O gerente-geral de toxicologia da ANVISA, Luís Cláudio
Meirelles, foi exonerado do cargo nesta quarta-feira (14). Segundo carta
divulgada hoje, o pesquisador que trabalhava há 12 anos na ANVISA, denunciou
irregularidades graves na liberação de agrotóxicos. “As graves irregularidades
envolveram o deferimento de produtos sem a necessária avaliação toxicológica,
falsificação de minha assinatura e desaparecimento de processos em situação
irregular.”
Ao constatar as irregularidades, Meirelles
tomou as atitudes esperados de um funcionário público: “Em seguida, solicitei
ao Diretor-presidente o afastamento do Gerente da GAVRI, pois os problemas
estavam relacionados às atividades de sua Gerência, assinalando que houve rompimento
da relação de confiança exigida para o cargo.”. Entretanto, a medida contrariou
interesses maiores dentro da instituição, e na relação com o Ibama e MAPA.
“As razões para a exoneração me foram
transmitidas pelo Diretor-Presidente da ANVISA. Após elogiar o trabalho, a
lisura e o reconhecimento externo que conferi à GGTOX, ele me informou
que, na sua visão, o encaminhamento das irregularidades foi confuso e inadequado,
e que faltou diálogo prévio (..). Afirmou, ainda, que o processo de afastamento
do gerente da GAVRI não fora apropriado, e que a indagação do Ministério
Público sobre esse fato, que antecedeu às investigações internas, não deveria
ter ocorrido.”
Segundo informações, os agrotóxicos liberados
com assinatura falsa de Meirelles seriam utilizados para ferrugem da soja, ou
seja, estão ligados aos grandes interesses do agronegócio brasileiro. Ele ainda
detalha na carta as pressões que a ANVISA tem sofrido para liberar cada vez
mais agrotóxicos, sem a devida preocupação com a saúde da população. Confira a
integra da carta de Luís Cláudio:
“Comunico que, no dia 14 de novembro de 2012,
deixei o cargo de Gerente Geral de Toxicologia da ANVISA, após ter trabalhado
por 12 anos e 9 meses na agência, cedido pela Fundação Oswaldo Cruz-FIOCRUZ,
para onde retorno.
Durante estes anos, tive a oportunidade de
interagir com muitos colegas e amigos, que muito me ensinaram. Levo da ANVISA
riquíssima bagagem sobre a importância da prevenção e controle que a Vigilância
Sanitária desenvolve para produzir saúde e bem-estar para a população.
Agradeço sinceramente a todos que colaboraram
com a minha gestão e, ao final deste texto, segue meu novo endereço
profissional na FIOCRUZ, Rio de Janeiro, onde estarei à disposição para o
desenvolvimento de trabalhos de interesse público na área da saúde.
Em seguida apresento informações sobre a
minha saída da ANVISA e destaco algumas questões preocupantes sobre o contexto
atual, que poderão afetar a atuação do setor Saúde no controle de agrotóxicos
do Brasil.
Sobre
os fatos
No início do mês de agosto, identificamos
irregularidades na concessão dos Informes de Avaliação Toxicológica de produtos
formulados, que autorizam o Ministério da Agricultura a registrar os
agrotóxicos no país. Frente aos primeiros fatos, solicitei aos gerentes que
levantassem as informações para a imediata adoção de providências. Os
levantamentos foram realizados e contaram com a colaboração dos responsáveis
pela Gerência de Análise Toxicológica – GEATO e da Gerência de Normatização e
Avaliação – GENAV. A Gerência de Avaliação do Risco – GAVRI não colaborou com
qualquer informação.
As graves irregularidades envolveram o
deferimento de produtos sem a necessária avaliação toxicológica, falsificação
de minha assinatura e desaparecimento de processos em situação irregular.
Primeiramente identificamos irregularidade em
um produto, posteriormente em mais cinco, e recentemente em mais um, com
problemas de mesma natureza. Para cada um deles foi instruído um dossiê com a
identificação da irregularidade e a anexação de todas as provas que mostram que
o Informe de Avaliação Toxicológica foi submetido para liberação sem a devida
análise toxicológica.
Por ocasião da primeira irregularidade
observada, comuniquei de imediato os fatos ao Chefe da Coordenação de Segurança
Institucional – CSEGI, que também é Diretor-adjunto do Diretor-Presidente, e ao
Diretor da Diretoria de Monitoramento – DIMON. Informei a ambos que estava
enviando os processos à CSEGI para adoção de providências e cancelando os
documentos de deferimento. Não recebi qualquer orientação adicional ao que
propus.
Em seguida, solicitei ao Diretor-presidente o
afastamento do Gerente da GAVRI, pois os problemas estavam relacionados às
atividades de sua Gerência, assinalando que houve rompimento da relação de
confiança exigida para o cargo.
Todos os procedimentos e medidas foram
previamente apresentados às instâncias superiores da ANVISA, na busca de
auxílio e orientação. As medidas que me cabiam, enquanto gestor da área, foram
adotadas para garantir a segurança dos servidores, dos documentos e dos
sistemas acessados pelos técnicos da GGTOX, bem como a imprescindível
visibilidade institucional.
Sobre
as medidas adotadas
Para todos os produtos que apresentaram
suspeita de irregularidade na avaliação toxicológica, emiti ofícios às
empresas, suspendendo o Informe de Avaliação Toxicológica concedido pela
GGTOX/ANVISA, bem como determinando, em alguns casos, que se abstivessem de
comercializar o produto até que as irregularidades fossem apuradas e sanadas.
Também encaminhei os ofícios ao Ministério da Agricultura, com cópia para o
IBAMA, notificando as decisões e solicitando as medidas adequadas.
Solicitei à Gerência Geral de Tecnologia da Informação-GGTIN, cópia do backup de todos os documentos da pasta da GGTOX que ficam no servidor da ANVISA. A cópia está disponível na GGTIN e para o Gerente Geral de Toxicologia, no modo leitura.
Solicitei à Gerência Geral de Tecnologia da Informação-GGTIN, cópia do backup de todos os documentos da pasta da GGTOX que ficam no servidor da ANVISA. A cópia está disponível na GGTIN e para o Gerente Geral de Toxicologia, no modo leitura.
Encaminhei à CSEGI o relato de todas as
medidas adotadas, a descrição detalhada dos fatos e os documentos juntados,
para a adoção das providências cabíveis. Informei ainda, em todos os
memorandos, que seguíamos na busca de outras possíveis irregularidades, o que
poderia resultar no envio de novos processos àquela Coordenação.
Por último, comuniquei os fatos e
providências ao conjunto dos servidores, e discutimos a natureza grave do
problema. Enfatizei, ainda, a importância de garantir o prestígio da
GGTOX-ANVISA e de quem nela trabalha, afastando as estratégias destrutivas que
buscam desqualificar a ação reguladora das instituições públicas em episódios
com este.
Sobre
a exoneração
As razões para a exoneração me foram
transmitidas pelo Diretor-Presidente da ANVISA. Após elogiar o trabalho, a
lisura e o reconhecimento externo que conferi à GGTOX, ele me
informou que, na sua visão, o encaminhamento das irregularidades foi
confuso e inadequado, e que faltou diálogo prévio, o que gerou dificuldades na
relação de confiança entre minha pessoa e a Diretoria. Afirmou, ainda, que o
processo de afastamento do gerente da GAVRI não fora apropriado, e que a
indagação do Ministério Público sobre esse fato, que antecedeu às investigações
internas, não deveria ter ocorrido.
Em resposta, discordei dos argumentos
apresentados, pois, como dito por ele, não havia críticas à minha gestão, e a
solicitação de investigação das irregularidades era de minha obrigação enquanto
gestor e servidor público. Também destaquei que respeitei a hierarquia e os
encaminhamentos formais.
Disse ainda que sempre estive à disposição da Diretoria para informá-la dos fatos, e busquei diálogo e orientação junto à CSEGI e à DIMON. Lembrei que, durante o episódio, as gerentes da GEATO e da GENAV não foram chamadas sequer uma vez para informar ou confrontar alguma afirmação que por ventura não tivesse sido clara o suficiente para suscitar uma rápida tomada de providências.
Disse ainda que sempre estive à disposição da Diretoria para informá-la dos fatos, e busquei diálogo e orientação junto à CSEGI e à DIMON. Lembrei que, durante o episódio, as gerentes da GEATO e da GENAV não foram chamadas sequer uma vez para informar ou confrontar alguma afirmação que por ventura não tivesse sido clara o suficiente para suscitar uma rápida tomada de providências.
Também esclareci ao Diretor-Presidente que as
manifestações externas sobre a minha exoneração não deveriam ser interpretadas
como pressão para me manter nesse cargo, pois eu tampouco desejava continuar a
trabalhar sob sua direção. No entanto, zelaria para que a apuração das
irregularidades fosse levada até a última instância.
Sobre
o futuro
Frente ao exposto, considero importante
compreender que o episódio das irregularidades deve ser tratado com a firmeza
necessária, sem que isto venha denegrir a qualidade do trabalho realizado pela
Gerência de Toxicologia ou ocultar a tentativa de desregulamentação do controle
dos agrotóxicos no Brasil.
Nesse contexto, destaco alguns fatos que vêm
ocorrendo e cujo objetivo é o de retirar competências da Saúde ou
“flexibilizar” sua atuação. Eles têm sido debatidos e repudiados pela
Gerência, pelo retrocesso que representam para a sociedade:
- O Projeto de Lei – PL n? 6299/2002, ao qual
foram apensados outros PLs (PL 3125/2000, PL 5852/2001, PL 5884/2005, PL
6189/2005, PL 2495/2000, PL 1567/2011; PL 4166/2012; PL 1779/2011, PL 3063/2011
e PL 1567/2011), que estão tramitando na Comissão de Constituição e Justiça da
Câmara Federal, e que retiram competências da ANVISA e do IBAMA nas avaliações
de agrotóxicos.
- A criação de uma “Agência nacional de Agroquímicos”, veiculada pela mídia, e cujo conteúdo informa que um dos fatores impeditivos da implementação da nova Agência seria a “resistência dos técnicos da ANVISA”(sic).
- As tentativas de desqualificação da Consulta Pública 02, de 2011, oriunda da revisão da Portaria 03, de 1992, e que estabelece critérios cientificamente atualizados para a avaliação e classificação toxicológica de agrotóxicos. Durante o período da consulta pública, o setor regulado chegou a propor que esta revisão fosse suspensa.
- A criação de uma “Agência nacional de Agroquímicos”, veiculada pela mídia, e cujo conteúdo informa que um dos fatores impeditivos da implementação da nova Agência seria a “resistência dos técnicos da ANVISA”(sic).
- As tentativas de desqualificação da Consulta Pública 02, de 2011, oriunda da revisão da Portaria 03, de 1992, e que estabelece critérios cientificamente atualizados para a avaliação e classificação toxicológica de agrotóxicos. Durante o período da consulta pública, o setor regulado chegou a propor que esta revisão fosse suspensa.
- As tentativas permanentes de impedimento da reavaliação
de agrotóxicos ou de reversão das decisões já adotadas, através das constantes
pressões políticas e demandas judiciais. Tais procedimentos tem sufocado
o trabalho da Gerência. Oito produtos ainda estão pendentes de conclusão;
a proibição do metamidofós foi emblemática, pelo tanto que onerou as atividades
da equipe.
- As tentativas de flexibilização da legislação, com o intuito de permitir a criação de normas que autorizem as alterações de composição e o reprocessamento de produtos, sem critérios técnicos fundamentados.
- As tentativas de flexibilização da legislação, com o intuito de permitir a criação de normas que autorizem as alterações de composição e o reprocessamento de produtos, sem critérios técnicos fundamentados.
Abraços.
Luiz Cláudio Meirelles
Pesquisador em Saúde Pública
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