terça-feira, 27 de novembro de 2012

MORTES E ACIDENTES DE TRABALHO MANCHAM PRODUÇÃO DE FEERO NO MARANHÃO


Quatro trabalhadores morreram em siderúrgicas maranhenses desde 2010. Sindicato contabiliza 177 acidentes de trabalho nos últimos dois anos

Por André Campos

Em 25 de outubro, o soldador Kennys de Oliveira Silva, de 21 anos, tornou-se a mais recente vítima fatal em acidentes nas siderúrgicas do Polo Carajás, que congrega as fábricas de ferro gusa e aço instaladas no Maranhão e no Pará. Ele trabalhava há apenas dois meses nas obras de expansão do grupo Ferroeste em Açailândia (MA). Dono de uma das maiores indústrias de ferro gusa da região – a Gusa Nordeste –, o grupo está construindo aquela que deve ser a primeira aciaria a funcionar em território maranhense.

Kennys de Oliveira Silva, soldador morto trabalhando obras de expansão do grupo Ferroeste em Açailândia (MA). Foto: Divulgação/Justiça nos Trilhos


Uma descarga elétrica teria sido a causa do óbito, segundo informações fornecidas à família pelo Instituto Médico Legal (IML). A mãe do jovem, Iorlete Ferreira de Oliveira, aguarda um posicionamento da empresa sobre as circunstâncias do ocorrido. “O que me foi dito é que o resultado da perícia sairia, no máximo, em 30 dias”, informa.

O Sindicato dos Metalúrgicos de Açailândia e Região (STIMA) informa esta foi a quarta morte ocorrida em siderúrgicas maranhenses desde 2010. Numa avaliação preliminar, baseada em conversas com funcionários da Ferroeste, Jarlis Adelino, o presidente da entidade, acredita que o falecimento de Kennys Silva possa ser creditado a “uma fatalidade”. Em relação aos outros três óbitos, no entanto, ele vê a influência de falhas de segurança e problemas na organização do ambiente de trabalho. São casos que remetem, de acordo com o representante sindical, a um funcionário esmagado, a outro que foi atropelado por um caminhão, e ainda um terceiro que caiu de um telhado.

“Desconhecemos qualquer perícia oficial que tenha sido realizada devido às mortes”, coloca Adelino. Segundo ele, existem apenas as perícias feitas pelas próprias empresas. “Acredito que, para serem mais transparentes, elas deveriam ao menos contar com o acompanhamento do sindicato, mas isso não acontece.” O STIMA afirma ainda ser insuficiente, nas siderúrgicas locais, o número de pessoas empregadas em determinadas funções, fato que sobrecarrega funcionários e, consequentemente, traz riscos à segurança. A crise internacional, iniciada em 2008, provocou demissões significativas nas guseiras do Polo Carajás.

Atualmente, a indústria de ferro gusa maranhense emprega cerca de três mil pessoas. De acordo com o sindicato, o setor comunicou à Previdência Social, entre 2011 e 2012, a ocorrência de 177 acidentes de trabalho. Queimaduras e problemas de coluna estariam entre os principais problemas vivenciados pelos trabalhadores no cotidiano laboral do setor.

Estatísticas oficiais

Os dados mais recentes do Anuário Estatístico de Acidentes do Trabalho, publicado pela Previdência Social, apontam, entre 2008 e 2010, a produção de ferro gusa entre os 20 segmentos econômicos que tiveram maior incidência de acidentes de trabalho, doenças ocupacionais e incapacidade temporária de trabalhadores no Maranhão (em proporção ao número de empregos mantidos por cada setor). O Anuário leva em conta mais de 250 atividades econômicas desenvolvidas no estado.
Para Bruno Milanez, professor da Universidade Federal de Juiz de Fora, o cenário na produção de ferro gusa é particularmente preocupante em comparação com outros segmentos da siderurgia. “Na questão da saúde e segurança do trabalhador, houve um avanço muito maior nas siderúrgicas integradas do eixo Sul-Sudeste do que nas guseiras”, pondera. Entre 2002 e 2006, um artigo publicado por Milanez e pelo o pesquisador Marcelo Firpo de Souza Porto indentificou um sistemático aumento de acidentes no setor, em contraste com  tendência de queda em outros segmentos da siderurgia. Os estados do Pará e do Maranhão concentravam, na ocasião, os maiores índices de acidentes.


Mapa do pólo siderúrgico de Carajás, um dos principais no Brasil. Fonte:"Combate à devastação ambiental e ao trabalho escravo na produção do ferro e do aço"
A exposição dos trabalhadores à poluição atmosférica é outra preocupação levantada pelo padre Dário Bossi, um dos coordenadores da rede Justiça nos Trilhos. Segundo ele, faltam pesquisas sobre os efeitos da fuligem e da fumaça na saúde dos funcionários das siderúrgicas maranhenses. “Eles estão no ponto zero das emissões, então é uma situação preocupante”, ressalta. Em Açailândia, a poluição do ar oriunda do polo guseiro motiva inclusive ações do poder público para o reassentamento de moradores instalados em áreas vizinhas às fábricas.

Outro lado

Procurado pela Repórter Brasil, o grupo Ferroeste respondeu através de seu diretor e acionista, Ricardo Nascimento. Ele informa que a recente morte de Kennys Silva foi objeto de perícia, cujo resultado ainda não estava disponível até o fechamento dessa reportagem. Mas Nascimento adianta que o trabalhador recebeu todos os treinamentos cabíveis, dispunha dos equipamentos de segurança necessários e que toda a assistência possível foi dada à família. “Não houve imprudência da empresa. Foi um acidente, como pode acontecer em qualquer obra do Brasil”, coloca.


A reportagem também procurou o Sindicato da Indústria de Ferro Gusa do Estado do Maranhão (Sifema) para comentar questões sobre saúde e segurança do trabalhador. A entidade afirma que não há sobrecarga de função nas siderúrgicas. “Sobre o número de funcionários na linha de frente de produção, este é compatível com a capacidade de produção determinada em cada empresa”, atesta a entidade, por meio de nota. O Sifema também discorda da existência de dificuldades de acesso do sindicato dos trabalhadores às companhias do setor, “visto que, tanto o sindicato patronal, quanto suas filiadas, sempre mantiveram diálogo aberto com os trabalhadores e seus representantes, e sempre se mostraram disponíveis para prestação de informações solicitadas formalmente”.

Acesse aqui a nota completa encaminhada pela entidade.

POSTADO EM:



                          ________________________________________________

A MORTE À FERRO E FOGO

A violação sistemática dos direitos à vida dos trabalhadores indica uma condição estrutural da acumulação capitalista. É possível até prevermos o grau de risco e morbidade de determinadas atividades, e encarar com certa naturalidade as mortes estimadas, porém é revelador do destrutivismo imanente à exploração capitalista, cuja razão de ser transforma a essência do ser social – o trabalho – em mercadoria, em coisa, que como tal é descartável, substituível, reciclável, desgastável.

A produção de ferro gusa no Brasil é o exemplo evidente da exploração destrutivista do meio ambiente e do trabalhador, que começa na produção do carvão vegetal e atinge os processos industriais de produção do ferro-gusa.

A despeito de serem poucos os beneficiados na cadeia produtiva do ferro-gusa, ela é interpretada como alternativa de crescimento econômico e desenvolvimento social, porém algumas questões merecem ser colocadas sob o jugo de sua efetiva importância à sociedade.

Para a produção do ferro-gusa é imprescindível a superexploração do trabalho? Em que não somente a baixa remuneração é a regra, mas o desrespeito à saúde do trabalhador é explícita, com os extremos das mortes provocadas por doenças, mas também na lenta diluição da força vital que os adoecimentos promovem.

Quantas alternativas de modos de vida foram destruídas com a instalação destas atividades? Muitas vezes incentivadas pelo próprio Estado brasileiro, que sabemos que por fim é sua razão de ser é a promoção do crescimento capitalista, mas porque tamanho desrespeito com a própria “sustentabilidade” dos trabalhadores? Não é a falência de um modelo de sociedade, cujos efeitos imediatos acometem os elos mais frágeis, mas que a todos atingem pela sua incapacidade de promover uma perspectiva duradoura, de uma sociabilidade que se utilize dos enormes conhecimentos gerados pela humanidade.

A metáfora da corrente é muito válida para o assunto em tela, pois o aprisionamento destes trabalhadores às formas nefastas de viver está atrelada por sua vez à necessidade imanente do capital de que existam tais trabalhadores “suscetíveis” ao acorretamento, pois homens verdadeiramente livres não precisariam se submeter a tais condições, mas essa liberdade é contraditória à liberdade do capital.



COMENTÁRIO COM:

Marcelo Dornelis Carvalhal e Fernando Heck.

Nenhum comentário:

Postar um comentário