sábado, 9 de novembro de 2013

"A TERCEIRIZAÇÃO É, TALVEZ, A FORMA MAIS SELVAGEM DE PRECARIZAÇÃO"



Para Grijalbo Fernandes Coutinho, PL 4330/04 é um retrocesso com relação à súmula 331; projeto permite terceirizar, sem limites, em todo e qualquer segmento.
Na última semana, o juíz do Trabalho da 10ª Região e ex-presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Grijalbo Fernandes Coutinho, participou de um seminário sobre terceirização realizado na Escola Judicial do TRT4. Na ocasião, Grijalbo Coutinho concedeu ao site do TRT4 a entrevista que segue, onde fala sobre a terceirização e o Projeto de Lei 4.330/04.

Quais são os impactos da terceirização para o trabalhador?
Na minha compreensão, os impactos são todos negativos para o trabalhador. Não há sequer uma vantagem. A terceirização surge com maior intensidade a partir dos anos 70 e ganha corpo definitivamente no Brasil na década de 90. Hoje é uma verdadeira febre.
A terceirização tem dois propósitos muito evidentes: o econômico e o político. Sua razão econômica é permitir aos patrões a diminuição de custos com a exploração da mão de obra. Vários argumentos são usados no sentido de que se trata de especialização, de racionalização, mas tudo isso é secundário. A outra razão é a de cunho político. Nesse ponto o objetivo é dividir os trabalhadores, fragmentá-los, especialmente em suas representações sindicais.
A ideia de que a terceirização cria novos postos de trabalho é inverídica. Os postos de trabalho são uma necessidade de determinado setor. Ou você utiliza a mão de obra contratada diretamente pelo tomador de serviços ou o faz por meio da terceirização.

O senhor menciona um crescimento da terceirização no Brasil nos anos 90. Por que isso ocorreu?
Esta foi uma tendência mundial. O capital se reestruturou a partir dos anos 70. Houve uma crise econômica evidente, a crise do petróleo, do capitalismo norte-americano. E o capitalismo foi bastante hábil para se reinventar, para continuar com aquela máxima de gerar lucro e criar riquezas materiais. Um das formas de fazer isso é justamente diminuir o poder do trabalho e de todas as suas organizações. Nada foi por acaso.
Assim como se verifica, a partir dos anos 90, um processo intenso de privatização e de esvaziamento do Estado, por outro lado há um duro golpe contra o trabalho. Houve a reestruturação dos modos de produção, com utilização intensa dos recursos da robótica e da microeletrônica, e a fragmentação da cadeia produtiva. Essa fragmentação ocorre tanto na terceirização interna quando na externa.
A terceirização externa é observada principalmente nas grandes empresas automotivas, onde a fragmentação é total. As peças de um carro são fabricadas em diferentes regiões e países, sempre com o intuito de se conseguir o menor custo. Na terceirização interna, contrata-se um empregado e arranja-se uma pessoa para figurar como intermediário de mão de obra. As duas formas são terríveis para o trabalhador. A diferença é que na interna a fraude é escancarada, e na externa é menos perceptível.

Em qualquer caso, o senhor considera a terceirização uma precarização da relação de trabalho?
A terceirização é, talvez, a forma mais selvagem de precarização. Ela é mais selvagem do que o “negociado sobre o legislado”, porque esconde o verdadeiro empregador, o verdadeiro beneficiado com a mão de obra. Acho que os capitalistas não imaginavam, no fim do século XIX e início do século XX, que arranjariam um artifício tão bem construído para enganar os trabalhadores.
Hoje o mundo jurídico do trabalho apresenta algumas soluções intermediárias, como se pretendesse remediar os efeitos, tapar alguns buracos. Mas isso na verdade acaba abrindo as portas para o fenômeno.
A súmula 331 do TST, de 1993, é o exemplo de uma solução intermediária. Ela admite a terceirização naquilo que é atividade meio e proíbe a atividade fim. A partir desse parâmetro os diversos operadores de direito têm se guiado. Eu reconheço a vontade política do TST de pôr um freio no problema. Mas ao mesmo tempo, abriu-se a porta larga para terceirização. E hoje o capital se acha tão forte que súmula já não resolve seu problema. Parte considerável do capital estabelecido no Brasil, nacional e estrangeiro, quer mais. Quer a possibilidade de se terceirizar em qualquer atividade, meio ou fim, e sem quaisquer limites. É definitivamente uma era da precarização absoluta. O que o PL 4330/04 pretende é ampliar os níveis de precarização e de miséria social.

O PL 4330/04 é um retrocesso com relação à sumula 331?
Sem dúvida. Tenho objeção total à súmula 331, mas o PL 4330/04 é um tapa na cara dos trabalhadores brasileiros e de suas organizações sindicais. É o escárnio. Se não é o fim do Direito do Trabalho, é o mais duro golpe que se pode proferir contra ele, na sua historia centenária. Nada mais grave foi praticado contra as relações de trabalho institucionalizadas desde o fim da escravidão.
Por esse projeto, o Direito do Trabalho vai atuar de forma superficial sobre relações precarizadas, flexibilizadas, irrelevantes. Os empregadores vão se sentir à vontade para aumentar sua margem de lucro e fugir da responsabilidade que é inerente à relação entre capital e trabalho: a tensão social. Eles transferem essa tensão, de forma muito diluída, a um terceiro que não reúne condições econômicas, financeiras ou políticas de suportar qualquer pressão.

A súmula 331, para o senhor, já era um retrocesso com relação ao enunciado 256?
Sim. A súmula 331 é de um momento em que o trabalho começou a se fragilizar, e a terceirização a ganhar força. Alguns entendiam que era uma realidade inevitável. Não era mais aquele quadro dos anos 80. O TST, tentando se aproximar de uma dura realidade, alterou sua jurisprudência. Percebendo a correlação de forças entre capital e trabalho e vendo aquele fenômeno se alargar cada vez mais tentou por um freio. E, como disse, esse freio acabou abrindo um pouco mais a janela da terceirização.
Mas esse projeto que aí está, o PL 4330/04, é algo sem precedentes. A súmula 331, frente ao PL 4330/04, vira uma referência de proteção. Quando na verdade não é.

Qual é o ponto mais grave do PL 4330/04?
É a abertura larga, sem freios e sem limites, da terceirização. É a terceirização em qualquer segmento, em qualquer atividade e sem nenhum limite quantitativo. Há outros aspectos graves, mas esse que permite terceirizar em tudo, em qualquer segmento ou atividade econômica é o central. É o mais nocivo do projeto.

É possível fazer uma distinção clara entre atividade meio e atividade fim?
Não, não é fácil. Embora a súmula 331 faça a distinção, ela não conceitua o que é atividade fim e o que é atividade meio. Mas a Justiça do Trabalho tem atuado, majoritariamente, com critérios e uma certa rigidez que não permite uma terceirização tão ampla como esta que se propõe.
Não tenho dúvidas de que esse projeto, que tramita no congresso nacional há quase dez anos, ganhou força nos últimos tempos porque setores do capital já não toleram mais a sumula 331, querem mais do que isso. Se sentem incomodados com as interpretações proferidas por juízes e tribunais acerca dos limites da terceirização. O projeto foi retirado da gaveta em um movimento intenso do capital e do seu lobby.

Alguns defensores da PL 4330/04 afirmam que ele é necessário em face da realidade brasileira, onde a terceirização é cada vez maior. Qual a sua opinião sobre isso?
O fato de ter aumentado o número de terceirizados não significa que tenhamos que ter uma legislação para isso. O PL 4330/04 acaba por legitimar esse quadro. Eu acho que existem repostas políticas e jurídicas para resolver o problema. Esse projeto agrava a situação. Falsamente se diz que o projeto vai resolver o problema de 16, 20 milhões de terceirizados. É falso. Vai agravar a situação. Vai reduzir o salário desses 20 milhões e colocar mais 40 ou 50 milhões nesse mesmo quadro. Não vai resolver absolutamente nada, o projeto é uma falácia. É muito bom para o setor empresarial que faz uso da terceirização. Não tenha dúvida. É espetacular para todos que querem reduzir os seus custos e sua responsabilidade social.

Qual seria a reposta adequada do Judiciário para a terceirização?
O Judiciário tem que refletir. Eu sei que ele é composto de homens e mulheres das mais variadas tendencias ideológicas, é natural que assim o seja. E com essas diversas tendências a Justiça do Trabalho tem dado respostas. De algum modo tem impedido a consumação de uma terceirização sem limites. Já é alguma coisa.
Na minha compreensão, deveríamos ir além. Deveríamos avançar no sentido de vetar a terceirização. Nesse ponto sou voz minoritária. Mas acho que, na medida do possível, a Justiça do Trabalho tem atuado de forma eficaz para evitar a propagação desse fenômeno econômico absurdamente terrível para a democracia no país.


Fonte: CUT Nacional

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

OAS FIRMA ACORDO E PAGARÁ R$ 15 MI EM CASO DE TRABALHO ANÁLOGO AO ESCRAVO



Do blog do Sakamoto

A Construtora OAS firmou um acordo judicial com o Ministério Público do Trabalho, homologado nesta quinta (7), em virtude das condições análogas às de escravo encontradas entre os trabalhadores contratados para as obras de expansão do Aeroporto Internacional de São Paulo, em Cumbica, município de Guarulhos.
A empresa pagará R$ 15 milhões, dos quais R$ 7 milhões serão revertidos a instituições e projetos voltados para a melhoria das condições de trabalho, preferencialmente na região de Guarulhos, e R$ 8 milhões destinados à solução dos problemas encontrados, como a garantia de alojamentos para os empregados, de acordo com nota divulgada após a homologação.
De acordo com Christiane Vieira Nogueira, procuradora do Trabalho responsável pelo caso, “houve aliciamento de trabalhadores, que eram mantidos em alojamentos em condições degradantes. A Justiça do Trabalho reconheceu essas condições''. Segundo ela, a situação que levou à formalização do acordo foi de trabalho análogo ao de escravo.
Ao todo, 111 migrantes do Maranhão, Sergipe, Bahia e Pernambuco foram submetidos a condições análogas à de escravidão e resgatados por auditores do Ministério do Trabalho e Emprego e procuradores do Ministério Público do Trabalho. Eles haviam sido contratados para trabalhar na ampliação do aeroporto mais movimentado da América Latina e passaram fome, segundo a fiscalização. Posteriormente, mais 39 trabalhadores nas mesmas condições foram encontrados e inseridos no acordo.
“Não houve acordo com a concessionária GRU [que administra o Aeroporto Internacional de São Paulo], que também tem responsabilidade pelos fatos. Portanto, será ajuizada uma ação civil pública contra a empresa'', explica Christiane.
Para Renato Bignami, coordenador estadual do programa de erradicação do trabalho escravo da Superintendência Regional de Trabalho e Emprego de São Paulo, que participou da operação, “trata-se do acordo de maior valor firmado em um caso de trabalho escravo em âmbito nacional, demonstrando que o rigor tem aumentado e as autoridades não irão relaxar com relação a essa violação aos direitos humanos''.
Segundo ele, a força-tarefa, envolvendo Ministério do Trabalho e Emprego, Ministério Público do Trabalho e Justiça do Trabalho, conseguiu coletar e reunir uma quantidade considerável de provas que garantiram a realização do acordo. “O resgate apontou que a situação era a ponta de um iceberg.'' Uma auditoria realizada pela Superintendência Regional, no âmbito da operação, mostrou que muitos outros trabalhadores estavam na mesma situação, tornando o acordo essencial para garantir os direitos fundamentais dos operários das obras do aeroporto de Guarulhos.
Parte significativa dos pedreiros, carpinteiros, armadores e serventes não contava com alojamentos tendo que procurar refúgio nas favelas da região. “A partir de agora, a empresa está obrigada a alojar em local decente todos os trabalhadores que não são de Guarulhos. E terá que comprovar isso, em 30 dias, para o Ministério Público do Trabalho'', afirma a procuradora. A OAS também deverá mostrar que está contratando regularmente os seus empregados, transportando-os de acordo com a legislação a partir de seus Estados de origem, e exigir que as prestadoras de serviço e subcontratadas procedam da mesma forma.
“O acordo conseguido entre o MPT e a empresa OAS é resultado direto do resgate de 111 trabalhadores encontrados em condições análogas às de escravo pela fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego em setembro último. O importante é os trabalhadores que foram resgatados estão a salvo em suas residências e receberam todas as verbas a que tinham direito'', afirma Renato. “Mais ainda, importa dizer que milhares de trabalhadores terão suas condições de vida e trabalho melhoradas, a partir do acordo conseguido na Justiça do Trabalho.''
Em nota na época da operação, a construtora declarou que “ vem apurando e tomando todas as providências necessárias para atender às solicitações'' do Ministério do Trabalho e Emprego. “A OAS ressalta que as pessoas que se encontravam nos locais citados pela fiscalização não eram funcionários da Construtora, e que a empresa, nas pessoas dos seus representantes, não teve qualquer participação no incidente relatado. Com isso, vem reafirmar seu forte compromisso com a segurança e bem estar de seus colaboradores e comunidades onde atua, bem como com as legislações vigentes”.
Este blog não conseguiu contatar os responsáveis pelo acordo pela construtora OAS até o momento e colocará a posição da empresa assim que a obtiver.

Resgate em setembro - As vítimas aguardavam ser chamadas para trabalhar alojadas em onze casas de Cumbica que estavam em condições degradantes. Dos trabalhadores resgatados, seis eram indígenas da etnia Pankararu. Além do aliciamento e da situação das moradias, também pesou para a caracterização de trabalho escravo pelo Ministério do Trabalho e Emprego o tráfico de pessoas e a servidão por dívida.
A primeira denúncia foi feita pelo Sindicato dos Trabalhadores na Construção Civil em Guarulhos ao MTE, que resgatou os primeiros trabalhadores no último dia 6 de setembro. Na ocasião, a fiscalização visitou três casas com um total de 77 pessoas que chegaram de Petrolândia, interior de Pernambuco, nos dias 13 de agosto e 1º de setembro. Cada uma havia pago entre R$ 300 e R$ 400 ao aliciador (“gato”) pela viagem e aluguel da casa, além de uma “taxa” de R$ 100 que seria destinada a um funcionário da OAS para “agilizar” a contratação. Eles iriam trabalhar como carpinteiros, pedreiros e armadores nas obras de ampliação do aeroporto de Guarulhos, que prometem aumentar a capacidade dele de 32 para 44 milhões de passageiros por ano até a Copa do Mundo de 2014.
Em um dos três alojamentos fiscalizados, 38 homens se espremiam na casa de dois andares com quatro quartos e dois banheiros. Devido à falta de espaço para todos, muitos dormiam na cozinha e até debaixo da escada. Quando o segundo grupo chegou, em 1º de setembro, alguns tiveram que passar duas noites em redes do lado de fora, na varanda, por falta de espaço no interior. Só então outra casa foi providenciada, mas em condições também degradantes. Os trabalhadores não tinham nenhum móvel à disposição e já haviam sido orientados a trazer seus colchões. Quem não trazia tinha que comprar um, dividir o espaço dos colchões dos demais ou dormir no chão enrolado em lençóis. Já a cozinha não tinha fogão ou geladeira e a comida era paga por eles mesmos com o pouco que haviam trazido de Petrolândia. A água faltava quase todo dia.
Os empregados haviam recebido a promessa de bons salários, registro em carteira e vales-refeição e transporte. Todos já tinham feito o exame médico exigido pela empresa e haviam apresentado os documentos necessários para contratação. Eles, no entanto, também tiveram que trazer as ferramentas necessárias para trabalhar. Ao chegar na empresa, ficaram sabendo que não poderiam apresentar os comprovantes de residência das suas cidades de origem porque esses deveriam ser de Guarulhos. Os migrantes, então, entregaram cópias de comprovantes das casas alugadas pelo “gato”, o que garantiria à OAS o não pagamento dos valores referentes ao alojamento, como o aluguel.
Depois do primeiro resgate, a notícia foi se espalhando por Cumbica. Denúncias chegaram ao sindicato, que informou ao MTE. Os auditores retornaram ao distrito nos dias 10 e 16 de setembro, quando fiscalizaram as condições dos empregados em outras oito casas. Todos se encontravam em condições semelhantes aos primeiros, de Petrolândia, e também esperavam o início dos trabalhos com documentos de contratação da OAS.
Além de ser uma das maiores construtoras do Brasil, a OAS é também a terceira empresa que mais faz doações a candidatos de cargos políticos, segundo levantamento do jornal Folha de S. Paulo. Entre 2002 e 2012, a empreiteira doou R$ 146,6 milhões (valor corrigido pela inflação). A OAS é uma das quatro empresas que formam o consórcio Invepar que, junto com a Airports Company South Africa, detêm 51% da sociedade com a Infraero para a administração do Aeroporto Internacional de Guarulhos através da GRU Airport. Para as obras de ampliação do aeroporto, onde foi flagrado trabalho escravo, o BNDES fez um empréstimo-ponte de R$1,2 bilhões.

(Com reportagem de Stefano Wrobleski)