Na discussão
sobre mudanças na CLT, "os trabalhadores
precisam de mais direitos, não de menos".
A avaliação
é do sociólogo Ruy Braga, 40. Para ele, o trabalho
precário tem absorvido o impacto da forte desaceleração da economia no mercado
de trabalho. Mas a manutenção da anemia do crescimento deve provocar desemprego
no próximo ano.
Professor da
USP, ele está lançando "A Política do Precariado", que trata do
"proletariado precarizado", de sindicalismo, greves e história.
Nesta
entrevista, ele afirma que, apesar da ascensão social de setores mais pobres,
"o precariado está inquieto", mas ainda "não identificou alternativas
à hegemonia lulista". Braga fala
aqui das greves em hidrelétricas e obras do PAC, mudanças na CLT e migrações.
A entrevista
é de Eleonora
de Lucena e publicada no jornal Folha de S. Paulo,
05-01-2013.
Eis a entrevista.
Com o atual ritmo de crescimento da economia brasileira o Sr..
prevê mudança no mercado de trabalho? Aumento do desemprego e queda nos
salários?
É provável.
Muitos se perguntam por que após uma forte desaceleração econômica no biênio as
demissões ainda não começaram? Além das medidas do governo, como a desoneração
da folha salarial em alguns setores, o mercado de trabalho brasileiro é muito
flexível.
Apesar do
assalariamento formal ter aumentado na última década, o emprego precário, isto
é, as ocupações onde se encontram os trabalhadores marginalmente ligados à
População Economicamente Ativa (PEA), ainda é muito numeroso, absorvendo o
impacto da atual desaceleração sobre o emprego.
No entanto,
se essa tendência persistir, muito provavelmente teremos demissões no próximo
ano e a taxa de desemprego de 5,3% deve aumentar.
Como o Sr.. define o que chama
de precariado hoje no Brasil?
É o proletariado precarizado. Trata-se de
trabalhadores que, pelo fato de não possuírem qualificações especiais, entram e
saem muito rapidamente do mercado de trabalho.
Além disso,
devemos acrescentar jovens trabalhadores à procura do primeiro emprego,
indivíduos que estão na informalidade e desejam alcançar o emprego formal, além
de trabalhadores subremunerados e inseridos em condições degradantes de
trabalho. Uma população que cresceu muito desde a década de 1990.
Não nos
esqueçamos que, mesmo com o recente avanço da formalização do emprego, as taxas
de rotatividade, de flexibilização, de terceirização e o número de acidentes de
trabalho no país subiram na última década. O "precariado" é formado
pelo setor da classe trabalhadora pressionado pelo aumento da exploração
econômica e pela ameaça da exclusão social.
O Sr.. avalia que a gestão Lula despolitizou os trabalhadores e
amansou sindicatos. Por quê? Qual sua visão do movimento sindical no Brasil
atualmente?
Sim. Não há
dúvida de que a gestão Lula fundiu
o movimento sindical brasileiro com o aparelho de Estado. Além de garantir
posições estratégicas nos fundos de pensão das empresas estatais, o governo
preencheu milhares de cargos superiores de direção e assessoramento com
sindicalistas.
Posições de grande prestígio em empresas estatais também foram ocupadas por líderes sindicais. E não nos esqueçamos que a reforma sindical de Lula oficializou as centrais brasileiras, aumentando o imposto sindical. Isso pacificou o sindicalismo.
Posições de grande prestígio em empresas estatais também foram ocupadas por líderes sindicais. E não nos esqueçamos que a reforma sindical de Lula oficializou as centrais brasileiras, aumentando o imposto sindical. Isso pacificou o sindicalismo.
Ocorre que
as direções não são as bases, e o atual modelo de desenvolvimento, como disse,
apoia-se em condições cada dia mais precárias de trabalho, promovendo muita
inquietação entre os trabalhadores. Isso sem falar nos baixos salários e no
crescente endividamento das famílias trabalhadoras.
Tudo somado,
é possível perceber uma certa reorganização do movimento, com a criação de
centrais sindicais antigovernistas, como a CSP-Conlutas,
por exemplo.
Quais os efeitos da chamada ascensão social de camadas mais pobres
nos últimos anos no movimento sindical? Emprego e entrada no mercado consumidor
contribuíram para arrefecer o movimento sindical e reivindicativo? O precariado
está satisfeito com o modelo de desenvolvimento e está quieto, votando no
PT?
É verdade
que o número de greves nos anos 2000 refluiu para um nível historicamente
baixo. No entanto, a partir de 2008, a atividade grevista voltou a subir,
alcançando, em 2011, o mesmo patamar do final dos anos 1990. Se essa tendência
vai se manter ou não é difícil dizer.
Eu apostaria
que a atividade grevista deve aumentar, pois a relação do precariado com o
atual modelo é ambígua. Por um lado, há uma certa satisfação com o consumo, em
especial, de bens duráveis. No entanto os salários continuam baixos, as
condições de trabalho muito duras e o endividamento segue aumentando.
Meu
argumento é de que o precariado está inquieto, isto é, percebe que o atual
modelo trouxe certo progresso, mas conclui que este progresso é transitório.
Até o
momento, o precariado não identificou alternativas à hegemonia lulista. Mas
está à procura. Veja o fenômeno Celso Russomanno,
por exemplo.
Como explica os movimentos grevistas que ocorrem em hidrelétricas
e obras do PAC? Qual sua avaliação das posições que sindicatos, empregadores e
governos têm tomados nessas situações?
Estes são
movimentos motivados pelas condições de trabalho. Basta olharmos as demandas
dos operários: adicional de periculosidade, direito de voltar para as regiões
de origem a cada três meses, fim dos maus-tratos, melhoria de segurança, da
estrutura sanitária e da alimentação nos alojamentos, etc.
Ao invés de
representar os trabalhadores, o movimento sindical lulista optou por pacificar
os canteiros. Caso contrário, como explicar o silêncio da CUT após a
empreiteira Camargo Corrêa demitir no ano passado 4 mil
trabalhadores em Jirau, poucas horas depois de um acordo ter sido
celebrado entre a empresa e a Central?
É evidente
que existem interesses comuns entre as empreiteiras e o movimento sindical.
Quem são os principais investidores institucionais das obras do PAC? Os fundos
de pensão controlados por sindicalistas governistas.
Essas mobilizações têm um significado maior e podem ser vistas
como o prenúncio de uma insatisfação mais profunda entre trabalhadores?
Sim. Desde
2008, a retomada da atividade grevista parece consistente e aponta para uma
insatisfação mais profunda. Entre 2010 e 2011 houve um aumento de 24% no número
de greves. Algumas delas, como a dos bancários e a dos correios, por exemplo,
foram inusualmente longas. Qual o significado disso? Em minha opinião, os
trabalhadores começaram a perceber que o atual modelo de desenvolvimento
encontra sérias dificuldades para entregar aquilo que promete, isto é, progresso
material.
Observando a história o Sr.. afirma que houve habilidade do
precariado brasileiro em transitar muito rápido da aparente acomodação
reivindicativa à mobilização por direitos sociais. O Sr.. vislumbra alguma
mudança nesse sentido atualmente?
Essa é a
história da formação da classe operária fordista brasileira. Os trabalhadores
migraram para as grandes cidades atraídos por qualificações industriais e
direitos sociais. Encontraram condições de vida degradantes, mobilizando-se por
seus direitos em diferentes ciclos grevistas. A aparente satisfação com o
nacional-desenvolvimentismo foi sucedida pelos ciclos de 1953-1957 e de
1960-1964. A aparente satisfação com o "milagre econômico" foi
sucedida pelo ciclo de 1978-1980.
A situação
atual é diferente, pois aquela burocracia sindical oriunda desse último ciclo
pilota o atual modelo de desenvolvimento. Se não é capaz de suprimir, isso
tende a retardar o ritmo de mobilização.
O Sr.. faz um relato da história do movimento sindical e fala das
condições despóticas nas fábricas brasileiras no século 20. O que mudou nas
condições de trabalho?
Muito pouco.
Apesar da existência de leis que protegem os trabalhadores, o país tem um
déficit crônico de fiscais do trabalho. Quando acontece, a fiscalização
limita-se a firmar Termos de Ajustamento de Conduta trabalhista que são
ignorados pelos empresários.
Além disso,
não há cláusula contra a demissão imotivada. Ou seja, a rotatividade predomina,
favorecendo a usura precoce do trabalhador. Se o trabalhador adoece, acidenta-se
ou se sua produtividade cai, é demitido e um outro contratado. Assim, o número
de acidentes de trabalho saltou de um patamar de 400 mil, no início da década
passada, para quase 800 mil hoje em dia.
Isso aponta para a reprodução de condições despóticas de trabalho, ainda que em um contexto diferente, marcado pela feminização do trabalho e pelo deslocamento dos empregos para os serviços.
Isso aponta para a reprodução de condições despóticas de trabalho, ainda que em um contexto diferente, marcado pela feminização do trabalho e pelo deslocamento dos empregos para os serviços.
O Sr.. afirma que na empresa brasileira o trabalho se transformou
no principal instrumento do ajuste anticíclico e anti-inflacionário da
rentabilidade dos ativos. Por quê? Como poderia ser diferente?
Sim. Com
inovações em processos, produtos... O problema é que o fluxo de capital das
empresas para os proprietários de ativos financeiros enfraquece os ganhos de
produtividade. Assim, o trabalho transformou-se no principal instrumento de
ajuste anticíclico.
Daí a busca
por flexibilidade. Não é acidental que a economia brasileira não perceba ganhos
reais de produtividade há mais de uma década. A financeirização das empresas
contribuiu para degradar o trabalho e enfraquecer a inovação tecnológica.
O Sr.. afirma que as atuais condições de trabalho reforçam o
individualismo, a competição entre trabalhadores, desmanchando as redes de
solidariedade fordista e a militância sindical. Esse quadro está em mudança ou
se aprofunda? O que representa para o sindicalismo?
O colapso da
solidariedade fordista é uma realidade mundial. Mesmo nos países da Europa
ocidental onde o compromisso social-democrata chegou mais longe em termos de proteção
trabalhista as atuais formas contratuais privilegiam a flexibilidade e a
individualização.
A
mercantilização do trabalho apoiada em sistemas de informação que controlam o
desempenho individual do trabalhador avança rapidamente. No entanto, isto não é
uma fatalidade. Trata-se de uma correlação de forças muito desfavorável para a
classe trabalhadora desde os anos 1980. Reverter esse quadro é a principal
tarefa de um sindicalismo que privilegie a ação direta balizada pelo
internacionalismo proletário.
A crise
europeia revelou o aparecimento de embriões desse "novo sindicalismo"
na Grécia e na Espanha.
Na sua visão, a ascensão social de quadros do sindicalismo para a
burocracia estatal provocou mudanças nas lutas sindicais. Esse quadro
permanece? Qual o impacto do mensalão nesse ponto? Algo está em mudança?
A
transformação das camadas superiores do sindicalismo em gestores do capital
financeiro e a fusão dos sindicatos com o aparelho de Estado praticamente
sepultaram as chances do sindicalismo lulista voltar a defender os interesses
da classe trabalhadora. Basta olharmos para a proposta do Acordo Coletivo Especial (ACE) apresentada
recentemente pela burocracia sindical para chegarmos a essa conclusão.
Não me
parece que o julgamento do Mensalão vá
modificar isso. Apenas a revivificação das lutas sociais na base associada ao
surgimento de novas lideranças poderá transformar esse quadro.
O Sr.. constata que a legislação trabalhista foi fruto de
conquista. Como avalia a atual pressão empresarial para mudanças na CLT? Mudar
a CLT seria um retrocesso do ponto de vista dos trabalhadores?
É preciso
mudar a CLT em
vários pontos. Mas, não naqueles advogados por empresários e sindicalistas
governistas. Para a esmagadora maioria dos trabalhadores que não está
representada por sindicatos fortes, a predominância do negociado sobre o
legislado significa perda de direitos.
Aqueles que
clamam pela reforma da CLT pensam apenas em flexibilizar o trabalho. Na
realidade, a força de trabalho brasileira é muito barata e nosso mercado de
trabalho excessivamente flexível. É necessário reformar a CLT para garantir
mais liberdade sindical e mais direitos aos trabalhadores.
Necessitamos
de uma cláusula contra a demissão imotivada. Os trabalhadores precisam de mais
direitos, não de menos.
Qual o impacto das migrações internas e dos imigrantes de outros
países no mercado de trabalho e no movimento sindical?
Historicamente,
o movimento operário iniciou-se no final do século 19 com as imigrações
italiana e espanhola. A crise da sociedade imperial e o advento da República
oligárquica estimularam políticas imigratórias, revolucionando o mercado de
trabalho.
Os
trabalhadores imigrantes e seus descendentes tornaram-se protagonistas
políticos na primeira metade do século 20. A Greve Geral de julho de 1917, de
flagrante inspiração anarquista, foi a certidão de nascimento do movimento
operário no país.
Por sua vez,
ao longo da industrialização fordista das décadas de 1950 e 1960, os migrantes
nordestinos e mineiros assumiram progressivamente o controle dos sindicatos,
deslocando os trabalhadores italianos e espanhóis para um plano secundário.
Ou seja, o
militantismo está muito associado aos fluxos migratórios.
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