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Publicado em 11/2012
George Falcão Coelho Paiva
Catarina Arnaud de Medeiros Falcão Paiva
A empregada
gestante tem direito à estabilidade provisória mesmo na hipótese de admissão
mediante contrato por tempo determinado.
Até pouco tempo
atrás, era entendimento jurisprudencial praticamente unânime o de que as
gestantes contratadas por prazo determinado, ou que viessem a engravidar no
curso dos pactos a termo, não teriam direito à garantia no emprego[1].
Não se aplicaria, portanto, nessas hipóteses, o comando previsto no art. 10,
II, alínea “b”, do ADCT, segundo o qual fica vedada a dispensa arbitrária ou
sem justa causa da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até
cinco meses após o parto.
E o motivo parecia
simples: quem celebra um contrato de emprego por prazo determinado já sabe, de
antemão, quando esse contrato finalizar-se-á, sendo certo ainda que a dispensa
da empregada gestante, nesses casos, não se configura como arbitrária ou sem
justa causa. Essa realidade (ciência do contratado por prazo determinado),
obviamente, não mudou, tendo sido, entretanto, paulatinamente olvidada por
nossos tribunais, sobretudo na busca pela priorização do ser humano,
materializado na mulher gestante e seu nascituro, já que a manutenção do
emprego em benefício da mãe é elemento fundamental à subsistência de ambos.
O STF, inclusive,
ao analisar a constitucionalidade do comando constitucional provisório acima
indicado, já sinalizara entendimento que vai de encontro ao tradicionalmente
aplicado pelo TST, independentemente, inclusive, do tipo de contrato celebrado
com a gestante[2]. O legislador constituinte originário, ao
conceder, nas disposições constitucionais provisórias, o direito estabilitário
gestacional, não fez quaisquer distinções, de modo que o intérprete da lei
também não poderia o fazer. O tratamento dado à matéria pelo STF é de ordem
objetiva.
Ocorre que,
paulatinamente, esse entendimento tradicional foi sendo superado, seja para se
amoldar aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, do
primado do trabalho, do valor social do trabalho e da função social da
propriedade (e do empregador, por corolário) - ideais que regem nossa ordem
jurídico-constitucional -, seja, principalmente, para passar, como já dito, a
priorizar o nascituro e quem dele cuida em detrimento de outros valores de ordem
puramente econômica[3]. Assim, desde 14 de setembro de 2012 o TST,
através de seu Pleno, modificou o item III de sua Súmula 244 que, por sua vez,
passou a contar com a seguinte redação: “A empregada gestante tem direito à
estabilidade provisória prevista no art. 10, inciso II, alínea “b”, do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias, mesmo na hipótese de admissão
mediante contrato por tempo determinado”[4].
Eis alguns dos
principais argumentos utilizados pela jurisprudência atual a fim de sufragar o
entendimento de que as gestantes contratados por tempo determinado têm direito
à garantia de emprego:
a) A Constituição
Federal vigente não impôs qualquer distinção em relação ao tipo de contrato de
trabalho celebrado apto a afastar o direito à estabilidade, sendo esse direito
de ordem objetiva, portanto;
b) A proteção à
maternidade e ao nascituro é direito social fundamental, previsto
constitucionalmente e de forma expressa (art. 6º, caput, da CF/88), e se
sobrepõe ao direito do empregador de resilição do contrato, norma de ordem
infraconstitucional;
c) Os contratos
por prazo determinado, sejam os de prova (experiência), sejam de outro tipo,
são modalidades contratuais restritivas de direito e, como tais, somente são
oponíveis na permanência do mesmo estado de coisas do momento da contratação;
d) O contrato de
experiência, por exemplo, é, em essência, um pacto laborativo por tempo
indeterminado com uma cláusula de experiência, ou seja, vocacionado à vigência
por tempo indeterminado quando celebrado de boa-fé;
e) Segundo a Lei
de Introdução ao Código Civil, art. 5º, os fins sociais buscados pela lei devem
atendidos pelo julgador;
f) Os riscos do
negócio devem correr por contra do empregador (art. 2º da CLT) que, outrossim,
deve conduzi-lo se pautando no princípio da função social da empresa e;
g) Não se pode
presumir que a empregada que engravida no curso do contrato o faça de forma
proposital com o fito de se manter no emprego[5].
Por outro lado, a
possibilidade de transformação dos contratos por prazo determinado em contratos
por prazo indeterminado não é novidade em nossa ordem juslaboral (arts. 451 e
452 da CLT). Assim, inclusive, vem decidindo o órgão de cúpula trabalhista[6].
Pensamos que se o
grande fundamento do direito estabilitário é a tutela “integral” da gestante e
do nascituro, a estes deve ser dado um tratamento social pleno, com todas as
benesses que esse tratamento pode oferecer, ou seja, com o recebimento, ao fim
do pacto laborativo, de todos os direitos decorrentes de uma dispensa sem justa
causa. Para que isso seja possível e consentâneo com a melhor técnica do
direito se faz necessário seguir a linha de entendimento que enxerga a já
referida transformação do contrato em por prazo indeterminado. Do contrário,
ocorreria apenas uma extensão extraordinária de um contrato a termo - ocorrida
em razão da concessão do direito à garantia no emprego - que findaria
automaticamente quando do término do prazo inicialmente pactuado, sem,
obviamente, computar-se, nesse prazo, o período de garantia no emprego. Nessa
situação, não caberia falar-se em acerto rescisório pelo motivo “sem justa
causa”.
De toda forma,
independentemente das consequências jurídicas que podem advir da concessão do
direito estabilitário à gestante, não há dúvida de que a jurisprudência atual
sobre a matéria ora enfocada avança e segue um caminho alicerçado em bases
constitucionais e aparentemente sem volta, consentâneo com a própria natureza
do Direito do Trabalho[7], muito embora não sejam poucas as
tentativas legislativas de flexibilização e verdadeira diminuição dos direitos
laborais, em contrariedade, inclusive, ao que prevê o Pacto de San Jose da
Costa Rica[8], do qual é o Brasil signatário.
Bibliografia:
1. MAIOR, Jorge
Luiz Souto. In: Curso de direito do trabalho: a relação de emprego, volume II –
São Paulo: LTr, 2008.
2. DELGADO,
Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho - 5ª Ed – São Paulo: LTr, 2006.
3. GALLEGO, Juan
Guillermo Sánchez. Estabilidad laboral reforzada por maternidad. Disponível em:
http://www.sanchezgallegoabogados.com/noticias/estabilidad-laboral-reforzada-por-maternidad.html.
Acesso em 26 out, 2012, 10h00.
4. LOS DERECHOS DE
LA TRABAJADORA EMBARAZADA EN LA LEGISLACION ARGENTINA. Disponível em:
http://abogadoslaboralmdq.fullblog.com.ar/los-derechos-de-la-trabajadora-en-la-lct-abogados.html.
Acesso em 26 out, 2012, 23h00.
Notas
[1] Segundo a boa doutrina, o uso do termo
“garantia” no emprego se mostra mais apropriado em relação ao termo
“estabilidade”. Enquanto a garantia no emprego consiste na existência de fato
impeditivo de dispensa por determinado lapso temporal, a estabilidade, por sua
vez, impede o despedimento do empregado pela vontade do empregador de forma
definitiva.
[2] Em julgamento de Agravo Regimental no Recurso
Extraordinário nº 634.093/DF, com voto do Ministro Celso de Mello, atualmente
decano da Corte, já decidira o STF que “as gestantes – quer se trate de
servidoras públicas, quer se cuide de trabalhadoras, qualquer que seja o regime
jurídico a elas aplicável, não importando se de caráter administrativo ou de
natureza contratual (CLT), mesmo aquelas ocupantes de cargo em comissão ou
exercentes de função de confiança ou, ainda, as contratadas por prazo
determinado, inclusive na hipótese prevista no inciso IX do art. 37 da
Constituição, ou admitidas a título precário – têm direito público subjetivo à
estabilidade provisória, desde a confirmação do estado fisiológico de gravidez
até cinco (5) meses após o parto (ADCT, art. 10, II, “b”), e, também, à licença-maternidade
de 120 dias (CF, art. 7º, XVIII, c/c o art. 39, § 3º), sendo-lhes preservada,
em consequência, nesse período, a integridade do vínculo jurídico que as une à
Administração Pública ou ao empregador, sem prejuízo da integral percepção do
estipêndio funcional ou da remuneração laboral”.
[3] Outros ordenamentos jurídicos, como o da
Colômbia, por exemplo, já vinham, desde antes, decidindo de forma mais ousada
no sentido de que o direito à estabilidade “es una garantía que se consagra a
favor de todas lãs trabajadoras sin importar la modalidad de contrato de
trabajo”; já na Argentina a situação é semelhante àquela verificada até pouco
tempo no Brasil, isto é, à gestante não assiste direito à indenização
estabilitária quando contratada a prazo fixo ou de forma eventual (“... cuando
el despido se produce em esse plazo, la trabjadora tiene derecho a uma
indemnización especial equivalente a un año de remuneraciones (13 meses de
sueldo), excepto que esta contratada a plazo fijo y el mismo vence, o em los contratos
de trabajo eventual, ya que no se trata de despidos”).
[4] A redação original do item III da Súmula 244
do TST era a seguinte: “Não há direito da empregada gestante à estabilidade
provisória na hipótese de admissão mediante contrato de experiência, visto que
a extinção da relação de emprego, em face do término do prazo, não constitui
dispensa arbitrária ou sem justa causa”.
[5] MAIOR, Jorge Luiz Souto. In: Curso de direito
do trabalho: a relação de emprego, volume II – São Paulo: LTr, 2008.
[6] RR - 199-58.2011.5.04.0403 Data de
Julgamento: 17/10/2012, Relatora Ministra: Dora Maria
da Costa, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 19/10/2012
[7]"RECURSO DE REVISTA. ESTABILIDADE DA GESTANTE.
CONTRATO POR PRAZO DETERMINADO. NORMATIZAÇÃO ESPECIAL E PRIVILEGIADA À
MATERNIDADE CONTIDA NA CONSTITUIÇÃO DE 1988. ARTS. 10, II, B, DO ADCT, 7º,
XVIII, XXII, 194, 196, 197, 200, I, 227, CF/88. RESPEITO, FIXADO NA ORDEM
CONSTITUCIONAL, À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, À PRÓPRIA VIDA, AO NASCITURO E À
CRIANÇA (ART. 1º, III, E 5º, CAPUT, DA CF). Em princípio, a lógica dos
contratos a termo não permite qualquer possibilidade de maior integração do
trabalhador na empresa, além de já preestabelecer o final do próprio vínculo
empregatício. Em face disso, em regra, o instituto da garantia de emprego é
inábil a produzir, no contexto dos contratos a termo, a mesma extensão de
efeitos que seguramente propicia na seara dos contratos indeterminados. Por
outro ângulo, contudo, é certo dizer que a lógica dos contratos a termo é
perversa e contra ela se contrapõe todo o Direito do Trabalho, já que esse ramo
jurídico especializado busca aperfeiçoar as condições de pactuação da força de
trabalho no mercado. Por essas razões, a legislação busca restringir ao máximo
suas hipóteses de pactuação e de reiteração no contexto da dinâmica
justrabalhista. Note-se que a CLT não prevê a situação da gravidez como
situação excepcional a impedir a ruptura contratual no contrato a termo.
Contudo o art. 10, II, do ADCT da Constituição, em sua alínea b, prevê a
estabilidade provisória à –empregada gestante, desde a confirmação da gravidez
até cinco meses após o parto-. Estipula, assim, a vedação à dispensa arbitrária
ou sem justa causa. Ressalte-se que a maternidade recebe normatização especial
e privilegiada pela Constituição de 1988, autorizando condutas e vantagens
superiores ao padrão deferido ao homem - e mesmo à mulher que não esteja
vivenciando a situação de gestação e recente parto. É o que resulta da leitura
combinada de diversos dispositivos, como o art. 7º, XVIII (licença à gestante
de 120 dias, com possibilidade de extensão do prazo, a teor da Lei 11.770/2008,
regulamentada pelo Decreto 7.052/2009) e das inúmeras normas que buscam
assegurar um padrão moral e educacional minimamente razoável à criança e ao
adolescente (contidos no art. 227, CF/88, por exemplo). De par com isso,
qualquer situação que envolva efetivas considerações e medidas de saúde pública
(e o período de gestação e recente parto assim se caracterizam) permite
tratamento normativo diferenciado, à luz de critério jurídico valorizado pela
própria Constituição da República. Note-se, ilustrativamente, a esse respeito,
o art. 196, que afirma ser a saúde - direito de todos e dever do Estado,
garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco
de doença e de outros agravos...-; ou o art. 197, que qualifica como de
-relevância pública as ações e serviços de saúde...-, além de outros
dispositivos, como os artigos 194, 200, I, e 7º, XXII, CF/88. A estabilidade
provisória advinda da licença maternidade decorre da proteção constitucional às
trabalhadoras em geral e, em particular, às gestantes e aos nascituros. A proteção
à maternidade e à criança advém do respeito, fixado na ordem constitucional, à
dignidade da pessoa humana e à própria vida (art. 1º, III, e 5º, caput, da CF).
E, por se tratar de direito constitucional fundamental, deve ser interpretado
de forma a conferir-se, na prática, sua efetividade. Nesse sentido, correto o
posicionamento adotado pelo TRT, que conferiu preponderância ao direito
fundamental à dignidade da pessoa humana, previsto no art. 1º, III, da CF, e à
estabilidade assegurada às gestantes, na forma do art. 10, II, b, do ADCT, em
detrimento dos efeitos dos contratos a termo - especificamente em relação à
garantia de emprego. Nessa linha, está realmente superada a interpretação
exposta no item III da Súmula 244 do TST. Inclusive o Supremo Tribunal Federal
possui diversas decisões - que envolvem servidoras públicas admitidas por
contrato temporário de trabalho -, em que expõe de forma clara o posicionamento
de garantir à gestante o direito à licença-maternidade e à estabilidade,
independentemente do regime jurídico de trabalho. Sob esse enfoque, o STF
prioriza as normas constitucionais de proteção à maternidade, lançando uma
diretriz para interpretação das situações congêneres. Recurso de revista
conhecido e desprovido." (RR-52500-65.2009.5.04.0010, 6ª Turma, Rel. Min.
Mauricio Godinho Delgado, in DJ 16.3.2012).
[8] Convenção Americana sobre Direitos Humanos de
22 de novembro de 1969.
Autores
George Falcão Coelho Paiva
Juiz Federal do Trabalho da 21ª Região.
Catarina Arnaud de Medeiros Falcão Paiva
Estudante do 5º período de Direito da FESP
Como citar este
texto (NBR 6023:2002
ABNT):
PAIVA, George
Falcão Coelho; PAIVA, Catarina Arnaud de Medeiros Falcão. Uma brevíssima
análise acerca da mudança de rumo na jurisprudência pátria em relação à
estabilidade das gestantes. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3411, 2 nov. 2012 .
Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/22936>. Acesso em: 3
nov. 2012.
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