Atualizado em 13/02, às 15h15.
Campinas (SP) - O Tribunal Superior do
Trabalho (TST) realiza nessa quinta-feira (14), às 14 horas, audiência de
conciliação entre o Ministério Público do Trabalho e as multinacionais Shell do
Brasil (atualmente Raízen) e Basf S/A, na tentativa de firmar um acordo entre as
partes para encerrar uma ação civil pública que tramita no judiciário há
aproximadamente seis anos. Trata-se do maior processo já julgado pela justiça
do trabalho, cujo valor indenizatório ultrapassa R$ 1 bilhão.
As empresas foram processadas no ano de 2007 pelo
MPT em Campinas (SP) por expor trabalhadores a contaminantes de alta
toxicidade, por um período de quase 30 anos. De 1974 a 2002, a Shell e a Basf
(sucessora da primeira), mantiveram uma fábrica de pesticidas no município de
Paulínia (SP). A planta foi interditada por ordem judicial e posteriormente foi
desativada.
Na ação, o MPT pede que as multinacionais se
responsabilizem pelo custeio do tratamento de saúde dos ex-trabalhadores e de
seus filhos, além de pleitear uma indenização milionária por danos coletivos.
As empresas sofreram condenação em primeira
instância, na 2ª Vara do Trabalho de Paulínia, e em segunda instância, no
Tribunal Regional do Trabalho de Campinas.
As decisões determinam o custeio imediato do
tratamento de saúde de ex-empregados, autônomos e terceirizados e os filhos
destes que nasceram durante ou após a prestação de serviços, o que resulta em
um número aproximado de 1 mil beneficiários.
A condenação pecuniária soma a indenização por
danos morais coletivos no valor de R$ 761 milhões a um montante destinado aos
trabalhadores, equivalente a R$ 64.500 para cada indivíduo, devido à protelação
do processo por parte das empresas. As empresas recorreram no TST.
Por força de uma execução judicial provisória, a
obrigação contida na sentença de custear o tratamento de saúde dos
ex-trabalhadores e filhos passou a vigorar antes do trânsito em julgado, ou
seja, as empresas devem cumpri-la antes mesmo do julgamento do recurso
apresentado ao TST.
A audiência de conciliação terá o acompanhamento da
Procuradoria Geral do Trabalho, por meio de um subprocurador-geral.
Manifestação
Cinquenta ex-trabalhadores estarão em Brasília para
acompanhar a audiência de conciliação. Por volta das 8 horas, eles farão uma
manifestação em frente à Corte, para dar visibilidade ao caso, por meio de
panfletos e faixas.
Além do MPT, integram o processo o Sindicato dos
Químicos Unificados de Campinas e Região, a Associação dos Trabalhadores
Expostos a Substâncias Químicas (Atesq) e a Associação de Combate aos Poluentes
(ACPO).
Entenda o caso
No final da década de 70 a Shell instalou uma indústria
química nas adjacências do bairro Recanto dos Pássaros, em Paulínia. Em 1992,
ao vender os seus ativos para a multinacional Cyanamid, começou a ser discutida
a contaminação ambiental produzida pela empresa na localidade, até que, por
exigência da empresa compradora, a Shell contratou consultoria ambiental
internacional que apurou a existência de contaminação do solo e dos lençóis
freáticos de sua planta em Paulínia.
A Shell foi obrigada a realizar uma auto-denúncia
da situação à Curadoria do Meio Ambiente de Paulínia, da qual resultou um termo
de ajuste de conduta. No documento a empresa reconhece a contaminação do solo e
das águas subterrâneas por produtos denominados aldrin, endrin e dieldrin,
compostos por substâncias altamente cancerígenas – ainda foram levantadas
contaminações por cromo, vanádio, zinco e óleo mineral em quantidades
significativas.
Após os resultados toxicológicos, a agência
ambiental entendeu que a água das proximidades da indústria não poderia mais
ser utilizada, o que levou a Shell a adquirir todas as plantações de legumes e
verduras das chácaras do entorno e a passar a fornecer água potável para as
populações vizinhas, que utilizavam poços artesianos contaminados.
Mesmo nas áreas residenciais no entorno da empresa
foram verificadas concentrações de metais pesados e pesticidas clorados (DDT e
drins) no solo e em amostras de água subterrâneas. Constatou-se que os “drins”
causam hepatotoxicidade e anomalias no sistema nervoso central.
A Cyanamid foi adquirida pela Basf, que assumiu
integralmente as atividades no complexo industrial de Paulínia e manteve a
exposição dos trabalhadores aos riscos de contaminação até 2002, ano em que os
auditores fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) interditaram o
local, de acordo com decisão tomada em audiência na sede do MPT. Apesar do
recurso impetrado pela Basf, a interdição foi confirmada em decisão do Tribunal
Regional do Trabalho (TRT) da 2ª Região.
Em 2005, o Ministério da Saúde concluiu a avaliação
das informações sobre a exposição aos trabalhadores das empresas Shell,
Cyanamid e Basf a compostos químicos em Paulínia. O relatório final indicou o
risco adicional aos expostos ao desenvolvimento de diversos tipos de doença.
No ano de 2007, o MPT ingressou com ação civil pública para garantir os
direitos dos ex-trabalhadores ao custeio de tratamento de saúde, juntamente com
uma indenização milionária.
No meio tempo, em razão de um TAC firmado perante o
Ministério Público do Trabalho, o Centro de Referência em Saúde do Trabalhador
(Cerest) de Campinas examinou 69 ex-trabalhadores da Shell/Cyanamid/Basf e
enviou um relatório, que foi juntado aos autos do inquérito, sobre os
atendimentos realizados, cujo resultado apontou uma média de 6 diagnósticos por
indivíduo analisado.
Dos 17 casos diagnosticados, 10, ou seja, 58,8%
foram de neoplasia maligna, chamando atenção os cânceres de próstata e os de
tireóide. Houve ainda um caso de síndrome mielodisplásica. Quanto às doenças
endócrinas, o Cerest verificou que 67,9% dos diagnósticos foram dislipedimias
somadas às doenças da glândula tireóide.
Dos 34 casos de doenças do aparelho circulatório,
21 foram casos de doenças hipertensivas. Dentre as doenças do aparelho
digestivo, destacaram-se as doenças do fígado, além da ocorrência de casos de
doença diverticular do cólon e um caso de metaplasia intestinal em esôfago. Em
30 casos houve predominância de Lesões por Esforços Repetitivos (LER), enquanto
que 56 ex-trabalhadores apresentaram problemas sérios no aparelho
gênito-urinário, com afecções da próstata, alterações de fertilidade e
impotência sexual. Ainda houve exames em que o diagnóstico final não foi
comprovado, mas apresentaram alterações.
Desde o ajuizamento do processo já foram registrados
mais de 60 óbitos de ex-trabalhadores.
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