora Enzo, “o governador Jacques Wagner tem seguido a estratégia do governo federal, de mudar a equipe para garantir que as licenças ambientais sejam concedidas mais rapidamente, com vistas a atingir as metas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC)”.
Especialistas alertam que o impacto da monocultura de eucalipto estende-se para além das implicações ambientais, como a contaminação do solo, das águas, diminuição da fertilidade da terra e seus minerais, entre outros. A retirada da população de sua terra acarreta também na perda de seus meios de subsistência.
De acordo com uma pesquisa realizada pela própria Veracel e divulgada pelo Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais (WRM), em Santa Cruz Cabrália, no sul da Bahia, por exemplo, apenas 56 dos 193 trabalhadores permaneceram na propriedade adquirida pela empresa, e o número de moradores caiu de 240 para 14 em 2012. Em Porto Seguro, os empregados em terras da Veracel diminuíram de 88 para dois, e os moradores de 138 para apenas nove. O êxodo rural e o consequente aumento da população urbana geram desemprego, pobreza e criminalidade. “Eles só veem o interesse do capital, o interesse da empresa e da monocultura de celulose”, conclui Zuza.

*Isabel Harari é estudante de jornalismo.

PARA PESQUISADORA, "MODERNIZAR" CLT É "CANTO DE SEREIA DESASTROSO"




Rede Brasil Atual - 01/05/2013 - 08h15

A professora Magda Barros Biavaschi, desembargadora aposentada do TRT (Tribunal Regional do Trabalho) da 4ª Região (Rio Grande do Sul) e pesquisadora do Cesit (Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho) da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), contesta com veemência a tese segundo a qual a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) apropriou-se do discurso dos trabalhadores. Ao afirmar que o texto lançado em 1943 por Getúlio Vargas tem "profunda conexão com as necessidades sociais" de seu tempo histórico, ela afirma que a "vetusta e competente senhora", a CLT – que completará 70 anos nesta quarta (1) – , tem enfrentado embates com dignidade.
Segundo a pesquisadora, não se sustenta "teórica e empiricamente" a tese de que a CLT brasileira se inspira na Carta del Lavoro fascista. O arcabouço jurídico-institucional trabalhista brasileira, afirma, se construiu a partir do diálogo com várias correntes de pensamento (socialistas, comunistas, positivistas, católicos, anarquistas, progressistas, conservadores) e atenta à "realidade externa e interna", no contexto de um projeto de modernização da sociedade.
Em novembro de 2005, Magda Biavaschi defendeu tese no Instituto de Economia da Unicamp para obter título de doutora em Economia Social do Trabalho. Pesquisou em diversas fontes, sendo uma das quais as reclamações trabalhistas nas antigas Juntas de Conciliação e Julgamento (atuais Varas do Trabalho), criadas antes mesmo da CLT, em 1932. Ela também fez várias entrevistas com o jurista Arnaldo Süssekind (que morreu há pouco menos de um ano), que integrou a comissão responsável pela elaboração da CLT, no início dos anos 1940.
Os direitos sociais vêm sucumbindo "à força bruta" em todo o mundo, afirma a pesquisadora. No caso brasileiro, adeptos do pensamento único seguem criticando uma suposta rigidez da legislação trabalhista, que impediria o país de ser mais competitivo e de ter aumentada a sua produtividade. Esse discurso embute "cantos de sereia", afirma, tentando fazer com que se trilhem caminhos "que já se mostraram desastrosos no final do século 19".

Em sua tese, a senhora diz que a afirmação de que a nossa legislação trabalhista é cópia da Carta del Lavoro, além de redutora, é insustentável teórica e empiricamente. Observa que o arcabouço jurídico foi sendo construído a partir do diálogo com várias linhas de pensamento. Construiu-se, então, um senso comum historicamente equivocado sobre as origens da CLT?
Não têm sido poucos os embates que esta vetusta e competente senhora vem enfrentando, aliás, com muita dignidade. E apesar desses embates e das transformações pelas quais tem passado, ela resiste. Resiste porque construída em profunda conexão com as necessidades sociais do tempo histórico em que elaborada, densamente imbricada na tecitura social brasileira. Somente essa constatação contribui para desconstituir o mito da outorga ou do roubo da fala dos trabalhadores.
Pessoalmente ou por meio de seus sindicatos, eram trabalhadores que clamavam pelo cumprimento das normas de proteção ao trabalho que, a ferro e fogo, estavam sendo inscritas no arcabouço jurídico de um país de capitalismo tardio, em referência a João Manoel Cardoso de Mello, em meio ao processo de industrialização. Tendo com questão primeira demonstrar que a tese da cópia fascista não se sustenta tanto teórica, quanto empiricamente, com uma lente de longa duração busquei descortinar o processo de construção de um direito novo, profundamente social, cujas origens estão fincadas no século 19, e, a seguir, o de constituição da legislação social do trabalho brasileira.
Foi no século 19 da Grande Indústria Inglesa, em tempos de capitalismo constituído, que as condições históricas, sociais e políticas para o nascimento desse novo ramo do Direito, dotado de fisionomia própria e fundamentado em princípios forjado no campo das lutas sociais estavam dadas. Direito esse que nasceu em um cenário em que a natureza do Estado foi sendo modificada e a ordem burguesa liberal solapada, em um processo que se completa no século 20 e em que o Estado passa a intervir nas relações econômicas e sociais, produzindo normas.
Nessa caminhada, chegou-se ao Brasil e às suas especificidades, podendo-se afirmar que a legislação brasileira de proteção ao trabalho não é cópia da Carta del Lavoro. E repito: sim, a tese da cópia, para além de redutora, é insustentável teórica e empiricamente. Aliás, os capítulos segundo e terceiro ilustram essa compreensão, fundamentada em profunda investigação das fontes materiais.
Portanto, em respeito à tua pergunta, afirmo que, analisando com lupa as fontes e com elas dialogando, constatei que a construção do arcabouço jurídico-institucional trabalhista brasileiro, pode, em muito, ser tributada à Intelligentsia dirigente desenvolvimentista, por assim dizer, que, sob a batuta de Getúlio e dialogando com várias correntes de pensamento presentes na base do governo – socialistas, comunistas, positivistas, católicos, anarquistas, progressistas, conservadores – e atenta à realidade externa e interna e às demandas daquele momento histórico, buscava encontrar caminhos que dirigissem a certa unidade dentro de um projeto modernizador da sociedade brasileira.
Desconstituir o mito da cópia fascista não foi trajetória fácil. Até porque, conquanto a historiografia mais recente sobre a Era Vargas tenha avançado no sentido de um hibridismo que não se coaduna com rotulações simplificadoras como, dentre outras, “autoritarismo de Estado”, “fascismo”, “Estado de compromisso”, no campo do Direito persiste uma bibliografia razoável que, analisando a legislação trabalhista brasileira insiste em afirmar ser sua matriz a Carta de Mussolini.

Nesse sentido, o quanto foi importante o contato com o ex-ministro Arnaldo Süssekind?
Graças às entrevistas realizadas com o ministro Arnaldo Süssekind, então único integrante vivo da comissão que elaborou a CLT, conheci as teses aprovadas no 1º Congresso de Direito Social, organizado em 1941, em São Paulo, pelo professor Cesarino Júnior, responsável pela cadeira de Direito Social na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Muitas delas foram utilizadas pela comissão redatora da CLT como fonte material imprescindível.
E foi também assim que me deparei com os processos que tramitaram na antiga Junta de Conciliação e Julgamento (atual Vara do Trabalho) de São Jerônimo no final da década de 1930 e inicio da década de 1940, zona carbonífera de grande prosperidade no período. Examinando essas reclamações vi que, no âmbito do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, destacados juristas, inspirados em construções jurídico-normativas da época e nas produções doutrinárias de então, exaravam pareceres pela via da “avocatória” – as reclamações eram dirimidas pelas Juntas de Conciliação e Julgamento em instância única, porém, pela via da “avocatória”, as partes, insatisfeitas com a decisão, requeriam ao ministro do Trabalho que avocasse o feito, remetido, inicialmente, ao ilustrado corpo de pareceristas como, dentre outros: Evaristo de Moraes, Oliveira Viana, Joaquim Pimenta, Agripino Nazareth, Oscar Saraiva e, mais tarde, o jovem Arnaldo Süssekind, que exaravam verdadeiras aulas-fonte da legislação material e processual que se seguiu –, produzindo, a partir das reivindicações trabalhistas da época, uma ação concreta no sentido da institucionalização de regras jurídicas que, contemplando certos princípios, de resto construções históricas, elevaram os trabalhadores à condição de sujeitos de direitos trabalhista em um país em luta hercúlea para superar suas heranças escravocratas, patriarcais e monocultoras. Isso tudo está fartamente documentado na tese, em especial em seus anexos.
Assim, as normas de proteção social ao trabalho foram sendo construídas e, com elas, foram sendo criadas as instituições do Estado com competência para dizê-las e fiscalizá-las, em um processo em que uma burocracia profissional igualmente era constituída. Nos processos estudados, que compõe o acervo do Memorial/RS (Memorial da Justiça do Trabalho do Rio Grande do Sul, cuja comissão coordenadora ela integra desde 2004), os casos concretos, os conflitos do trabalho, os pareceres, as regras positivadas, as decisões, a doutrina, formavam um complexo que interagia, produzindo soluções e impulsionando a criação de novas regras, em um tempo carente de um Código do Trabalho. Tudo aos olhares atentos do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio.
No dizer de Arnaldo Süssekind, lugar da formação de uma jurisprudência pretoriana que, conquanto administrativa, foi também constitutiva de direitos. Nesse sentido, a construção da regulação social do trabalho pode ser lida como uma intervenção extramercado, em um momento em que a humanidade se dava conta de que a ordem liberal dão dava conta da questão social e, muito menos, da econômica, sucumbindo, segundo Polanyi, ao assalto de moinhos satânicos. E diante da crise, aprofundada no entre guerras, a resposta no mundo inteiro foi antiliberal, com a planificação econômica pelo Estado sendo a regra, quer de forma democrática, quer de forma autoritária.

E no Brasil?
No Brasil, esse processo foi tardio, imbricado nas especificidades do desenvolvimento do capitalismo. Com o dinamismo da economia nucleado pela expansão da acumulação cafeeira, as grandes fazendas monocultoras faziam uso da mão de obra escrava. Ao ser introduzido o trabalho “livre”, no processo de substituição do braço escravo pelo do colono imigrante, fez-se necessária uma “boa lei de locações”, que, com suas “parcerias” e o envolvimento das famílias dos parceiros no processo produtivo, barateou o custo do trabalho. Consolidava-se, assim, a exploração da uma mão de obra barata, em uma sociedade cujo tecido era costurado com o signo da desigualdade.
Com a Lei Áurea, um bando de “homens livres”, “errantes”, “banzeiros”, “marginais”, acumulava-se nas cidades; por outro lado, as políticas de imigração acirravam o problema da existência de uma massa marginal, com seu inegável potencial reprodutor. Situação que a Lei dos Dois Terços procurou superar. A década de 1930 marca a pujança de uma produção normativa trabalhista, Direitos de longa data reivindicados passam a ser reconhecidos e, nesse processo, vão sendo institucionalizados pelo Estado, tendo no voto universal e na Lei dos Dois Terços momentos iniciais de grande relevância. Esse processo, que passou pela construção da CLT e pela criação de uma Justiça especializada para dizer o novo Direito que se constituía, culminou com a Constituição cidadã de 1988, promulgada em meio à crise do Estado de bem-estar.
À crise dos gloriosos 30 anos de um capitalismo regulado, a resposta em vários cantos do mundo foi liberal, com algumas exceções. Dessa forma, ao embalo desses ventos, os direitos sociais e as instituições republicanas passaram a padecer à ação da força bruta da um capitalismo destrutivo, sem peias. O Direito do Trabalho e, no caso da nossa aniversariante, a CLT, inserem-se nessa complexidade. Pensada no início da década de 1940, a CLT foi abrangente e ousada, como é exemplo o artigo 2º, § 2º que trata da solidariedade das empresas que compõem o grupo econômico, dentre outros institutos que permanecem atuais.

É falsa ou contestável a afirmação, também corrente, de que Vargas, ao estabelecer direitos trabalhistas, em contrapartida criou um sistema de controle dos sindicatos, de atrelamento automático ao Estado?
Não se pode olhar para a história com uma única lente que “chapa” a visão e impede que se compreenda a sociedade e seus processos com sentido de profundidade, de terceira dimensão. A grande crítica que certos analistas fazem ao Decreto Sindical de 1930 é a de que instituiu o sindicato único, com inspiração, dizem eles, fascista. Mas aqui fico com Süssekind, acompanhado, nesse aspecto, por Evaristo de Moraes Filho. A comissão que redigiu o decreto datado de 1931, que tratou da organização sindical e instituiu o sindicato único, era composta por renomados juristas, comunistas, socialistas, positivistas, anarquistas, atentos às reivindicações e aos princípios da época. Como salientou Evaristo de Moraes Filho em relação à equipe que elaborou o Decreto em questão, de março de 1931:
[...] era formada de velhos lutadores sociais, antigos socialistas, lutadores socialistas, e, não raro, anarquistas, em prol das reivindicações dos trabalhadores nos tempos chamados heróicos, anteriores a 30. Nenhum deles era de formação corporativista, muito menos fascista (Estado e sindicatos no Brasil. Os mecanismos de coerção sindical. (O Estado de São Paulo, São Paulo, 20 nov. 1986).
Quanto à equipe propriamente dita, destaca que um de seus méritos foi o de incorporar antigos líderes e lutadores socialistas, como Agripino Nazareth, Evaristo de Moraes Joaquim Pimenta, Carlos Cavacco, Deodato Maia:
[...] Agripino tomou parte na célebre revolta dos sargentos, anarquista, de 1918, e comandou a maior greve na Bahia de 1919. Pimenta foi o maior agitador no Nordeste na década de 10. Carlos Cavacco, gaúcho, socialista, ainda como auxiliar do próprio Collor foi preso como agitador em Fortaleza, durante o ano de 1931. Nenhum dos colaboradores de Collor era de direita ou favorável a qualquer manifestação corporativo-fascista. [...] O próprio Deodato Maia, o mais tranqüilo deles, já havia escrito um pequeno ensaio “A Regulamentação do Trabalho”, livro de 1912, reunindo seus discursos como deputado federal em favor dos trabalhadores.
Portanto, penso que precisamos olhar para história com essa perspectiva. Aliás, os processos que compõem o acervo do Memorial da Justiça do Trabalho no Rio Grande do Sul, contam com riqueza essa história. Por outro lado, os anais da Câmara dos Deputados brasileira das décadas de 1917, 1918, 1019, em meio à discussão sobre um Código do Trabalho e as dificuldades de aprová-lo, mostram que uma das reivindicações dos trabalhadores, em especial no período das greves, era a de um sindicato único, contestado pelo poder econômico que apontava para um monopólio sindicato e contrapropunha uma organização sindical por empresa.

A senhora também afirma (nas considerações finais) que, hoje, os direitos sociais parecem sucumbir à força bruta de um capitalismo desumano, em um contexto de globalização neoliberal. Nesse sentido, a CLT seria um instrumento de resistência? Até que ponto as reformas na estrutura estatal, a partir dos anos 1990, atingiram o conteúdo da legislação do trabalho?
Minhas considerações finais foram escritas em 2005. Da lá para cá, no Brasil, houve mudanças visíveis, sobretudo a partir da crise mundial de 2008, gerada pela overdose de um capitalismo sem peias. Graças à ação do governo, às políticas anticíclicas, à ação dos bancos públicos, à redução de juros, às políticas de estímulo ao crédito, enfim, criaram-se as condições para mais bem se enfrentar a crise. Ainda que hoje se constate redução do PIB, e conquanto os dados da indústria preocupem, no mundo do trabalho a situação é de pleno emprego e melhoria da renda. Milhares saíram da linha da pobreza e muitos jovens saem da PEA (população economicamente ativa) para estudar, em face das políticas de estímulo a tanto.
Continuamos, é verdade, devendo para a desigualdade social, para uma Justiça que cumpra, para regras que garantam o emprego e reduzam a rotatividade de mão de obra. Mas a melhoria é real. Ampliou-se a formalidade. Reduziram-se inseguranças. Mas os profundos conflitos e tensões permanecem. Os interesses financeiros mundiais se afirmam com seus efeitos deletérios dada ação de um capitalismo movido por seu insaciável desejo de acumulação da riqueza abstrata, nas corretas reflexões do professor (Luiz Gonzaga) Belluzzo.

No final do governo FHC, houve uma tentativa de “flexibilização” da CLT, a partir de alterações no artigo 618, permitindo que o negociado prevalecesse sobre o legislado. A iniciativa fracassou, mas a tese segue sendo defendida por muitos especialistas e atores sociais. O que a senhora pensa a respeito? A CLT pode ser mantida como a conhecemos hoje, com atualizações, ou deveríamos pensar em um novo código do trabalho?
Em boa parte do mundo, os direitos sociais continuam a sucumbir à força bruta. Em nosso país, certos adeptos do pensamento único continuam a insistir na “quebra” da alegada rigidez da CLT para que o país seja competitivo e a produtividade aumente, apontando para a negociação coletiva como espaço normativo privilegiado, ao argumento, renovado, de que é nas brechas do mercado que o Estado deve regular.
Tanto as propostas mais recentes de retomada do primado do encontro das “vontades livres” quanto o projeto de lei que busca regulamentar a terceirização, o PL 4.330 (projeto do deputado Sandro Mabel, do PMDB-GO, em discussão na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara), são cantos da sereia que insistem em que se trilhem caminhos que já se mostraram desastrosos no final do século 19, sucumbindo à evidência de que as “mãos invisíveis” têm dono e que os interesses abstratos do dinheiro atuam como uma avalanche quando não há diques suficientes para detê-los. Esse receituário continua sendo oferecido nesta quadra da humanidade, ainda que seus destrutivos se tenham mostrado insustentáveis, tornando evidente que ao se atribuir ao mercado a direção dos destinos dos homens se os despoja de suas instituições, levando-os a sucumbir ao assalto de moinhos satânicos.