sexta-feira, 14 de março de 2014

50 ANOS DO GOLPE: UMA ENTREVISTA COM SILVIO TENDLER (I)

Se dez vidas ele tivesse, com todas elas faria cinema político.

Léa Maria Aarão Reis



"Não há censura política, mas há uma censura econômica em cima dos filmes políticos brasileiros que pertencem a uma bela safra de produções de alta qualidade, mas à qual o povo não tem acesso,” diz o cineasta Silvio Tendler, professor de cinema e história na Faculdade de Comunicação da PUC-Rio e festejado diretor de dois clássicos do nosso cinema político – Jango e Os anos JK, as maiores bilheterias de docs nacionais. Conversamos com Tendler no escritório da sua produtora, a Caliban, no Rio de Janeiro, em Copacabana, onde ele também respondeu às perguntas enviadas de Buenos Aires pelo jornalista argentino Dario Pignotti. Dividimos, por isto, a sua entrevista em duas partes.
 
Silvio desenhou um paralelo entre a produção do cinema político brasileiro e das excelentes produções argentinas do mesmo gênero nos últimos 50 anos. Criticou a política para o cinema da Ancine (Agência Nacional de Cinema); a precariedade dos canais de exibição, distribuição e circulação dos filmes nacionais políticos e a concentração das salas em shoppings centers - quem vai a shopping para comer fast food e comprar roupa de marca não vai ver filme político”; - e investiu contra o esquema atual de horários das sessões – quem vai ao cinema às duas da tarde de uma terça-feira? –, além de contestar o alto custo das produções brasileiras.
 
Emociona-se, com toda razão, quando fala sobre Os inconfidentes, de Joaquim Pedro de Andrade, filme que adora. “Pouca gente o viu. Tem que ver Tiradentes dizendo ‘se dez vidas eu tivesse daria dez vidas para salvá-los’ momentos antes de ser enforcado e ao saber que a rainha concedera clemência aos companheiros condenados à morte excluindo-o do perdão. É muito lindo! Termina com o palanque com Magalhães Pinto (ou JK?) festejando o Dia da Independência e a PM mineira marchando em homenagem ao cara que foi morto e esquartejado como traidor...”
 
Incansável, e apesar das dificuldades, Tendler trabalha a pleno vapor. Dia 24 deste mês ele estreia, na TV Brasil, a série de cinco programas de 50 minutos - que resultaram em um longa de duas horas e dez minutos - o seu novo documentário Advogados contra a ditadura, patrocinado pelo Ministério da Justiça com participação da OAB. Dia 31, também na TV Brasil, inicia a emissão de Os militares que disseram não, emocionante testemunho de uma hora e trinta e cinco minutos sobre os que foram perseguidos de modo implacável e injusto pela ditadura. Juntos, eles representam 725 minutos de história. “É  algo inédito no Brasil,” ressalta. “As duas séries se complementam formando labirintos, caleidoscópios, quebra-cabeças, bem como gosto.”
 
Outro a ser lançado no primeiro semestre deste ano, O veneno está na mesa II, sequência do primeiro que realizou sobre o uso criminoso e o consumo dos agrotóxicos no país. O primeiro Veneno está disponível no Youtube. Todos vão circular - Silvio faz questão de enfatizar: “gratuitamente” - pelo Brasil assim como o seu Os caçadores da alma, de 2013, seleção de 13 filmes com os melhores fotógrafos do Brasil – também disponível no youtube.
 
Como se pode ver, se dez vidas Silvio tivesse, com as dez ele certamente faria cinema.
 
CM: Qual é o balanço que você faz do cinema político brasileiro nos últimos 50 anos? É tão vigoroso quanto o cinema argentino, por exemplo, neste gênero?
 
Acho que, num balanço geral, temos filmes muito importantes do ponto de vista político e realizados em certos momentos. Eles fizeram a história do cinema brasileiro.
 
Por exemplo?
 
Por exemplo, feito em plena ditadura Médici, Os inconfidentes,  de Joaquim Pedro de Andrade. Durante a ditadura do Figueiredo você tem Prá frente Brasil, do Roberto Farias,Eles não usam black tie, do Leon Hirszman. Por outro lado, há um cinema argentino, sempre muito politizado, que vem desde os anos 60, com La hora de los hornos, do Fernando Solanas até Luiz Puenzo e o seu A história oficial, que ganhou o Oscar. Tem um quase fla-flu nesta questão.
 
E hoje em dia?
 
Sem sombra de dúvida, hoje, a grande vantagem do cinema argentino em relação ao brasileiro não é por falta de filmes políticos brasileiros - quero deixar isto bem claro. É porque os filmes políticos brasileiros estão completamente marginalizados por conta da política da Ancine (Agência Nacional do Cinema Brasileiro). Não se pode esquecer que a Ancine foi criada durante o governo do FHC para dotar o cinema brasileiro de outra estrutura, para reestruturá-lo. Ela deveria ter sido demolida no primeiro dia do governo Lula.
 
Por quê?
 
A Ancine, que continua até hoje, contaminou toda a cultura. A Ministra Marta Suplicy, quando assumiu a pasta, e para justificar o terceiro mandato do Manoel Rangel, disse que a Ancine era uma agência diferente. Diferente em quê? A proposta, logo no início, era transformá-la em uma agência do cinema e do áudio visual. Nós fomos a favor. Mas a direita se rebelou. A lei não passou e hoje são feitas todas as trapalhadas possíveis com o cinema brasileiro.
 
A Ancine se orgulha de o cinema brasileiro ter feito 15 milhões de espectadores em 2012. Ora, se considerarmos que cada espectador médio brasileiro vai ao cinema duas vezes por ano, isto é pouco. Num país de 200 milhões de habitantes significa nada.
 
Não é uma questão de contabilidade completamente equivocada?
 
Sim! Você passa o filme em sessões para professores. Na platéia há 200, 300 professores. Você passa filmes em circuitos escolares. Temos dois mil jovens. Mas isso não é contabilizado!
 
Sem falar nos horários, por vezes absurdos.
 
Claro. As pessoas terminam indo ver filme americano com maior oferta de salas e horários. Um exemplo: quando lancei Jango, quando lancei JK, os meus filmes ficavam cinco semanas em cartaz em sessões das duas, quatro, seis, oito e dez horas. Hoje, você lança um filme com apenas duas sessões por dia -  duas e  seis. Quem pode ir ao cinema de tarde, às duas horas?
 
Os velhinhos aposentados que não precisam continuar trabalhando...
 
Às seis horas o estudante está saindo da escola, o indivíduo está saindo do trabalho... Ora, aí o filme não faz público. Então dizem que as pessoas não têm interesse pelo seu filme.
 
Em 1984, em plena ditadura militar, eu fiz Os anos JK e tivemos 800 mil de espectadores. Com Jango, um milhão. Hoje, em pleno governo popular, um documentário sobre Vinicius de Moraes faz 300 mil espectadores. O de Pelé faz 400 mil. Isto quer dizer que não temos cinema alternativo. Não temos salas de cinema alternativas. Os documentários políticos brasileiros são ótimos, de boa qualidade. Há uma safra de filmes maravilhosos, mas que fazem 30 mil espectadores.
 
Quais?
 
O dia que durou 21 anos, por exemplo. Fez 30 mil espectadores - se tanto. O filme de Flavia Castro, Diário de uma busca; o da Maria de Medeiros, os filmes da Lucia Murat. Mas o cinema não consegue chegar ao público porque em pleno governo popular as salas de cinema estão todas concentradas nos shoppings. Os ingressos custam uma fortuna. Para um casal ir ao cinema, gasta 100 reais. Quem pode? E quem vai ao shopping para consumirfast food e comprar roupa de marca não quer ver cinema político. Vai ver Hollywood ou aquilo a que já está habituado a assistir na televisão. O cinema brasileiro virou uma extensão da televisão em tela grande. Então, nós não temos espaço. Por que não se faz ingressos subsidiados? Filmes feitos com recursos públicos deviam ter um preço/teto de ingresso.
 
E na Argentina?
 
Lá existe um circuito de 20 salas estatais. Em Buenos Aires há um grande cinema, o Gaumont, defronte da Casa Rosada, que é um imenso cinema popular. Os ingressos, na Argentina, são baratos e há boas salas de exibição e com bons filmes
 
Mas aqui, no Rio, há as salas da Baixada Fluminense, o Ponto Cine...
 
São exceções que confirmam a regra.
 
O Gaumont também não é uma exceção em Buenos Aires?
 
Não. Lá, eles conseguiram manter um esquema de produção comercial completamente diferente do nosso. Produzir cinema na Argentina é muito mais barato que no Brasil. Um bom filme argentino custa, no máximo, a metade de um filme brasileiro médio. Lá, conseguiram montar uma estrutura de produção que não é milionária. Aqui, as leis de incentivos encareceram tudo. Como o dinheiro não pertence ao produtor, os preços no Brasil são muito maiores que os preços de lá. O dinheiro é público; então todo mundo cobra caro.
 
A indústria argentina é mais bem montada, não?
 
Sem dúvida. Você tem o Instituto Nacional de Cinema que dá menos recursos para os filmes. Aqui, ficamos fazendo um falso cinema comercial pela Ancine que inventou o tal Fundo Setorial do Áudio Visual do qual nunca se prestou contas. Nunca se disse quanto já foi investido e quanto retornou. Na Argentina  um movimento chamado DOCA - Documentaristas Argentinos. Há todo um sistema de financiamento público. Os filmes são muito mais baratos e as pessoas produzem com mais intensidade
 
Aqui, o Fundo Setorial não presta contas?
 
Você sabe quanto o Fundo Setorial, na verdade a Ancine, já colocou nos filmes e quanto recebeu de volta? Um filme como Besouro, por exemplo, que foi produzido e justificado para filme comercial, para circuito internacional: nunca tivemos uma prestação de contas. Não se sabe quanto ele custou, quanto deu de renda ou em quantos países foi mostrado. Se precisarmos de informações da Ancine temos que recorrer à Controladoria Geral da União (CGU), como já foi feito, porque a agência não libera informação, não revela o quanto o Fundo Setorial já investiu e se realmente é uma atividade lucrativa ou não. Assim navega o cinema brasileiro.
 
Na Argentina o mercado conta com muitos canais de exibição.
 
Além das salas, há centenas de canais de TV pela internet, de grupos alternativos – isto, anterior até à Ley de Medios. Há canais populares, as pessoas vão com mais frequência ao cinema. Os argentinos sempre foram mais organizados e mais politizados. Há mais cinemas de rua e os ingressos são mais baratos, como dissemos. Passeando em Corrientes vemos vários cinemas. No Rio, quantos cinemas ainda têm na Cinelândia? E na Avenida Copacabana? Em Madureira? Antigamente, Madureira era um termômetro de público do cinema brasileiro. O filme que faz público em Madureira é filme popular. Hoje, a Baixada não tem cinemas de rua.
 
Quais as alternativas que você vê, Silvio?
 
Fechar a Ancine. Aliás, acabar com todas as agências, um sistema baseado num modelo americano. Criar um instituto nacional do cinema com direção realmente colegiada, democrática e não gerenciada por quatro diretores dos quais dois são do mesmo partido político. (No caso de empate, em uma tomada de decisão, o presidente terá o voto de minerva e aí acaba tudo.)
 
Qual a importância do cinema fazer parte da sala de aula? 
 
Não defendo cinema apenas na sala de aula como é a proposta do Senador Cristovam Buarque. Cinema é também para os momentos de lazer. O que discuto é que não existe, por exemplo, uma interface entre o Ministério da Educação e o da Cultura. Na educação tem-se uma política de difusão da literatura brasileira subsidiada pelo estado. O jovem brasileiro pode ler livros da nossa literatura. Machado, Graciliano, Mario de Andrade, Jorge Amado. Mas não vê filmes brasileiros nas escolas. O estudante brasileiro não tem acesso ao cinema brasileiro, ao teatro brasileiro. No entanto, ver filme brasileiro não devia fazer parte apenas da sala de aula. Seria também para os momentos de lazer do jovem que poderia ouvir a proposta: ’toma aqui; vai ver um filme do Nelson Pereira’ ou então ‘tem aqui um Eduardo Coutinho, um Joaquim Pedro, um Silvio Tendler. Vai ver.’
 
Resuma, Silvio, esta primeira parte da nossa ótima conversa.
 
Por que precisamos aprender cinema só com cinema americano? É fundamental: vamos entender a linguagem que o cinema brasileiro pratica.



sábado, 1 de março de 2014

X SEMINÁRIO DO TRABALHO



Com oito edições, o Seminário do Trabalho já se consolidou como um evento de referência para a UNESP – Campus de Marília, por se constituir como um importante espaço de debate crítico e de troca de experiências entre diversos pesquisadores do Brasil e do mundo voltados para as questões pertinentes ao mundo do trabalho, em especial para as situações decorrentes das transformações do capitalismo global.



GOVERNO DEVE PRIORIZAR AGRICULTURA FAMILIAR COMO ESTRATÉGIA DE PRODUÇÃO DE ALIMENTOS


Vice-presidente da CUT, Carmen Foro, aponta avanços no incentivo à produção familiar, mas destaca que melhoria social do país exige mudanças na visão sobre o modelo agrícola

Escrito por: Luiz Carvalho

Responsável por 33% do Produto Interno Bruto (PIB) no Brasil e por 74% da mão de obra empregada no campo, a agricultura familiar deve orientar o modelo de produção agrícola no país, defende a vice-presidente da CUT, Carmen Foro.

Para a dirigente, também agricultora familiar, uma nação que tem como prioridade combater a fome deve se preocupar, acima de tudo, com a soberania alimentar e observar que esse modelo de produção é responsável por 70% dos alimentos na mesa dos brasileiros, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA).

O debate sobre o tema ganha ainda mais destaque em 2014 com a definição pela Organização das Nações Unidas (ONU) como o Ano Internacional da Agricultura Familiar, decisão que, para Carmen, também foi uma vitória brasileira.

“Tivemos papel fundamental nesse sentido por conta da capacidade de mobilização dos movimentos do campo e da decisão política, a partir do governo Lula, de colocar essa forma de produção em destaque.”

O resultado dessa mudança de visão fez diminuir em cerca de 50% a taxa de pobreza rural, o que equivale a 11 milhões de miseráveis a menos somente no campo, segundo estudo do MDA. Ainda de acordo com o levantamento, os programas sociais foram a fonte de renda que mais cresceu no setor (21,4%).

Essa transformação é fruto direto da mobilização dos movimentos sociais, que tiveram as reivindicações sobre crédito e apoio à comercialização dos alimentos atendidas por meio de medidas como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), que disponibilizará R$ 21 bilhões de crédito para a safra 2013/204.

Refoma agrária – Para Carmen, porém, os avanços precisam se transformar em políticas de Estado para que a continuidade não dependa de uma visão progressista dos próximos governos. Além disso, as medidas não excluem a necessidade de o país retomar a reforma agrária.

“Não é possível produzir comida se não tivermos celeridade tanto em relação à desapropriação de terras para a agricultura familiar produzir, quanto na regularização das áreas. Temos de entrar em um novo ciclo, não é possível tratar tudo como igual, porque não somos iguais ao agronegócio, temos finalidades diferentes. Se o agronegócio é importante para a balança comercial, a agricultura familiar é fundamental para garantir soberania alimentar”, avalia.

De acordo com o Censo Agropecuário mais recente, divulgado em 2006 pelo IBGE, apesar de representar a forma de produção mais presente no campo (84,4%), a agricultura familiar possui apenas 25% das terras no país.

Carmen aponta que um dos problemas é a avaliação do governo Dilma sobre a necessidade de primeiro qualificar os assentamentos e garantir a produtividade para depois voltar a desapropriar.

“O governo precisa sair deste lugar que já está há bastante tempo, de dizer que é muito caro desapropriar. Temos sim muitos assentamentos que não tiveram a atenção devida, mas também temos muita gente precisando de terra para produzir. Mais de 40 milhões de pessoas passaram a ter melhores condições de comer e se não investirmos na produção de alimentos, enfrentaremos problemas.  Precisamos pensar numa reforma agrária que regularize, desaproprie, garanta qualidade de vida para quem está no campo e permita produzir de maneira sustentável”, ressalta.

Cidade Por ser uma atividade que tem como mão de obra essencialmente o núcleo familiar e é voltada ao consumo interno, em contraste com o agronegócio, que utiliza trabalhadores contratados e é voltada à exportação, a agricultura familiar precisa de incentivos para quem produz sem agrotóxico como forma de baratear o custo do alimento ao consumidor.

“Isso depende de decisão política. Até agora, tivemos a construção da Política Nacional de Agroecologia, que significa um avanço importante, mas ainda precisa de muito tempo para sua consolidação e de maiores investimentos. Devemos ter algo amplo para mudar a lógica de produção agrícola no nosso país”, afirma.

Esse modelo precisa também levar em conta as condições da família que produz e a concorrência, explica a dirigente.

“Há questões que precisamos avaliar: como a família irá sobreviver se toda comunidade produz com veneno? Há o ponto da contaminação, mas também do olhar do mercado. Se por um lado a produção dele é algo importante, por outro enfrenta a concorrência do preço mais barato, porém, com agrotóxico. Isso é um desafio estruturante para definir qual modelo teremos no nosso país.”

Macrossetor e mulheres – Central com maior representação no campo – são 17 federações filiadas e mais de 1.500 sindicatos –, a CUT discute a criação de um macrossetor rural e deve realizar até o final do primeiro semestre deste ano um seminário para apontar o caminho na organização do setor.

“Desde novembro, todos os congressos de federações filiadas à CUT no Ceará, Rio Grande do Norte, Alagoas, Roraima e Piauí tiveram como centro do debate a construção de um modelo de desenvolvimento para o campo que seja sustentável e avance a partir da reforma agrária.”

Outro ponto comum em todos os encontros, comenta Carmen, foi o crescimento da participação das mulheres do campo, fator que coloca em debate a ocupação dessas trabalhadoras dos cargos de direção.

“Esse reflexo deve estar no comando político do movimento e não só na participação. Esse fruto, que é resultado de manifestações como a Marcha das Margaridas, realizada em parceria com a CUT, mostra o fortalecimento das trabalhadoras e aponta que não abrimos mão do empoderamento nos espaços políticos”, afirma. 

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