Investigação
realizada pela Repórter Brasil aponta os problemas à saúde e
segurança dos empregados das principais indústrias de carnes do país.
A
reportagem é do sítio Repórter Brasil, 10-09-2012.
A
rotina dos trabalhadores da indústria de abate de aves, suínos e bovinos
envolve inúmeros riscos devido ao manuseio de instrumentos cortantes, a pressão
por altíssima produtividade e, não raro, jornadas exaustivas em ambientes frios
e insalubres. Produzida pela Repórter Brasil,
a investigação Moendo Gente (www.moendogente.org.br) mostra os maiores problemas
da indústria dos frigoríficos, um dos principais setores do agronegócio nacional.
Atualmente, emprega mais de 750 mil pessoas e, em 2011, chegou a exportar o
equivalente a US$ 15,64 bilhões em carnes.
O Moendo Gente relata
problemas em 24 plantas frigoríficas pertencentes às três principais empresas
que abastecem nossos supermercados e fazem do país o líder mundial na
exportação de proteína animal: JBS, Marfrig eBrasil Foods.
Em 2011, a Repórter Brasil lançou um documentário mostrando o
retrato do trabalho em frigoríficos, Carne, Osso. Clique aqui para assistir ao trailer do filme.
Problemas de saúde
Na
unidade de Rio Verde (GO) da Brasil Foods,
segundo levantamento do Ministério Público do Trabalho (MPT), cerca de
90 mil pedidos de afastamento foram registrados entre janeiro de 2009 e
setembro de 2011. É como se a cada 10 meses todos os 8 mil empregados do
frigorífico tivessem que se ausentar por ao menos uma vez devido a problemas de
saúde relacionados ao trabalho.
Os
afastamentos por distúrbios osteomusculares (os chamados DORT) foram os
mais recorrentes – uma média altíssima de 28 atestados por dia, ou 842 por mês.
Já na unidade de Barretos (SP) da JBS, 14% dos aproximadamente 1.850
funcionários estão permanentemente afastados do trabalho devido a acidentes e
doenças ocupacionais e sobrevivem com o benefício pago pelo Instituto Nacional
do Seguro Social (INSS).
Só no primeiro semestre de 2011, registraram-se 496 pedidos de afastamento
temporário (com menos de 15 dias) por conta de distúrbios psíquicos e problemas
esquelético-musculares.
Em
2011, a Seara (empresa
do grupo Marfrig) foi
condenada a pagar uma indenização de R$ 14,6 milhões por danos morais coletivos
causados aos trabalhadores na unidade de Forquilhinha (SC). A Justiça
determinou também que a Seara conceda pausas para “recuperação térmica” de 20
minutos a cada 1 hora e 40 minutos de trabalho. A mesma sentença obriga ainda o
frigorífico a liberar a ida dos trabalhadores ao banheiro, sem que seja
necessária autorização prévia de um superior.
Atividade de alto risco
Uma
das características do trabalho em frigoríficos é a elevada carga de movimentos
repetitivos. Trabalhadores das indústrias de aves desossam, no mínimo, 4 coxas
de frangos por minuto. Nessa função, há funcionários que realizam até 120
movimentos diferentes em apenas 60 segundos, enquanto estudos ergonômicos
apontam que o limite de ações por minuto deve ficar na faixa de 25 a 33
movimentos por minuto para evitar o aparecimento de doenças osteomusculares.
Fiscalizações
feitas pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e pelo
Ministério Público do Trabalho (MPT) vêm
constatando prolongamento irregular da jornada de trabalho, com expedientes que
chegam a superar 15 horas diárias.
Especialistas
em saúde do trabalho afirmam que as lesões por esforços repetitivos têm como um
dos fatores facilitadores e agravantes a exposição a baixas temperaturas.
Além disso, o trabalho contínuo com facas, serras e outras ferramentas
afiadas, aliado a jornadas exaustivas, elevam o risco de acidentes da
atividade.
Órgãos
governamentais e autoridades competentes estão cientes dos riscos que o
trabalho em frigoríficos gera à saúde de seus empregados. Segundo dados
oficiais do Ministério da Previdência Social (MPS), quando se
comparam os problemas de saúde gerados especificamente pelo abate e
processamento de carne com os danos provocados por todos os demais segmentos
econômicos brasileiros, o resultado da matemática é assustador.
No
abate de bovinos, ocorrem duas vezes mais traumatismos de cabeças e três vezes
mais traumatismos de abdômen, ombro e braço que em outras atividades. O risco
de sofrer uma queimadura é seis vezes superior.
No
abate de aves, a chance de um trabalhador desenvolver um transtorno de humor,
como uma depressão, é 3,41 vezes maior. No abate de aves e suínos, o risco de
sofrer uma lesão no punho ou nos plexos nervosos do braço é 743% maior.
Baixas indenizações
Funcionários
de frigoríficos que se acidentam gravemente ou desenvolvem doenças ocupacionais
têm sido contemplados pela Justiça com indenizações por danos morais
comparáveis às recebidas por cidadãos que tiveram seus nomes inseridos
indevidamente no cadastro de “maus pagadores” da Serasa Experian.
Para
especialistas da área, as condenações impostas pelo Poder Judiciário aos
frigoríficos resultam em indenizações de valor muito baixo que, em vez de
inibir as práticas nocivas no setor, acabam permitindo que novos acidentes
ocorram.
Em Goiás, por
exemplo, um trabalhador de uma planta industrial da Marfrig teve de
ser submetido a uma cirurgia depois que um corte profundo em seu braço esquerdo
atingiu nervos e tendões, prejudicando a mobilidade de sua mão. Por não
fornecer os devidos Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), o frigorífico
foi condenado a arcar com os custos da cirurgia e a pagar uma indenização de R$
5 mil por danos morais ao empregado.
Também
em Goiás, uma
cliente processou um banco que levou seu nome à Serasa Experian e foi
contemplada com uma indenização de R$ 10 mil por danos morais.
Legislação específica para o
setor
A
legislação trabalhista do Brasil já prevê uma série de medidas que, se
devidamente aplicadas, contribuiriam para a proteção da saúde dos empregados do
setor de frigoríficos. O artigo 253 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), por
exemplo, determina a realização de intervalos de 20 minutos a cada 1 hora e 40
minutos de trabalho para amenizar os efeitos do frio. Há normas semelhantes
para mitigar os problemas gerados pelos movimentos repetitivos. Só que as
empresas nem sempre cumprem essas determinações e, por essa razão, vêm sendo
acionadas judicialmente pelo Ministério Público do Trabalho (MPT).
Desde
2010, a Secretaria Nacional de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e
Emprego (SIT/MTE)
vem debatendo com representantes de empresas, trabalhadores e órgãos
competentes (como o Ministério Público do Trabalho) o texto de uma Norma Regulamentadora (NR) que vai
disciplinar o trabalho em frigoríficos.
Se
aprovada, a NR fornecerá detalhes sobre o fornecimento de Equipamentos de Proteção
Individual (EPIs) aos
trabalhadores; a adequação dos postos de trabalho, levando em conta os
instrumentos (facas, serras)e o mobiliário (mesas, esteiras); a velocidade e o
ritmo de trabalho, e a concessão de pausas aos empregados. Esse último ponto é
o que tem sido objeto de mais controvérsias nas discussões sobre a nova NR, que
pode ser aprovada ainda em 2012.
Mercado global: o que pensa quem consome a carne brasileira
Atualmente,
a carne brasileira é vendida em mais de 150 países. Apesar dos graves problemas
trabalhistas em suas fábricas, Brasil Foods, JBS e Marfrig se
valem de parcerias com gigantes do varejo para escoar seus produtos no Brasil e
no exterior. A Repórter Brasil investigou ainda os elos que ligam
esses três grupos frigoríficos às maiores redes mundiais de fast-food (McDonald’s, Subway, Burger
King, KFC e Pizza Hut) e
aos dez maiores varejistas globais com atuação no setor alimentício (Walmart, Carrefour, Tesco,
Metro, Kroger, Lidl, Costco, Walgreens, Aldi eTarget).
A
unidade de Naviraí (MS) da JBS é uma
das plantas industriais da empresa que abastecem lojas brasileiras do Walmart.
Registros de desmaios e queixas de mal-estar entre trabalhadores levaram o
Ministério Público do Trabalho (MPT) a ajuizar
um pedido de interdição do setor de abate local, em novembro de 2010.
No
Oriente Médio, o Carrefour comercializa
carne halal (preparada de acordo com os preceitos islâmicos do Alcorão),
proveniente da unidade de Dois Vizinhos (PR) da Brasil Foods (BRF). Em 2011, a
Justiça do Trabalho condenou a BRF por terceirização ilícita e por submeter a
“condições absolutamente indignas” os trabalhadores muçulmanos empregados
localmente na produção desse tipo de item.
A
unidade da Marfrig em
Hulha Negra (RS) é responsável pela fabricação de carnes enlatadas “marca
própria” daTesco,
o maior varejista do Reino Unido. Uma inspeção do Ministério Público do
Trabalho (MPT),
realizada em dezembro de 2011, constatou que 12% dos empregados locais estavam
afastados por acidentes ou doenças ocupacionais.
Todos
os varejistas e redes de fast-food foram
convidados a se manifestar sobre os problemas identificados em operações
de seus fornecedores. O Moendo Gente traz as respostas daqueles que optaram
por se posicionar.
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