Para
Grijalbo Fernandes Coutinho, PL 4330/04 é um retrocesso com relação à súmula
331; projeto permite terceirizar, sem limites, em todo e qualquer segmento.
Na última semana, o juíz do Trabalho da 10ª
Região e ex-presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do
Trabalho (Anamatra), Grijalbo Fernandes Coutinho, participou de um seminário
sobre terceirização realizado na Escola Judicial do TRT4. Na ocasião, Grijalbo
Coutinho concedeu ao site do TRT4 a entrevista que segue, onde fala sobre a
terceirização e o Projeto de Lei 4.330/04.
Quais são os impactos da terceirização para o
trabalhador?
Na minha compreensão, os impactos são todos
negativos para o trabalhador. Não há sequer uma vantagem. A terceirização surge
com maior intensidade a partir dos anos 70 e ganha corpo definitivamente no
Brasil na década de 90. Hoje é uma verdadeira febre.
A terceirização tem dois propósitos muito
evidentes: o econômico e o político. Sua razão econômica é permitir aos patrões
a diminuição de custos com a exploração da mão de obra. Vários argumentos são
usados no sentido de que se trata de especialização, de racionalização, mas
tudo isso é secundário. A outra razão é a de cunho político. Nesse ponto o
objetivo é dividir os trabalhadores, fragmentá-los, especialmente em suas
representações sindicais.
A ideia de que a terceirização cria novos
postos de trabalho é inverídica. Os postos de trabalho são uma necessidade de
determinado setor. Ou você utiliza a mão de obra contratada diretamente pelo
tomador de serviços ou o faz por meio da terceirização.
O senhor menciona um crescimento da
terceirização no Brasil nos anos 90. Por que isso ocorreu?
Esta foi uma tendência mundial. O capital se
reestruturou a partir dos anos 70. Houve uma crise econômica evidente, a crise
do petróleo, do capitalismo norte-americano. E o capitalismo foi bastante hábil
para se reinventar, para continuar com aquela máxima de gerar lucro e criar
riquezas materiais. Um das formas de fazer isso é justamente diminuir o poder
do trabalho e de todas as suas organizações. Nada foi por acaso.
Assim como se verifica, a partir dos anos 90,
um processo intenso de privatização e de esvaziamento do Estado, por outro lado
há um duro golpe contra o trabalho. Houve a reestruturação dos modos de
produção, com utilização intensa dos recursos da robótica e da microeletrônica,
e a fragmentação da cadeia produtiva. Essa fragmentação ocorre tanto na
terceirização interna quando na externa.
A terceirização externa é observada
principalmente nas grandes empresas automotivas, onde a fragmentação é total.
As peças de um carro são fabricadas em diferentes regiões e países, sempre com
o intuito de se conseguir o menor custo. Na terceirização interna, contrata-se
um empregado e arranja-se uma pessoa para figurar como intermediário de mão de
obra. As duas formas são terríveis para o trabalhador. A diferença é que na
interna a fraude é escancarada, e na externa é menos perceptível.
Em qualquer caso, o senhor considera a
terceirização uma precarização da relação de trabalho?
A terceirização é, talvez, a forma mais
selvagem de precarização. Ela é mais selvagem do que o “negociado sobre o
legislado”, porque esconde o verdadeiro empregador, o verdadeiro beneficiado com
a mão de obra. Acho que os capitalistas não imaginavam, no fim do século XIX e
início do século XX, que arranjariam um artifício tão bem construído para
enganar os trabalhadores.
Hoje o mundo jurídico do trabalho apresenta
algumas soluções intermediárias, como se pretendesse remediar os efeitos, tapar
alguns buracos. Mas isso na verdade acaba abrindo as portas para o fenômeno.
A súmula 331 do TST, de 1993, é o exemplo de
uma solução intermediária. Ela admite a terceirização naquilo que é atividade
meio e proíbe a atividade fim. A partir desse parâmetro os diversos operadores
de direito têm se guiado. Eu reconheço a vontade política do TST de pôr um
freio no problema. Mas ao mesmo tempo, abriu-se a porta larga para
terceirização. E hoje o capital se acha tão forte que súmula já não resolve seu
problema. Parte considerável do capital estabelecido no Brasil, nacional e
estrangeiro, quer mais. Quer a possibilidade de se terceirizar em qualquer
atividade, meio ou fim, e sem quaisquer limites. É definitivamente uma era da
precarização absoluta. O que o PL 4330/04 pretende é ampliar os níveis de
precarização e de miséria social.
O PL 4330/04 é um retrocesso com relação à
sumula 331?
Sem dúvida. Tenho objeção total à súmula 331,
mas o PL 4330/04 é um tapa na cara dos trabalhadores brasileiros e de suas
organizações sindicais. É o escárnio. Se não é o fim do Direito do Trabalho, é
o mais duro golpe que se pode proferir contra ele, na sua historia centenária.
Nada mais grave foi praticado contra as relações de trabalho
institucionalizadas desde o fim da escravidão.
Por esse projeto, o Direito do Trabalho vai
atuar de forma superficial sobre relações precarizadas, flexibilizadas,
irrelevantes. Os empregadores vão se sentir à vontade para aumentar sua margem
de lucro e fugir da responsabilidade que é inerente à relação entre capital e
trabalho: a tensão social. Eles transferem essa tensão, de forma muito diluída,
a um terceiro que não reúne condições econômicas, financeiras ou políticas de
suportar qualquer pressão.
A súmula 331, para o senhor, já era um
retrocesso com relação ao enunciado 256?
Sim. A súmula 331 é de um momento em que o
trabalho começou a se fragilizar, e a terceirização a ganhar força. Alguns
entendiam que era uma realidade inevitável. Não era mais aquele quadro dos anos
80. O TST, tentando se aproximar de uma dura realidade, alterou sua
jurisprudência. Percebendo a correlação de forças entre capital e trabalho e
vendo aquele fenômeno se alargar cada vez mais tentou por um freio. E, como
disse, esse freio acabou abrindo um pouco mais a janela da terceirização.
Mas esse projeto que aí está, o PL 4330/04, é
algo sem precedentes. A súmula 331, frente ao PL 4330/04, vira uma referência
de proteção. Quando na verdade não é.
Qual é o ponto mais grave do PL 4330/04?
É a abertura larga, sem freios e sem limites,
da terceirização. É a terceirização em qualquer segmento, em qualquer atividade
e sem nenhum limite quantitativo. Há outros aspectos graves, mas esse que
permite terceirizar em tudo, em qualquer segmento ou atividade econômica é o
central. É o mais nocivo do projeto.
É possível fazer uma distinção clara entre
atividade meio e atividade fim?
Não, não é fácil. Embora a súmula 331 faça a
distinção, ela não conceitua o que é atividade fim e o que é atividade meio.
Mas a Justiça do Trabalho tem atuado, majoritariamente, com critérios e uma
certa rigidez que não permite uma terceirização tão ampla como esta que se
propõe.
Não tenho dúvidas de que esse projeto, que
tramita no congresso nacional há quase dez anos, ganhou força nos últimos
tempos porque setores do capital já não toleram mais a sumula 331, querem mais
do que isso. Se sentem incomodados com as interpretações proferidas por juízes
e tribunais acerca dos limites da terceirização. O projeto foi retirado da
gaveta em um movimento intenso do capital e do seu lobby.
Alguns defensores da PL 4330/04 afirmam que
ele é necessário em face da realidade brasileira, onde a terceirização é cada
vez maior. Qual a sua opinião sobre isso?
O fato de ter aumentado o número de
terceirizados não significa que tenhamos que ter uma legislação para isso. O PL
4330/04 acaba por legitimar esse quadro. Eu acho que existem repostas políticas
e jurídicas para resolver o problema. Esse projeto agrava a situação.
Falsamente se diz que o projeto vai resolver o problema de 16, 20 milhões de
terceirizados. É falso. Vai agravar a situação. Vai reduzir o salário desses 20
milhões e colocar mais 40 ou 50 milhões nesse mesmo quadro. Não vai resolver
absolutamente nada, o projeto é uma falácia. É muito bom para o setor
empresarial que faz uso da terceirização. Não tenha dúvida. É espetacular para
todos que querem reduzir os seus custos e sua responsabilidade social.
Qual seria a reposta adequada do Judiciário
para a terceirização?
O Judiciário tem que refletir. Eu sei que ele
é composto de homens e mulheres das mais variadas tendencias ideológicas, é
natural que assim o seja. E com essas diversas tendências a Justiça do Trabalho
tem dado respostas. De algum modo tem impedido a consumação de uma
terceirização sem limites. Já é alguma coisa.
Na minha compreensão, deveríamos ir além.
Deveríamos avançar no sentido de vetar a terceirização. Nesse ponto sou voz
minoritária. Mas acho que, na medida do possível, a Justiça do Trabalho tem
atuado de forma eficaz para evitar a propagação desse fenômeno econômico
absurdamente terrível para a democracia no país.
Fonte: CUT Nacional