A Consolidação das Leis do
Trabalho (CLT) chega aos 70 anos no próximo dia 1º de maio com
o desafio da formalização. Mesmo com a carteira de trabalho obrigatória desde
1932, 20% de toda a mão de obra do país ainda não têm carteira assinada, o que
representa 18,6 milhões de admitidos ilegalmente e que, portanto, não são
atingidos pelos direitos da lei. E há ainda 15,2 milhões de trabalhadores por
conta própria sem qualquer proteção, por não contribuírem para a Previdência
Social.
A reportagem é de Cássia Almeida e Lucianne Carneiro publicada
pelo jornal O Globo, 28-04-2013.
Nascida com 922 artigos, número que
se mantêm até hoje, o conjunto de leis é objeto de caloroso debate entre
economistas e juristas: menos regulação aumentará ou não a formalidade no
mercado de trabalho? E os 70 anos da CLT chegam quando o mercado de trabalho
passa por um dos melhores momentos. A taxa de desemprego nunca esteve tão
baixa, em 5,5% em 2012, os salários continuam subindo mesmo com a inflação
crescente e os empresários reclamam de falta de mão de obra. A quantidade de normas
— são mais de 1.700 regras, entre leis, portarias, normas e súmulas
trabalhistas vigentes no país — também é alvo de críticas e defesas.
Nascida em 1943, na ditadura do
Estado Novo, sob o domínio do presidente Getúlio Vargas, a CLT reuniu a legislação existente na época.
Segundo o professor de História Econômica da UFRJ Fábio de Sá Earp, Getúlio busca o apoio dos
trabalhadores num momento de exceção. O Brasil começa a mudar de economia
agrária para industrial, de rural para urbana. Era necessário regular o
trabalho urbano. As leis reunidas nasceram antes, nos anos 30 e início de 40,
como salário mínimo e exigência de carteira. Mas a CLT trouxe um capítulo novo inteiro sobre
remuneração, alteração, suspensão e interrupção do contrato de trabalho. Arnaldo Süssekind, um dos integrantes da comissão que
montou a CLT, disse em livro escrito em 2004 que a CLT cumprira “importante
missão educativa, a par de ter gerado o clima propício à industrialização do
país, sem conflitos trabalhistas violentos”.
Capacidade de formalizar: sem consenso
Setenta anos depois, não há consenso
entre especialistas se menos regulação impulsionaria o emprego formal.
Ex-ministro do Trabalho de Fernando Henrique Cardoso entre 1998 e 1999 e hoje
economista da Gávea Investimentos, Edward Amadeo diz
que boa parte da informalidade vem do custo e da complexidade da legislação. Na
sua gestão, foram instituídos o contrato temporário e banco de horas.
"Evidentemente há uma enormidade
de pequenas empresas que não têm condições de arcar com o custo ou a
complexidade da legislação. O Simples foi uma
das coisas que mais diminuiu a informalidade, ao facilitar o pagamento de
impostos, e o mesmo ocorreria com a reforma trabalhista".
O sociólogo Adalberto Cardoso, professor e pesquisador do Instituto
de Estudos Sociais e Políticos da Uerj, especializado em relações de trabalho,
afirma que a informalidade existe por não haver emprego formal para todos. Como
o seguro-desemprego ainda é limitado no Brasil (pago por até cinco meses), o
trabalhador recorre a atividades informais para sobreviver.
"Não tem emprego formal para
todo mundo. Pequenas empresas que têm funcionários não produzem riqueza
suficiente para o pagamento de impostos, e não só os trabalhistas. Não têm
condições econômicas para fazer frente ao mundo da formalidade. O mercado de
trabalho brasileiro é o mais flexível do mundo, o empregador pode alocar a mão
de obra como quiser".
Com ou sem reforma, a CLT afinal foi ou não boa para o mercado de
trabalho? Estudioso de relações sindicais e de trabalho, João Guilherme Vargas Neto, também consultor da Força
Sindical, é taxativo: "A CLT é a vértebra da estrutura social, política e
econômica do Brasil. Sem a CLT, a sociedade teria se dissolvido".
Para o economista Lauro Ramos, do Ipea, a CLT é anacrônica e, no afã de
garantir direitos, acabou criando barreiras: "Em nenhum país do mundo tem
carteira de trabalho, símbolo do legal e do ilegal. De quem cumpre ou não a
lei".
Mesmo sem reforma ampla, a CLT vem sendo mudada a conta-gotas nas últimas
décadas. O conjunto de artigos já sofreu 497 modificações desde 1943, além das
67 disposições constitucionais de 1988 que se somaram à CLT. Desde a
Constituição de 88 já foram propostas 255 ações no Supremo Tribunal Federal
questionando a constitucionalidade de regras trabalhistas, conforme
levantamento do Grupo de Pesquisa Configurações Institucionais
e Relações de Trabalho da UFRJ.
"A CLT foi alterada muitas
vezes, a conta-gotas. Tem muitos artigos, alguns discutíveis, outros que
acredito que já foram revogados. É preciso uma limpeza, uma grande revisão.
Isso é urgente e relevante para acabar com as dúvidas", afirma Sergio Pinto Martins, professor de Direito da USP e
desembargador do TRT/SP.
O detalhamento da CLT também é motivo
de debate. São 922 artigos da Consolidação das Leis do Trabalho, 295 súmulas e
119 orientações (precedentes normativos) do Tribunal Superior do Trabalho, 193
artigos do Código Civil, 145 súmulas do Supremo Tribunal Federal e 67
dispositivos constitucionais, de acordo com o sociólogo José Pastore. Há quem considere que o Brasil é um dos
países com mais normas trabalhistas do mundo, enquanto outros argumentam que nações
como França e Portugal têm legislações trabalhistas tão ou mais detalhistas que
a nossa e que a sociedade hoje é complexa e exige tal detalhamento.
‘No topo da lista de países com mais
normas’
O professor da Faculdade de Economia
e Administração da USP Hélio Zylberstajn diz
que o Brasil está “no topo da lista dos países com mais normas”. “É uma
quantidade absurda”. Já Ângela Castro Gomes, professora da UFF e coordenadora
do CPDOC da FGV, lembra que todo o direito brasileiro é detalhista.
Com três carteiras de trabalho (1959,
1975 e 1985), o aposentado Antônio Sousa, de 73
anos, teve a carteira assinada em 1959 como servente.
— A pessoa tinha que trabalhar dez,
14 horas. Já virei inúmeras noites trabalhando. E férias não existiam. Só em
1963 que isso começou, mas eram 20 dias. Se hoje o filho do operário estuda na
universidade é porque o emprego do pai dá garantia.
Com Lula e Dilma, reforma é engavetada
O melhor momento do mercado de
trabalho nas últimas décadas tirou do foco a discussão sobre a necessidade de
reformar a CLT. Com o emprego crescendo — a ponto de termos a menor taxa de
desemprego dos últimos dez anos, 5,5% na média de 2012 em seis regiões
metropolitanas e que continua em queda este ano — o tema perdeu lugar na agenda
econômica para a discussão sobre logística e infraestrutura do país, segundo
especialistas.
A troca de governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), quando
foram instituídas formas mais flexíveis de contratação, como contrato
temporário, e de jornada, com a adoção de banco de horas, para o do petista Luiz Inácio Lula da Silva, também fez mudar a
importância do tema.
"O que tinha de acontecer de
reforma trabalhista já aconteceu. O Brasil crescendo com formalização e outra
ideologia mudaram o debate", afirma o sociólogo Adalberto Cardoso.
No início de seu governo, em 2003, Lula promoveu um fórum nacional para debater a
reforma trabalhista, uma promessa de campanha que foi reiterada quando já
estava na Presidência. As discussões começaram pela reforma sindical, mas o
assunto morreu na praia. A falta de consenso era tanta que nem chegou a se
transformar numa proposta de mudança, diz Cardoso. E a promessa
de campanha ficou para trás, nos dez anos do PT no poder.
No governo de Dilma Rousseff, essa
hipótese ficou enterrada de vez. Sindicalistas presentes a reunião com a
presidente disseram que ela foi enfática ao negar qualquer reforma. Segundo
eles, Dilma declarou em março de 2012: "No meu
governo não vai ter reforma trabalhista. Nenhum ministro está autorizado a
falar sobre isso ou propor qualquer coisa nesse sentido".
Segundo o professor da Unicamp Claudio Dedecca, o tema está fora da agenda
política. Para Edward Amadeo, a forte geração de
emprego nos últimos anos fez a reforma perder apelo. Ele alerta que a reforma
não é só para criar emprego, mas também produtividade.
"O maior problema do Brasil hoje
é o baixo crescimento da produtividade. Se tivéssemos feito a reforma há dez
anos, a situação seria diferente", diz.
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